Beneficiários do programa Bolsa Família com carro de luxo na garagem, renda familiar de até R$ 7 mil, casa de sete cômodos e acúmulo do benefício com aposentadoria de R$ 3 mil, pensão de R$ 2 mil ou emprego na prefeitura municipal. Centenas dessas fraudes foram apuradas por auditorias da Controladoria Geral da União (CGU) realizadas no ano passado. Os benefícios pagos mediante fraude permitiriam o atendimento de pessoas que estão na fila para ingressar no programa.
O cruzamento de bases de dados oficiais identificou famílias com renda superior ao limite para ingresso no programa. Em Barra dos Coqueiros (SE), vizinha a Aracaju, a mãe da titular recebe o Bolsa Família de amparo social ao idoso, no valor de R$ 998. A avó materna, residente no mesmo endereço, recebe aposentadoria de R$ 3,7 mil e pensão por morte de R$ 2,6 mil. Para justificar saques ocorridos na sua conta fora do município, foi alegada a necessidade de viagens ao Rio de Janeiro. A renda familiar chega a R$ 7,4 mil.
Em Anajatuba (MA), distante 130 km de São Luís, foram encontrados na casa de uma beneficiária um veículo caçamba, de propriedade do seu marido, e uma caminhonete Toyota Hillux, que seria do seu filho, residente em São Luís.
A beneficiária recebe ainda seguro-defeso, desde 2013, e o benefício para pessoa com deficiência desde 1996. Além disso, constam no cadastro da família duas netas que moram com a mãe em São Luís. A residência é ampla, com sete cômodos, garagem interna e abrigo coberto para a caçamba, e conta ainda com grande área de terreno sem construção.
Em Ribeirão (PE), na região da Mata, onde os repasses mensais somam R$ 860 mil, um beneficiário informou que a renda familiar se situa entre R$ 7 mil e R$ 8 mil no período da moagem da cana-de-açúcar – seis meses por ano. A família confirmou possuir alguns veículos, um deles avaliado em R$ 90 mil.
A terra dos carrões
Em Itapetim (PE), na região do Pageú, a CGU constatou que o marido de uma titular trabalha em venda de produtos agropecuários (galinha, porco, etc.), com renda não declarada. A família confirmou possuir uma caminhonete Mitsubishi L200 Sport 4X4, avaliada em R$ 34 mil.
Mais uma família tem uma Mitsubishi L200 Sport, no valor de R$ 34 mil, que se encontrava na residência da beneficiária durante a visita e foi fotografada. No sistema Renavan, consta ainda uma GM S10 de Luxe, no valor estimado de R$ 31,2 mil, em nome da família. Segundo a beneficiária, o veículo pertencia a seu cônjuge, mas foi vendido.
Outra beneficiária informou que a renda familiar atual é do seu cônjuge, que trabalha como operador de máquina em Sertânia/PE. Ele é proprietário de um Ford Ecosport avaliado em R$ 55 mil. Uma titular que não foi localizada tem em seu nome um Toyota Corolla com valor estimado em R$ 52 mil. Em visita ao domicílio, em julho do ano passado, a responsável familiar disse que havia emprestado seu nome a terceiros para compra do veículo e que já teria ocorrido a transferência de titularidade.
Foram identificados mais 24 carros e 11 motos, com valores abaixo de R$ 30 mil, em nome de beneficiários do Bolsa Família em Itapetim. O veículo preferido é o Fiat Strada, com seis unidades. O Fox e o Gol foram escolhidos por quatro famílias cada um, mas há também Honda Civic, Golf, Eco Sport, Sandero, GM/Agile, Idea, Pirsma, Fiesta e outros. Nove motos são Honda Titan.
O Bolsa Família atende famílias que vivem em situação de extrema pobreza (com renda até R$ 89 mensais por pessoa) e pobreza (com renda de R$ 89 e R$ 178 mensais por pessoa), desde que tenham crianças ou adolescentes até 17 anos. Assim, uma família com quatro pessoas, por exemplo, pode ter renda de até R$ 712. O valor médio do Bolsa Família fica em torno de R$ 190.
O programa foi lançado no governo Lula e consolidado no governo Dilma Rousseff. Foi sempre criticado pelo seu lado assistencialista e pelo peso eleitoral, mas foi mantido nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Atende hoje a 14 milhões de famílias a um custo anual de R$ 31 bilhões.
Muitos carros na garagem
Em Ribeirão (PE), uma família confirmou possuir três veículos (um de passeio, um caminhão e uma motocicleta) no valor estimado de R$ 105 mil. O marido recebe auxílio-doença no valor de R$ 998 e a renda familiar seria de R$ 2 mil.
O marido de outra beneficiária, agricultor, é proprietário de cinco veículos com valor total de R$ 57 mil, incluído um caminhão avaliado em R$ 42 mil. Em outra família, o marido da titular é proprietário de três veículos que somam R$ 60 mil. Outra beneficiária tem registrado em seu nome um veículo estimado no valor de R$ 72 mil O seu marido é agricultor. Foram apontados indícios de omissão de renda em 16 famílias proprietárias de veículos.
Em Castanhal (PA), distante 70 km de Belém, família beneficiária dona de dois veículos no valor de R$ 52 mil não foi localizada pela CGU no endereço registrado no Cadastro Único. Segundo informações da atual moradora, a referida família alugava o imóvel para terceiros, além de possuir veículos e outras três residências com pequenos comércios no bairro Imperador, próximo ao mercado do Bola. Em visita para atualização cadastral, a responsável familiar declarou que a casa e veículos “são da patroa”, mas foram comprados no seu nome.
Em outra residência do município, a responsável familiar informou que ela e seu marido trabalham informalmente fazendo “bicos”. Informou ainda que o seu cônjuge trabalhou com compra e venda de motos, por isso consta em seu nome a propriedade de oito motos avaliadas em R$ 32 mil. Contudo, alegou que o referido negócio não deu certo e que todas já foram vendidas.
Outras fontes de renda e empréstimo bancário
Em São Julião (PI), de 6 mil habitantes, nas proximidades da Chapada do Araripe, o marido da titular tem oficina de lanternagem e pintura ao lado de sua residência, que gera uma renda mensal em torno de R$ 1.800,00. A família confirmou possuir um veículo Fiat Siena Attractiv no valor de R$ 31,7 mil.
O marido de outra beneficiária administra uma fazenda/roça de sua propriedade, criando cabeças de gados, ovelhas, galinha, porcos e produzindo arroz, feijão, milho, abóbora, melancia. Ele possuía um automóvel Fiat/Strada Adventure avaliado em R$ 41,7 mil. Mas o veículo capotou e deu perda total.
Outra família possuiu um veículo Prisma 2013/2014. O casal é proprietário de um sítio, no qual tem criação de ovelhas e ovinos. Já realizou dois projetos com o Banco do Nordeste e Banco do Brasil para custeio de ração e cerca de arame.
Em Barra dos Coqueiros, uma beneficiária é empresária individual e possui um Sportage/Kia. O marido é aposentado e trabalha em empresa privada. No mesmo município, o marido da titular, que não está no cadastro único, possui um veículo VW/Passat. Houve também omissão de cunhada, que reside no mesmo endereço e recebe auxilio doença R$ 3,3 mil. Ela é proprietária de uma moto Honda/BIZ.
Servidores da prefeitura recebem o Bolsa Família
A CGU também identificou vários casos de famílias beneficiárias do programa compostas por servidores de prefeituras com renda per capita familiar superior à estabelecida. Os auditores identificaram 61 servidores da Prefeitura de Tomar do Geru/SE como beneficiários do Bolsa Família em fevereiro de 2019.
A prefeitura afirmou, em setembro, que apenas sete estariam recebendo o benefício. Mas a CGU concluiu que 11 ainda constavam com renda familiar informada no Cadastro Único, divergente da constante na folha de pagamento de fevereiro de 2019, com rendimentos de até R$ 2,3 mil. A prefeitura reconheceu que apenas 09 constavam na sua folha.
Em Ribeirão (PE), foram identificadas três famílias contempladas pelo programa compostas por servidores da prefeitura com renda per capita superior ao estabelecido. Dois professores tinham renda de R$ 1,3 mil e R$ 1,4 mil.
Endereços em outros estados
Em vários municípios, o endereço de famílias registrado no Cadastro Único tem o município diferente daquele registrado na base de dados da Receita Federal. O exemplo mais expressivo aconteceu em Ribeirão. Na folha de pagamento de fevereiro de 2019, foram identificadas 600 famílias nessa situação, sendo excluídos dessa listagem as famílias beneficiadas com endereços localizados em municípios limítrofes.
Os auditores destacaram que 63% (378 casos) localizam-se em outros municípios de Pernambuco, 8,5% (51 casos) estão em outros estados do Nordeste e 28,5% (171 casos), em cidades das regiões do Centro-Oeste, Sul e Sudeste.
Posteriormente, o gestor municipal informou que decidiu suspender os benefícios do Bolsa Família apontados com possíveis inconsistências cadastrais.
São comuns também os saques de beneficiários em outros municípios ou mesmo estados. A maioria justificou o fato afirmando que estava em viagem para visitar parentes. Muitos não foram encontrados porque estavam viajando.
Informações auto declaratórias facilitam fraudes
A Prefeitura de Barra dos Coqueiros afirmou que bloqueou os benefícios com indícios de irregularidades e realizou visitas aos beneficiários, mas alertou que é impossível encontrar todas as irregularidades, já que as informações são auto declaratórias e muitas vezes omitidas pelos beneficiários.
Em Ribeirão, a prefeitura confirmou as impropriedades verificadas pela auditoria e suspendeu ou cancelou os benefícios irregulares. A Prefeitura de Itapetim (PE) afirmou que atualizou os cadastros após confirmar as irregularidades, além de apurar que alguns titulares haviam emprestado o nome a terceiros para a compra de veículos.
A Prefeitura de São Julião não contestou as impropriedades apontadas e informou estar tomando as medidas necessárias para execução do programa.
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