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Lúcio Vaz

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Previdência

Meio trilhão: tem pensões milionárias de filhas solteiras, parentes de anistiados, de ministros do STF

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As pensionistas “filhas solteiras” de servidores da União já receberam um total de R$ 94 bilhões nos últimos 25 anos. As viúvas, mais R$ 260 bilhões. O pacote tem ainda filhas casadas, viúvas, divorciadas, além de irmãs e netas solteiras, mãe, pai, irmãos, sobrinhos, enteados, tutelados, mais os dependentes de anistiados políticos. O total pago fica perto de meio trilhão de reais. Filhas solteiras de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e dependentes de anistiados acumulam valores milionários em pensões.

A totalização dos números foi feita pela ONG Fiquem Sabendo – agência de dados independente especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI) – a partir de dados oficiais sobre pensionistas da União divulgados pelo Ministério da Economia. Todas as pensionistas da União receberam um total de R$ 468 bilhões, em valores brutos, desde 1995 até 2020. O líquido chegou a R$ 384 bilhões. O Ministério da Economia publicou os dados cumprindo decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), após denúncia feita pela ONG, que contestava a omissão do governo federal na divulgação da remuneração dos seus pensionistas. Os dados dos pensionistas militares continuam sob sigilo.

Além das viúvas, há a categoria das companheiras e companheiros, que receberam um total de R$ 40 bilhões. Os viúvos foram contemplados com R$ 12 bilhões. Mais do que eles ganharam os filhos (R$ 18,7 bilhões) e as filhas menores (R 13,9 bilhões). Uma categoria bem específica, já extinta, é de "filhas de irmã falecida". (Veja lista completa abaixo)

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A maior renda acumulada é de Cynthia Pereira Lira, filha maior solteira do ex-ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) José Pereira Lira. Com 61 anos, ela teve renda bruta de R$ 37,3 mil em junho deste ano, com R$ 24 mil líquido. O valor acumulado nos últimos 25 anos chega a R$ 10 milhões líquido, em valores atualizados pela inflação. A segunda maior é de Maria Teresa Lichtenfels Motta, de 95 anos, com R$ 10 milhões líquido. Ela é filha do ex-ministro do STF Cândido Motta Filho, político que ficou por 11 anos no cargo e deixou pensão integral.

Há outras filhas solteiras de ministros do Supremo na lista das maiores remunerações, todas pensionistas do Montepio Civil, um plano de previdência privada, mas com pensões custeadas pela União atualmente. Maria Lúcia Rangel de Alckmin, de 74 anos, já acumulou R$ 7,6 milhões líquido em pensões. Ela teve renda bruta de R$ 73 mil em junho, mas o valor líquido ficou em R$ 25,6 mil. Mas ele conta ainda com pensão civil do STF, no valor bruto de R$ 39,3 mil – o teto salarial do funcionalismo – ou R$ 25,6 mil líquido. Na soma das duas pensões, são R$ 51,2 mil líquido. Ela é filha do ex-ministro Rodrigues Alckmin, que foi nomeado pelo presidente Emílio Garrastazu Médici e ficou no cargo por seis anos, de 1972 a 1978.

Yolanda Sá Nogueira acumulou R$ 8,1 milhões líquido. Aos 91 anos, ela recebe o teto constitucional, com R$ 33,4 mil líquido. É filha do ex-magistrado baiano Adalício Coelho Nogueira, que ficou seis anos no cargo, a partir de novembro de 1965, nomeado pelo presidente Castelo Branco. Preencheu cargo criado pelo Ato Institucional nº 2, que aumentou o número de ministros para 16.

Alda Villas Boas, de 85, anos recebeu um total de R$ 4,4 milhões. Ela sofre abate-teto total da sua renda de R$ 39,3 mil pelo Montepio. Mas também recebe R$ 35,5 mil de pensão civil do STF como viúva, além de R$ 36 mil como analista judiciária aposentada do tribunal. O total líquido é de R$ 52,3 mil. O STF afirmou ao blog que, à época em que foi concedida a pensão civil à aposentada, era possível a acumulação de pensão civil com aposentadoria. Tal acumulação ainda é permitida atualmente, diz o tribunal.

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Maria Ayla de Vasconcelos, filha do ex-ministro Abner de Vasconcelos, recebeu R$ 2,7 milhões líquido em pensões. Ela recebe o teto constitucional pelo STF e pelo Montepio Civil. O pagamento total líquido é de R$ 50,6 mil. O pai não chegou a ser titular do STF. Foi ministro convocado por seis anos, a partir de 1948. Sobre os casos de Maria Lúcia Alckmin e Maria Ayla, o tribunal confirmou que as duas recebem pensão civil temporária como filhas solteiras. E acrescentou que, conforme Lei 4.493/1964, que regula o processamento da aposentadoria e do montepio dos magistrados remunerados pela União, é possível a acumulação de pensão civil com pensão do "montepio civil facultativo".

O STF afirmou ainda que o Montepio Civil da União foi criado em 1890 para garantir uma pensão por morte ou invalidez aos familiares de empregados do Ministério da Fazenda, sendo a contribuição de caráter obrigatório: "Posteriormente, a possibilidade de adesão a esse benefício foi estendida aos membros da magistratura e aos funcionários civis da União, nesses casos sempre com contribuições facultativas, classificado juridicamente como uma espécie de previdência pública complementar”.

A pensionista Siglinda Monte Barroso, de 72 anos, já acumulou R$ 4,6 milhões líquido em pensões. Ela é filha solteira do ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF) José Parsival Barroso. Recebeu R$ 52 mil bruto pelo Montepio Civil, em junho, mas valor o líquido foi de apenas R$ 11,3 mil. O blog apurou que ela conta ainda com a aposentadoria pelo TCDF, como técnica de controle externo, no valor de R$ 44,4 mil bruto e R$ 37,5 mil líquido.

O TCDF firmou ao blog que o Montepio Civil foi concedido com base no Decreto 83.226/1979, que estabelece que a pensão poderá ser percebida, cumulativamente, com vencimento, salário, remuneração ou provento pagos pelos cofres públicos, bem como com pensões resultantes de contribuições obrigatórias. "Ademais, o TCU já deferiu o registro do benefício em questão, opinando pela legalidade da concessão", diz nota do tribunal.

Também estão entre as melhores remuneradas as filhas de autores fiscais da Receita Federal. As filhas solteiras dos auditores recebem mensalmente um total de R$ 50 milhões. Exatas 1.582 dessas pensionistas têm renda acima de R$ 27 mil. (Veja abaixo a lista das maiores remunerações).

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As herdeiras de anistiados políticos

O governo federal também paga indenizações a herdeiras de anistiados políticos, como prevê a Lei 10.559/2002. O anistiado tem direito a uma reparação econômica, de caráter indenizatório, em parcela única ou em prestação mensal, em decorrência de perseguições, punições, demissões ou cassações sofridas durante a ditadura militar. Quando morre, deixa a indenização a seus dependentes, com direito à isenção de Imposto de Renda e à contribuição previdenciária ao INSS. Assim, o valor contido na folha de pagamento entra inteiro na conta dos herdeiros. Como se trata de uma indenização, também não há abate-teto.

A partir da lista das maiores remunerações, o blog elaborou uma relação dos maiores valores acumulados. Maria Serra e Sepúlveda, de 76 anos, viúva, com renda mensal de R$ 39 anos, já recebeu um total líquido de R$ 5,8 milhões. A mesma quantia foi paga a Ana Lúcia de Mattos Guedes, de 65 anos, que recebeu R$ 53 mil bruto em junho.

Maria Fonteles Grossi da Veiga, de 71 anos, recebeu um acumulado líquido de R$ 2,9 milhões. Ela teve renda bruta de R$ 52 mil em junho, mas recebeu líquido apenas R$ 28 mil. A mais idosa entre as melhores remuneradas é Maria Seixa Avena, com 91 anos. Com renda de R$ 39 mil, já acumulou R$ 3,1 milhões.

A folha de pagamento de janeiro dos dependentes de anistiados políticos civis somou R$ 17 milhões em junho – o que resulta numa despesa anual em torno de R$ 200 milhões. Incluindo os próprios anistiados, já foram pagos mais de R$ 13 bilhões, como mostrou reportagem do blog em 2017. Mais R$ 14 bilhões aguardam pagamento.

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Filhas casadas, viúvas, divorciadas

As filhas solteiras, ou nem tanto, estão divididas em várias categorias. As “filhas maiores solteiras sem cargo público permanente”, previstas em várias leis e no Montepio Civil, já receberam um total de R$ 84 bilhões em 25 anos. Já as filhas maiores solteiras com cargo público consumiram apenas R$ 4,3 milhões no mesmo período. Elas ficam restritas ao Montepio Civil.

As filhas de militares são dependentes de policiais militares do antigo estado da Guanabara e dos ex-territórios dos governos de Roraima, Acre e Amapá. Elas receberam um total de R$ 6 bilhões em 25 anos. Entre as 10 mil filhas desses militares, 100 têm renda bruta acima de 16 mil. As 14 maiores pensões têm o valor médio de R$ 30 mil. O Ministério da Economia não divulgou ainda as pensões recebidas pelos dependentes de militares das Forças Armadas, apesar de determinação do TCU nesse sentido, como mostrou reportagem do blog.

Na sequência, vêm as filhas casadas, com um total de R$ 1,15 bilhão pago desde 1995. Pouco mais de 80% delas são dependentes de policiais da Guanabara. Mais 18% são pensionistas do Montepio Civil. As filhas desquitadas, separadas ou divorciadas também consumiram R$ 1,15 bilhão. Elas também estão previstas em várias legislações e no Montepio Civil. São apenas 502 atualmente.

As filhas viúvas receberam um total de R$ 872 milhões em 25 anos. A maioria delas é pensionista do estado da Guanabara, mas elas aparecem em vários ministérios, inclusive nos Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, como dependentes de servidores civis.

Depois, vêm as pensionistas irmãs de servidores públicos. As solteiras receberam uma bolada de R$ 443 milhões em 25 anos. As viúvas, mais R$ 56 milhões. Outra categoria que incluem desde solteiras até casadas, separadas, desquitadas, divorciadas, viúvas, foram agraciadas com mais R$ 10 milhões no mesmo período. Elas são dependentes de servidores de ministérios, universidades, comandos militares e de militares da Guanabara.

Finalmente, as “netas solteiras”. São apenas 62 atualmente, espalhadas em diversos órgãos federais, mas consomem R$ 3,3 milhões por ano. Em 25 anos, já receberam R$ 134 milhões. As duas maiores rendas, de R$ 20 mil e R$ 27 mil, são de duas netas de auditores fiscais.

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Direito adquirido

A pensão das filhas solteiras de servidores públicos civis foi regulamentada pela Lei 3.373/1958, num tempo em que as mulheres tinham menor inserção do mercado de trabalho, sendo portanto mais dependentes de pais ou maridos. A Lei 8.112/1990 proibiu a concessão de novas pensões, adequando a legislação a outro princípio constitucional previsto no artigo quinto: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”. Mas quem já recebia a pensão como filha solteira continuou recebendo.

No caso dos militares, as pensões de filhas maiores foram regulamentadas pela Lei 3.765/1960 e alteradas pela MP 2.215/2001, que proibiu a concessão de novos benefícios. Mas os militares que estavam na carreira e aceitaram pagar 1,5% a mais de contribuição continuam deixando pensões para filhas maiores, que podem ser casadas, divorciadas ou em união estável.

A manutenção do pagamentos das pensões de filhas solteiras é assegurada pelo artigo quinto da Constituição de 1988, inciso XXXVI, que determina: “A lei não prejudicará o direito adquirido”. Assim, a reforma da Previdência aprovada no governo Bolsonaro manteve os direitos dessas pensionistas.

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