Os financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para obras de empresas brasileiras no exterior chegavam ao banco já aprovados pelo governo federal, que escolhia os países a serem atendidos e as condições do contrato. Dos US$ 10,5 bilhões desembolsados, 98% foram destinados às cinco maiores empreiteiras do país – todas elas investigadas pela Lava Jato. Houve inadimplência de US$ 1 bilhão e outros US$ 573 milhões estão por vencer.
Relatórios do BNDES informam como esses financiamentos funcionam no Brasil. Eles são determinados pela administração direta do governo federal, que estabelece as operações, os países de destino, as condições contratuais como valor, prazo, taxa de juros e seguros, e os mitigadores de risco do país que sedia a obra. Já com essas aprovações, o processo chega ao BNDES em sua parte final, onde é enquadrado e analisado. Ao todo, foram realizadas 148 operações.
O BNDES explica também o motivo da concentração das operações com grandes empreiteiras. Só a Odebrecht recebeu 76% do total; a Andrade Gutierrez, mais 14%. Havia ainda a Queiroz Galvão, a Camargo Correa e a OAS. “Quando os pedidos de financiamento chegavam ao BNDES, os contratos comerciais já estavam estabelecidos. Esses pedidos só eram analisados pelo Banco após a aprovação do Governo. Na época das operações, não havia nenhuma restrição legal à contratação com essas empresas”, registra o BNDES.
A alteração da Lei das Estatais pela Câmara dos Deputados, às pressas, na noite do dia 13 deste mês, abriu caminho para o ex-ministro Aloizio Mercadante assumir o comando do BNDES e despertou o receio de novas intervenções do governo federal no banco estatal.
“Empreiteiras envolvidas com corrupção”
As cinco empreiteiras foram investigadas pela Lava Jato no escândalo do “Petrolão”, sobre superfaturamento de obras na Petrobrás, pagamento de propinas e financiamento eleitoral de políticos pelo caixa 2. Essas empreiteiras também fizeram repasses à empresa Lils Palestras e ao Instituto Lula. Esses repasses foram investigados e considerados legais pela Justiça.
O BNDES afirma que suspendeu desembolsos a “empreiteiras envolvidas com corrupção” e, acrescenta que, em 2016, em acordo com o Ministério Público Federal, passou a exigir das empresas brasileiras exportadoras de serviços de engenharia a assinatura de um Termo de Compliance, com rígidas regras de governança, como condição para liberação de recursos. “Após essa medida, o BNDES reteve US$ 11 bilhões que estavam previstos para serem desembolsados, referentes a 47 operações ativas. Esses procedimentos servirão de base para a análise de futuras operações”, afirma o banco estatal.
Levantamento feito pelo BNDES aponta 32 projetos que tiveram desembolsos suspensos em 2015, num total US$ 7 bilhões. A maior parte – US$ 3,15 bilhões – é da Venezuela. Foram cancelados desembolsos de US$ 419 milhões para o metrô de Caracas e US$ 862 milhões para o metrô de Los Taques, obras contratadas pela Odebrecht; US$ 638 milhões para a construção do estaleiro Astialba, obra da Andrade Gutierrez; e US$ 358 milhões para o projeto de Saneamento PDSI Tuy, projeto da Camargo Corrêa.
Os desembolsos cancelados para Angola somaram US$ 808 milhões, sendo US$ 500 milhões para o aproveitamento hidrelétrico da Laúca, projeto tocado pela Odebrecht. A República Dominicana teve desembolsos cancelados num total de US$ 1,5 bilhão, com US$ 656 milhões para a construção da Termoelétrica Punta Galina, com duas unidades de geração a carvão mineral.
Fora do governo, Lula auxiliava empresas
O relatório final da CPI do BNDES, aprovado em 2013, registrou os encontros e viagens do ex-presidente Lula pela África e América Latina em companhia de executivos da Odebrecht. “Cabe ressaltar que, muito embora não fosse integrante do governo havia mais de dois anos, Lula permaneceu como interlocutor preferencial de empresas brasileiras na África, bem como de autoridades daquele continente interessadas em estreitar os laços comerciais com o Brasil, ainda que para isso fosse necessário ‘flexibilizar exigências’ do BNDES para empréstimos, conforme trecho de comunicação diplomática classificada como ‘reservada’”, diz o relatório da comissão parlamentar.
Em maio de 2014, Lula esteve em Angola com uma comitiva de dez integrantes. No dia 6 de maio, a comitiva deslocou-se para a província de Malanje, onde visitou a Usina Biocom, empreendimento da Construtora Odebrecht Angola com a Sonangol. “Durante toda sua visita ao Malanje, o ex-presidente Lula esteve acompanhado do dr. Emílio Odebrecht e de funcionários brasileiros da Empresa Odebrecht Angola”, diz o relatório.
No dia seguinte, Lula teria se encontrado por cerca de uma hora com o presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos. Em depoimento perante o Ministério Público Federal, o ex-presidente afirmou que jamais conversou com o presidente angolano sobre qualquer financiamento do BNDES. “Não obstante, conforme nota de expediente emitida pela embaixada do Brasil naquele país, dentre outros assuntos, Lula conversou expressamente com José Eduardo dos Santos a respeito do financiamento do banco para a construção da hidrelétrica de Laúca”, registra o relatório da CPI. A funcionária da baixada que elaborou a nota afirmou ter estado em todas as reuniões, acompanhando o ex-presidente brasileiro.
Segundo apurou a comissão de inquérito, ao longo dos últimos cinco anos, a empreiteira Odebrecht pagou a Lula por meio de sua empresa, a Lils Palestras Eventos e Publicidade, R$ 4 milhões por palestras no Brasil e nos países onde a empresa conquistou obras a partir de financiamentos do mesmo BNDES.
Maior parte nos governos Lula e Dilma
O programa de financiamento à exportação de serviços de engenharia foi criado em 1998. Do valor desembolsado, 88% ocorreram no período entre 2007 e 2015, nos governos Lula e Dilma. Dos US$ 10,5 bilhões, 89% foram concentrados em apenas seis países: Angola (US$ 3,2 bilhões), Argentina (US$ 2 bilhões), Venezuela (US$ 1,5 bilhão), República Dominicana (US$ 1,2 bilhão), Equador (US$ 0,7 bilhão) e Cuba (US$ 0,65 bilhão). Ficaram inadimplentes a Venezuela (US$ 681 milhões), Cuba (US$ 226 milhões) e Moçambique (US$ 122 milhões).
Impressiona o número de projetos aprovados para Angola – 40. Entre eles, a construção da Avenida N'Gola/Killuange, a construção da via expressa Luanda/Kifangongo, o Polo Industrial Viana, o Aeroporto Internacional de Catumbela, a Auto-Estrada Periférica de Luanda, a Construção da Quarta Avenida, a Construção Loteamento Zango, o Abastecimento de Águas de Luanda, a Estrada Golfe/Viana, a Estrada da Samba, a Hidroelétrica de Cambambe, a Implantação do Aproveitamento Elétrico de Laúca, a Linha de Transmissão UÍGE, o Polo Agroindustrial de Capanda, o Projeto Águas de Benguela, a Usina Hidrelétrica Capanda e a Quinta Avenida.
Os recursos são destinados ao exportador brasileiro de bens ou serviços. O devedor é a empresa ou país estrangeiro que compra o bem ou serviço. Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE). Os Pagamentos recebidos somaram US$ 12,8 bilhões, incluindo os ressarcimentos financiados pelo FGE. O saldo devedor a vencer chega a US$ 946 milhões.
A assessoria de imprensa de Lula afirmou ao blog que “esse assunto é extensamente debatido, com muitas distorções para exploração política. Como diz o próprio documento apontado, os empréstimos geram empregos e exportações no Brasil. Foram desembolsados cerca de US$ 10,5 bilhões, no período entre 1998 e 2017, para empreendimentos em 15 países, sendo que US$ 12,8 bilhões retornaram em pagamentos do valor principal da dívida e juros, até setembro de 2022. Ou seja, tais operações deram lucro ao BNDES. Todos os empréstimos foram analisados pelos setores técnicos do banco. Sobre valores atrasados, eles serão cobrados e os mecanismos de garantia acionados”.
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