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Lúcio Vaz

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O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Renda acumulada

Folha de militares aposentados revela “marajás” da cúpula do governo Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e o ministro Braga Netto em cerimônia militar no Rio de Janeiro (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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A divulgação da remuneração dos militares aposentados revela que integrantes da cúpula do governo Bolsonaro recebem até R$ 64,7 mil – caso do ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, que ganha o salário de ministro e a aposentadoria como almirante de esquadra. O presidente Jair Bolsonaro tem renda total de R$ 41,6 mil, contando o salário de presidente (R$ 30,9 mil) e a aposentadoria como capitão do Exército (mais R$ 10,7 mil).

O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, recebe R$ 63,6 mil, sendo R$ 30,9 mil como vice e R$ 32,7 mil como general de exército reformado. O ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, tem renda de R$ 64,3 mil. São R$ 33,4 mil como general de exército reformado e mais R$ 30,9 mil como ministro.

A cúpula do governo Bolsonaro contava com a mesma renda bruta até abril deste ano, mas sofria a aplicação do abate-teto sobre a soma de salário com aposentadoria. O que superava o teto constitucional – R$ 39,3 mil – era cortado. Com a edição da Portaria 4.975 do Ministério da Economia, em 29 de abril deste ano, o cálculo do teto passou a ser feito individualmente sobre cada uma das fontes de renda, o que oficializou a volta dos marajás do serviço público.

A portaria dispõe sobre a incidência do limite remuneratório de que trata o inciso XI do art. 37 da Constituição Federal e sobre a renda cumulativa recebida por servidor, militar, aposentado, inativo ou pensionista. A Constituição determina que o limite remuneratório incide isoladamente em cada um dos vínculos nos casos de dois cargos de profissionais de saúde ou de professores. A portaria acrescenta que o limite remuneratório também incide isoladamente nos casos de acumulação entre "aposentado ou militar na inatividade com cargo em comissão ou cargo eletivo". Em tempos de pandemia, a portaria abriu a porteira.

Há mais alguns "marajás" na cúpula do governo federal. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, recebe um total de R$ 63,1 mil, sendo R$ 32,1 mil como marechal reformado, mais o cargo de ministro. O posto de marechal só existe em tempo de guerra. Mas os generais de exército eram aposentados nesse posto até alguns anos.

O ministro da Defesa, general Braga Netto, tem renda de R$ 62 mil, incluindo R$ 31,1 mil como general de exército reformado. O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, tem renda total de R$ 53,2 mil, sendo R$ 22,3 mil como tenente-coronel da reserva.

Privacidade dos militares preservada

O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou em setembro de 2019 que o governo federal divulgasse os rendimentos dos servidores aposentados e pensionistas da União. A decisão acatou denúncia feita pela agência Fiquem Sabendo, que exigiu o cumprimento da Lei de Acesso à Informação. Em janeiro de 2020, o governo Bolsonaro divulgou apenas os dados dos pensionistas de servidores civis, preservando os militares, que assumiram milhares de cargos de primeiro e segundo escalões no atual governo.

Seguiu-se quase um ano e meio de empura-empurra entre o Ministério da Fazenda, que faz os pagamentos; o Ministério da Defesa, que tem os dados dos militares; e a Controladoria-Geral da União (CGU), que divulga os dados no Portal da Transparência da Presidência da República.

A agência Fiquem Sabendo protocolou em janeiro deste ano uma nova denúncia no tribunal, por descumprimento da decisão original do órgão superior de controle. Neste mês, o TCU reiterou ao governo federal que os dados dos militares também deveriam ser disponibilizados e determinou que monitoraria ativamente a CGU e o Ministério da Economia até que fosse comprovado o cumprimento desta nova decisão.

No domingo à noite (27), a CGU divulgou no portal os dados dos aposentados e pensionistas dos militares. Mas as informações são parciais, em comparação aos dados dos pensionistas de servidores civis. No caso dos pensionistas, não há detalhes como o tipo de pensão, o que impede a identificação das “filhas solteiras” dos militares, por exemplo. Elas geram despesas de R$ 6 bilhões por ano.

Também não há informações como o nome do instituidor da pensão, a data de início do benefício, a data de nascimento do pensionista e do instituidor e a lei que que gerou o benefício. A situação é quase a mesma na relação dos militares aposentados. Os detalhes podem ser obtidos com buscas individuais no Portal da Transparência, mas isso impede o uso de filtros em planilhas eletrônicas.

As despesas com os pensionistas de militares somam R$ 1,3 bilhão por mês — ou R$ 17 bilhões por ano. No caso dos aposentados militares, são mais R$ 2 bilhões por mês — ou R$ 26,6 bilhões por ano. Os militares não contribuem para a própria aposentadoria. Quem paga a conta é a União, ou seja, os contribuintes. Os militares contribuem para o pagamento da pensão dos seus dependentes, mas os valores cobrem apenas 20% dessa despesa, que também sobra para os pagadores de impostos.

Subavaliação de gastos com pessoal

No julgamento das contas do governo Bolsonaro nesta quarta-feira (30), o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou distorções no Balanço Geral da União. Entre elas, a "subavaliação" de R$ 45,5 bilhões no passivo atuarial do Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas e a "subavaliação" de R$ 7,2 bilhões no passivo atuarial relativo a pensões dos militares das Forças Armadas. Apontou ainda a superavaliação estimada em R$ 49,2 bilhões no passivo atuarial do Regime Próprio de Previdência Social. As contas foram aprovadas com ressalvas.

Segundo o relator, ministro Walton Alencar, falhas e lacunas nas informações dos servidores públicos federais acabam impondo a necessidade de imputação de dados pela Sprev, reduzindo a confiabilidade da informação dos passivos atuariais. “A ausência da unidade gestora, impacta também o TCU na medida em que grande esforço fiscalizatório é dispendido para identificar atos de pessoal sujeitos a registro irregulares por conta de interpretações divergentes nos órgãos sobre a acumulação de vantagens, progressões, planos econômicos, dentre outros temas”, disse o ministro.

"Marajás" na Marinha e no Exército

No alto da lista de remuneração dos militares aposentados aparecem 11 casos com valores acima do teto constitucional, que corresponde ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). As duas maiores rendas são de dois almirantes de esquadra da reserva da Marinha. Luiz Henrique Caroli recebe R$ 55 mil bruto, mas sofre abate-teto de R$ 6,2 mil, restando-lhe R$ 48,8 mil. Liseo Samprônio tem renda bruta de R$ 53,9 mil, com abate-teto de R$ 5,1 mil. Sobram R$ 48,8 mil, sem contar os demais descontos.

O blog questionou a Marinha sobre o motivo dos pagamentos acima do teto constitucional para os dois almirantes. Não houve resposta até a publicação da reportagem.

Nove aposentados do Exército têm renda bruta acima do teto. Com aplicação do abate-teto, a renda fica muito pouco acima do teto em quatro casos. O general de exército reformado Sérgio Ruschel Bergamaschi recebe um total de R$ 51,6 mil e tem o corte de R$ 10,7 mil, com uma sobra de R$ 40,9 mil.

O general de brigada reformado Ismael de Miranda e Silva tem rendimento bruto de R$ 42,5 mil e sofre o abate-teto de R$ 1,7 mil. O marechal reformado Adhemar da Costa Machado recebe R$ 41,8 mil e não sofre abate-teto. O marechal reformado Sinclair James Mayer tem renda de R$ 41,8 mil e corte de R$ 800.

O Comando do Exército foi questionado pelo blog sobre os pagamentos com valores acima do teto, sem a aplicação do abate-teto. Às 18h de hoje, respondeu: "A situação relatada já havia sido detectada e as Unidades Gestoras responsáveis avisadas para fins de regularização. Será realiza, agora, uma análise pormenorizada, trazendo oportunidade de correção de possíveis inconsistências. Cabe ressaltar que será ressarcido oportunamente qualquer valor que porventura tenha sido repassado de forma indevida".

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