O registro dos pagamentos de auxílio-mudança a suplentes que assumiram o mandato de deputado nos últimos 20 anos mostra que apenas uma semana ou mesmo um dia de trabalho garantiram a mordomia, ainda que proporcional aos dias trabalhados. Outros deputados receberam "ajuda de custo" integral por 15 ou 20 dias no cargo, como o atual senador Izalci Lucas (PSDB-DF) – aquele que mantém 86 assessores no seu gabinete.
A ajuda de custo foi criada há 70 anos supostamente para compensar as despesas de transporte no início e no final do ano. Na prática, é apenas salário extra. Afinal, os deputados já dispõem da cota de passagens aéreas. Em 2009, a Câmara passou a exigir o mínimo de 30 dias de mandato para pagar a “ajuda” integral. Em 2014, a ajuda virou oficialmente “auxílio-mudança”, paga no início e no final da legislatura, de quatro anos. Mas as quantias pagas a quem ficou alguns dias no cargo não pagariam a tal mudança.
Levantamento feito pelo blog mostra que 28 suplentes ficaram até 30 dias no cargo nas últimas duas décadas. O número dos que ficaram até 120 dias no mandato – período que corresponde à licença dos titulares para tratar de assuntos particulares – chegou a 143.
A dança das cadeiras
Os suplentes também se alternam no mandato, e vão acumulando verbas extras. O deputado Sílvio Torres (PSDB-SP) assumiu o mandato, na condição de suplente, às 17h14 do dia 8 de fevereiro de 2011, no lugar do deputado José Aníbal (PSDB-SP), que assumiu uma secretaria estadual. O mandato foi encerrado à meia noite daquele dia. No dia seguinte, o próprio Torres assumiu a Secretaria de Habitação e deixou o mandato. Pela rápida estada na Câmara recebeu R$ 890 de ajuda de custo.
No lugar de Torres, entrou o deputado Alberto Mourão (PSDB), que recebeu “ajuda” de R$ 26,7 mil no início de mandato mais R$ 26 mil no final de 2011. Ganhou novas “ajudas” em fevereiro e dezembro de 2012, embora tenha deixado o mandato entre 12 de junho e 14 de agosto daquele ano.
O suplente Walter Feldman (PSDB-SP), hoje secretário-geral da Confederação Brasileira de Futebol, assumiu o mandato como suplente de 10 a 15 de fevereiro de 2011. Recebeu R$ 4,4 mil de ajuda para “transporte” – R$ 7,7 mil atualizados pela inflação do período. Ele voltou a assumir o cargo de 3 de janeiro a 13 de junho de 2012 e recebeu, então, uma “ajuda” integral, no valor de R$ 26,7 mil.
Ajuda de custo parcelada
Nelson Bornier (PMDB-RJ) assumiu como suplente de 10 a 16 de fevereiro e recebeu imediatamente R$ 5,3 mil – R$ 8,7 mil atualizados – correspondente a seis dias de trabalho. Voltou ao cargo no dia 18 do mesmo mês e recebeu mais R$ 21,4 mil – R$ 34,7 mil hoje – para completar o valor equivalente a 30 dias de labuta. Em fevereiro, gastou R$ 6,7 mil da cota para o exercício do mandato, principalmente com passagens aéreas e telefone. Com a correção monetária, seriam R$ 12 mil.
Robinson Almeida (PT-BA) esteve no mandato de 25 de janeiro a 1º de fevereiro de 2017. Ele recebeu o “auxílio-mudança” integral de R$ 33,7 mil em janeiro. Reassumiu de 3 fevereiro a 1º de agosto do mesmo ano. A Câmara foi questionada por que o suplente recebeu a verba integral se ficou apenas sete dias no cargo. Respondeu que o deputado realmente recebeu ajuda de custo referente ao início de mandato, mas acrescentou que ele retornou ao mandato no dia 3 de fevereiro, permanecendo no cargo até julho. Assim, completou os 30 dias exigidos.
Hoje conhecido como o rei do “cabide de empregos” no Senado, o então deputado Izalci exerceu o mandato como suplente de 1º a 15 de março de 2007. Segundo os registros oficiais, ele recebeu uma ajuda integral, no valor de R$ 12,8 mil na época, paga em maio. A Câmara afirma que o parlamentar fazia jus ao recebimento da ajuda de custo devido a posse em março. Mas, por uma falha administrativa, o registro foi feito apenas em maio.
O deputado Salomão Gurgel (PDT-RN) assumiu como suplente de 31 de outubro a 26 de novembro de 2001 e recebeu uma ajuda de custo integral, no valor nominal de R$ 8 mil, em dezembro daquele ano. A Câmara informou que o pagamento se refere “ao término da sessão legislativa”. Ele já havia ocupado o mandato por sete meses naquele ano, de março a outubro. Outro que recebeu ajuda integral foi José Rajão (PSDB-DF), que ficou no cargo por 22 dias, de 21 de junho a 13 de julho de 2004.
Tem também a rebarba de final de mandato. O suplente Fernando Jordão (MDB-RJ) assumiu no finalzinho da legislatura 2011/2015, ficando no cargo de 6 a 31 de janeiro de 2015. Recebeu a ajuda de custo de R$ 26,7 mil e ainda gastou R$ 8,6 mil com 11 passagens aéreas num período de 15 dias. Ele mesmo fez três viagens, mas quem mais usou a cota foi o assessor Marcus Barbosa, que fez seis viagens.
A regulamentação do auxílio-mudança
A ajuda de custo no início e final do ano legislativo foi criada em 1948. O "auxílio-mudança" era concedido também no início e no final das convocações extraordinárias, em janeiro ou em julho, com duração de menos de um mês. Assim, deputados e senadores podiam receber até quatro salários extras por ano. Essa ajuda extra pelas convocações foi cancelada em 2006, após críticas da imprensa e de entidades da sociedade civil.
Em fevereiro de 2009, este blogueiro revelou que vários deputados – secretários estaduais que renunciaram para participar da sessão de início do ano legislativo – receberiam uma ajuda de custo integral por apenas um dia de trabalho. A reportagem foi publicada no jornal Correio Braziliense. A Mesa Diretora da Câmara se reuniu no mesmo dia e baixou o Ato da Mesa 34/2009, que passou a exigir o mínimo de 30 dias no cargo para o deputado receber a ajuda integral.
Mas o ato não resolveu tudo. Como a ajuda é anual, deveria ser proporcional aos 365 dias do ano e não aos dias do mês. Ato conjunto – da Câmara e do Senado – já estabelecia que, para receber a parcela do final do ano, o parlamentar teria que comparecer a pelo menos dois terços da sessão legislativa.
A mais recente alteração aconteceu em 2014, com a oficialização do “auxílio-mudança”. O Decreto Legislativo 276/14 diz que o benefício é pago no início e no final da legislatura “para compensar as despesas com mudança e transporte”. Mais uma impropriedade, porque os deputados e senadores contam com apartamentos mobiliados ou moram em hotéis ou apart hotéis. Não há mudança a fazer, portanto.
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