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O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o teto constitucional deve incidir sobre a soma de pensão com remuneração ou aposentadoria de servidor público. É o primeiro passo para o fim das superpensões, mas é ainda uma medida parcial. A decisão só vale se a morte do servidor que deixou a pensão ocorreu após 1998, quando o teto foi regulamentado. Assim, escapam do abate-teto as “filhas solteiras” de servidores civis porque elas deixaram de receber novas pensões a partir de 1990.

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Reportagens publicadas pelo blog mostram o acúmulo de pensões de “filhas solteiras”, viúvas e outros dependentes com todo tipo de benefício, como aposentadorias, outras pensões civis, salários, indenizações de anistiados políticos. A soma da renda bruta de algumas pensionistas chega a R$ 100 mil. Pensionistas acumulam até três ou mesmo quatro benefícios diferentes.

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A decisão do plenário do Supremo (RE 602.584), tomada no dia 6 deste mês, terá repercussão geral sobre 368 processos semelhantes em outros tribunais. O STF julgou caso de uma servidora do Distrito Federal que ultrapassava o teto acumulando pensão e aposentadoria. “Aqui temos um verdadeiro paradoxo. Em um país em que tantos necessitam de teto, alguns querem fugir ao teto, ao teto constitucional”, afirmou o ministro Marco Aurélio Mello, que foi seguido pela maioria.

Mello destacou em seu voto que, até a Emenda Constitucional 19/1998, era considerada para efeito de teto apenas a “remuneração” recebida diretamente pelo servidor, como previa a Constituição de 1988. Com a emenda, foram incluídos subsídios, proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, recebidos cumulativamente ou não. A Câmara dos Deputados e o TCU afirmaram ao blog que aguardam a publicação da decisão para cumprir o novo entendimento sobre acúmulo de benefícios.

As pensões de 77 mil “filhas solteiras” custaram R$ 94 bilhões à União nos últimos 25 anos. Sete mil delas têm mais de 80 anos, sendo 72 centenárias – a mais idosa com 106 anos. As viúvas receberam mais R$ 260 bilhões. Os dados totais foram divulgados pelo Ministério da Economia, seguindo decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), a partir de denúncia feita pela ONG Fiquem Sabendo – agência especializada em Lei de Acesso à Informação.

Quatro fontes de renda

Os exemplos de acúmulos são encontrados até no TCU, que fiscaliza os gastos públicos. Uma de suas pensionistas têm quatro fontes da renda. Sônia Balsini Ghisi, viúva do ex-ministro Adhemar Ghisi, recebe pensão de R$ 33,5 ml bruto pelo tribunal mais R$ 33,6 mil pelo Montepio Civil. Com o abate-teto e outros descontos, o valor líquido fica em R$ 33,5 mil.

Mas Sônia também conta com uma pensão parlamentar de R$ 12,2 mil, paga pelo plano de previdência da Câmara dos Deputados, mais R$ 22,4 mil pelo Instituto de Previdência de Santa Catarina. Adhemar Ghisi (Arena) foi deputado federal e estadual. A renda bruta da sua viúva bate em R$ 101 mil, enquanto o líquido chega a R$ 59 mil.

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Por decisão do TCU, as pensões do Instituto de Previdência do Congresso não entram no cálculo do teto porque se tratava de uma entidade de direito privado. Mas após a sua extinção, em 1999, as pensões passaram a ser pagas pela União.

A pensionista do TCU Martha Zaidan, viúva do ex-ministro Homero Santos, recebe pensão de R$ 33,3 mil do tribunal mais R$ 33,6 mil do Montepio. Líquido, sobram R$ 33,3 mil. Mas ela recebe mais uma pensão parlamentar (Homero também foi deputado) no valor de R$ 12 mil e aposentadoria de R$ 27,5 mil da Câmara como técnica legislativa. Ao todo, são R$ 106 mil bruto e R$ 60 mil líquido.

Exemplos dentro de casa

O ministro Marco Aurélio criticou a fuga ao teto-constitucional, que é justamente o salário dos ministros do STF – R$ 39,3 mil. Mas ali mesmo há alguns exemplos. Alda Villas Boas, de 85 anos, viúva do ex-ministro Antônio Villas Boas, recebe R$ 35,5 mil de pensão civil como viúva, mais R$ 36 mil como analista judiciária aposentada do tribunal. São R$ 72 mil bruto e R$ 52 mil líquido.

Ela sofre abate-teto total dos R$ 39,3 mi a que teria direito pelo Montepio Civil – outra entidade de previdência zumbi, que morreu mas continua viva, sendo abastecida pela União. A pensão de Alda teve início em 1987. Não será atingida, portanto, pela decisão do Supremo.

Também há casos de acúmulos de pensões de “filhas solteiras” com soma acima do teto no Supremo. Maria Lúcia Rangel de Alckmin, de 74 anos, filha do ministro Rodrigues Alckmin, recebe um total de R$ 51 mil líquido do STF e do Montepio. Maria Ayla de Vasconcelos, de 96 anos, filha do ex-ministro Abner de Vasconcelos, recebe R$ 50,6 mil do tribunal e do instituto falido. As pensões de Maria Lúcia e Maria Ayla foram iniciadas em 1978 e 72. Permanecerão intactas.

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Superpensões nas universidades

Mônica Bruckmann recebe duas pensões deixadas pelo marido, o professor Thotônio dos Santos, pagas pela Universidade de Brasília (UNB) e pela Universidade Federal Fluminense (UFFF). Em julho, foram R$ 87 mil bruto e R$ 48 mil líquido. A UnB afirmou ao blog que houve incidência de abate-teto, com devolução do referido valor por meio de decisão judicial. As pensões foram instituídas em 2018.

Mas Mônica tem fonte de renda própria como professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela tem doutorado em Ciência Política. Segundo registros no Portal das Transparência, ela recebeu R$ 16,6 mil bruto e 13,3 mil líquido em junho. Houve aplicação de abate-teto de R$ 7 mil, mas houve devolução do mesmo valor. Nos cinco meses anteriores foram R$ 13,3 mil bruto e R$ 8,5 mil líquido.

O blog perguntou à UFRJ como é feito o cálculo do abate-teto de Mônica, uma vez que ela recebe de três fontes, e qual universidade aplica o redutor constitucional. A UFRJ disse que o abate-teto é calculado somando a remuneração de todos os vínculos. O desconto é efetuado proporcionalmente em cada contra-cheque. “Frisamos que o cálculo, desconto e controle das decisões judiciais são feitos pelo Ministério da Economia (ME). No caso de decisões judiciais, cabe ao órgão somente registrar a mesma no Módulo de Ações e aguardar o ME homologar e cumprir o definido na ação”.

Maria Vital da Rocha recebe duas pensões deixadas em 2011 pelo companheiro Agerson Tabosa Pinto, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Foram R$ 105 mil bruto e R$ 38,7 mil líquido em julho. Em junho, foi um pouco menos – R$ 93,7 mil bruto e R$ 28 mil líquido. Professores e médicos podem acumular duas rendas com a soma acima do teto. Assim, também podem deixar duas pensões, às vezes, para apenas 1 dependente.

Mas Maria Vital tem mais duas fontes de renda registradas no Portal da Transparência. É professora ativa na UFC com jornada de 20 horas e procuradora aposentada da Advocacia-Geral da União, com renda bruta de R$ 32 mil. De abril a junho, foi aplicado abate-teto de R$ 20,3 mil e houve aquela devolução no mesmo valor. Com a gratificação natalina de R$ 10 mil em junho, o líquido ficou em R$ 31. Em abril e maio, R$ 20,5 mil.

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De janeiro a março, sem a devolução do abate-teto, o líquido festava em R$ 10 mil considerando apenas as remunerações da UFC e da AGU. Considerando as quatro fontes e a devolução do abate-teto, a renda líquida chegou a R$ 59 mil líquido em junho. O blog questionou a UFC sobre a aplicação do redutor constitucional. A Universidade afirmou que, por se tratar de dados pessoais e financeiros de uma pensionista/servidora pública, o blog deveria entrar com pedido via Lei de Acesso à Informação.

Pensões de militares sob sigilo

É impossível avaliar o impacto dessa decisão sobre as pensões das viúvas e filhas maiores dos militares porque esses dados continuam mantidos em sigilo pelo governo Bolsonaro, apesar de decisão do TCU determinando a divulgação dessas informações. O blog apurou, por meio da Lei de Acesso à Informação, que cerca de 90 mil filhas maiores – que podem ser divorciadas, viúvas e até casadas – custam R$ 6 bilhões por ano aos cofres públicos. As filhas de servidores civis custam mais R$ 4 bilhões.

No caso das filhas de militares, ainda são concedidas novas pensões. Até o ano 2000, os militares contribuíam com 7,5% da renda bruta para as pensões de todos os dependentes. A Medida Provisória 2.215/2001 determinou que os militares que estavam na carreira naquele momento deveriam contribuir com mais 1,5% para assegurar o benefício às filhas maiores. Foram mantidas as pensões já concedidas de filhas maiores de militares falecidos antes de 2001.

Atualmente, cerca de 70 mil militares contribuem com R$ 150 milhões por ano para cobrir as pensões de filhas maiores, enquanto o gasto anual com 23 mil dessas pensionistas atinge R$ 1,6 bilhão.

Câmara e TCU aguardam publicação da decisão

A Câmara dos Deputados foi questionada pelo blog sobre os pagamentos cumulativos de pensões parlamentares com aposentadorias e outras pensões. Respondeu que o Acórdão 2079/2005 do TCU fixou a tese de que “a pensão se aplica separada dos proventos de aposentadoria para fins de teto constitucional”.

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Acrescentou que o STF, nos RE’s 612.975 e 602.043 com repercussão geral, julgados em 2017, e depois o TCU, no Acórdão 1.092/2019, decidiram que “o teto constitucional se aplica isoladamente”. Afirmou ainda que “as aposentadorias e pensões do extinto IPC não se sujeitam ao teto, conforme jurisprudência do TCU”.

No final, uma boa notícia: “Por todas essas razões, esta Casa deverá aguardar o trânsito em julgado do RE 602.584 e a publicação do acórdão, para reexaminar a matéria, tendo em vista o novo entendimento trazido nessa última decisão”.

O TCU foi questionado sobre o impacto da recente decisão do STF sobre acúmulo de benefícios. Respondeu que "a ata de julgamento do RE 602584 ainda não foi publicada, logo a decisão adotada não é exigível. Trata-se de decisão recentíssima, que alterou a jurisprudência sobre o assunto, ainda sujeita a modulações por meio de recursos. O Tribunal está acompanhando o assunto e dará cumprimento à decisão do STF no momento oportuno".

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]