A decisão que o Supremo Tribunal Federal (STF) deverá tomar em março sobre o pagamento de auxílio-moradia a juízes terá forte impacto nas contas públicas. O gasto anual estimado com o benefício para aproximadamente 17 mil magistrados chega a R$ 920 milhões – dinheiro suficiente para construir 25 mil casas populares ao custo de R$ 36,8 mil cada. Atualmente, 88% dos magistrados recebem o auxílio. Mesmo aqueles que moram em casa própria têm direito ao benefício.
O cálculo foi feito a partir de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que recebe e divulga a folha de pagamento de todos os tribunais brasileiros. Na folha de dezembro de 2017, os gastos com o auxílio-moradia chegaram a R$ 76,6 milhões. A maior parte foi paga pelos tribunais estaduais – R$ 52,7 milhões. Os Tribunais Regionais do Trabalho gastaram no mínimo R$ 14,8 milhões – sem contar a prestação de contas dos TRTs da 11ª Região (RR/AM), 21ª Região (RN) e 23ª Região (MS) que ainda não foi feita.
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Responsável pela ação judicial que estendeu o benefício a todos os magistrados, a Justiça Federal consumiu R$ 8,2 milhões com auxílio-moradia em dezembro passado. Cerca de 2 mil juízes federais receberam esse penduricalho. Como é considerada uma “indenização”, os R$ 4.377 caem na conta pessoal sem desconto do Imposto de Renda. Para quem tem imóvel, funciona na prática como um reforço salarial.
O auxílio-moradia é assegurado a todos os magistrados por decisão liminar concedida pelo ministro do STF Luiz Fux em setembro de 2014. Um dia depois de garantir o direito a juízes federais, ele estendeu o auxílio a magistrados da Justiça do Trabalho, Justiça Militar e Justiça de nove estados. Em março, o plenário do Supremo deve se manifestar sobre a abrangência do benefício.
Parte dos penduricalhos
O auxílio-moradia é apenas um dos penduricalhos assegurados aos juízes, desembargadores e ministros do Judiciário. A soma de todas as indenizações chegou a R$ 120 milhões na folha de dezembro – o que projeta um gasto de R$ 1,4 bilhão ao ano. Nesse item, estão incluídos os auxílios alimentação, pré-escolar, saúde e ajuda de custo.
Mas o maior gasto está nas vantagens eventuais, que somaram R$ 747 milhões em dezembro. A maior parte vem dos pagamentos “retroativos”, como a parcela autônoma de equivalência (PAE), que faz a equiparação de remuneração entre os três poderes da União. Há ainda pagamentos atrasados de auxílio-moradia, indenizações de férias, substituições, acúmulo de função. Nesse caso, a projeção do gasto anual seria imprecisa porque muitos tribunais pagam o 13º salário em dezembro.
A soma das vantagens pessoais, eventuais e indenizações alcançou R$ 892 milhões. Esse valor supera o total do salário base (subsídios) dos magistrados – R$ 622 milhões – e representa 60% da remuneração bruta, que chegou a R$ 1,5 bilhão.
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Entre tantos valores elevados, chama a atenção o total descontado pelo abate-teto (corte acima do teto constitucional) – apenas R$ 7,2 milhões. Na Justiça Estadual, que pagou um total de R$ 1 bilhão, o abate-teto ficou em apenas R$ 1,5 milhão. Isso acontece porque a maior parte dos penduricalhos é enquadrada como indenização, ficando fora do cálculo do teto remuneratório, que, em tese, impede que qualquer servidor público ganhe mais do que o salário de um ministro do Supremo (R$ 33,7 mil).
A estratégia dos juízes federais
A estratégia dos juízes federais para o julgamento que vai definir quem tem direito ao auxílio-moradia já está definida. A ideia é ampliar a discussão para todo o funcionalismo público. Quem argumenta é o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Roberto Veloso. “Nós queremos que o Supremo decida a questão remuneratória do serviço público em geral. Todas as carreiras recebem auxílio-moradia. O Poder Executivo gastou mais em auxílio-moradia que o Judiciário. A magistratura federal não tem penduricalhos. Nós só temos o auxílio-moradia. Vai cair só para a Justiça Federal? Todos os outros vão continuar recebendo?”, questiona.
Ele lembra os casos revelados pela imprensa. “No Legislativo, a imprensa noticiou que tem vários parlamentares que têm imóvel funcional e estão recebendo auxílio-moradia, que têm imóvel próprio e estão recebendo auxílio-moradia. Até ministro do Supremo já foi noticiado. Então tem que decidir para todo mundo. Existem 600 processos que estão na mesma situação Se o Supremo fizer isso, vai resolver o problema do Brasil”.
O caso de maior repercussão tratou do pagamento do auxílio ao juiz federal Sergio Moro, que preside parte dos inquéritos da Lava Jato em primeira instância. Ele tem imóvel próprio em Curitiba. O ministro do STF Gilmar Mendes ocupa uma casa funcional cedida pela corte, mesmo tendo imóveis próprios em Brasília.
“Onde está escrito que vai ser em março?”
O primeiro passo foi dado pelos advogados da Ajufe na semana passada com o pedido de adiamento do julgamento para que a associação conheça e possa rebater as argumentações da União no processo. Mas Veloso afirma que não se trata de um adiamento: “Não pedimos adiamento, pedimos para falar. O processo vai ser julgado. Os advogados querem falar sobre a contestação da União. O que eles alegaram? Eu não sei”.
Há controvérsias também sobre o prazo para julgamento: “Falaram que seria em março. Cadê o documento dizendo que vai ser em março? Não tem nenhum documento. Onde está escrito isso? Em lugar nenhum. Isso é só conjectura, mas não existe nenhuma manifestação do Supremo pautando o processo para março”, diz o presidente da Ajufe.
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A decisão liminar do ministro Luiz Fux foi tomada em 2014 com base na Lei Orgânica da Magistratura (Loman). “Nós estamos recebendo com base na liminar do ministro Fux. E ele se baseou na Loman. Onde não tem imóvel funcional, os magistrados têm direito a ajuda de custo para moradia”, afirma Veloso.
Questionado se a lei prevê o direito mesmo para quem tem casa própria, o presidente responde: “A Loman não impõe essa condição. É ajuda de custo para moradia. Não é auxílio-moradia. O nome não está correto. Não estou defendendo nada. A lei é que diz isso”.
Na decisão liminar, em 2014, Fux disse que estendia o benefício a todos os juízes federais, “em razão, também, da simetria entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, que são estruturadas com um eminente caráter nacional”. Ele seguiu o parecer do então procurador-geral da República Rodrigo Janot. O procurador argumentou que “nada justifica que apenas ministros percebam o auxílio-moradia e não os juízes de primeiro e segundo graus”.
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