A Câmara dos Deputados gastou R$ 6,5 milhões com cartões corporativos em oito anos, mantendo sob sigilo 55% dessas despesas, num total de R$ 3,6 milhões. O valor das compras em sigilo triplicou nos últimos dois anos, pulando de R$ 400 mil para R$ 1,2 milhão. O segredo existe porque um ato da Mesa Diretora determina que serão classificadas como reservadas – e ficarão sob sigilo até o término do mandato – as informações que possam colocar em risco a segurança dos deputados e seus dependentes.
Os gastos com a residência oficial do presidente também estão sob sigilo porque essas informações podem “pôr em risco a segurança da casa, dos deputados, familiares e servidores”. O prazo de sigilo é longo porque as informações classificadas como reservadas ficam sob sigilo até o término do último mandato em caso de reeleição.
Na prática, o Ato da Mesa 45/2012 regulamentou o que estabelece a Lei de Acesso à Informação, que define o que são informações sigilosas. Essa lei determina, por exemplo, que informações sobre o presidente, o vice-presidente da República e seus familiares ficam sob sigilo até o término do último mandato.
Gastos extravagantes de ex-presidentes
Assim, os dados sobre os ex-presidentes Michel Temer, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva já estão disponíveis. Reportagem do blog mostrou, por exemplo, as extravagâncias dos governos petistas, como a compra de cachaça Havana, por R$ 400 a garrafa, e barbatana de tubarão a R$ 3,5 mil o quilo, além do aluguel de uma lancha por R$ 30 mil (em valores atualizados) para a então presidente Dilma passear com familiares no réveillon de 2011, na Base Naval de Aratu (BA).
Os gastos do presidente Jair Bolsonaro com cartões corporativos estão sob sigilo, mas impressionam pelo volume. Em 2019, primeiro ano de governo, essas despesas somaram R$ 7,5 milhões – 34% a mais do que foi gasto no último ano do governo Michel Temer (R$ 5,6 milhões) e 12% acima das despesas do último ano completo do governo Dilma Rousseff (R$ 6,7 milhões). Nos dois últimos meses deste ano, os gastos de Bolsonaro somaram R$ 2,1 milhões, como mostrou o blog.
O blog perguntou se a Câmara considera como prazo final para o sigilo o último mandato de “presidente da casa” ou o mandato como deputado. Isso porque é comum que o ex-presidente da casa continue como deputado. Mas há também casos recentes de ex-presidentes da Câmara que já deixaram o mandato de deputado: Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves. Por que, então, os gastos das gestões de Cunha e Alves permanecem sob sigilo? Até quando permanecerão em sigilo?
A Câmara respondeu que o art. 19 do Ato da Mesa 45/2012 prevê que “as informações classificadas como reservadas terão restrição de acesso de até 5 anos, a partir da data de sua produção. Dessa forma, as informações referentes aos primeiros seis meses do Biênio 15/16 podem ser solicitadas”. Acrescentou que, quando um documento é classificado como reservado com base no Art. 19 Parágrafo 2º, “o prazo de restrição é vinculado à permanência do parlamentar no mandato, prevendo a possibilidade de reeleição”.
Verba sigilosa triplica em dois anos
Os gastos sigilosos com cartões corporativos aumentam a cada ano e triplicaram de 2017 a 2019, durante gestões do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em 2013, houve despesas de apenas R$ 226 mil com cartões corporativos. Em 2014, os gastos chegaram a R$ 430 mil. Nesses dois anos, não foram feitos gastos sob sigilo. Em 2015, as despesas já somavam R$ 723 mil, com 35% sob sigilo. No ano seguinte, houve uma redução nos gastos totais para R$ 629 mil, mas os dados reservados chegaram a quase 60% do total. Maia tomou posse em 14 de julho de 2016.
O valor se manteve estável em 2017 – R$ 777 mil, com R$ 400 mil sob sigilo (51%). Em 2018, houve uma explosão de gastos, num total de R$ 1,28 milhão, sendo R$ 877 mil reservados (68%). No ano passado, mais R$ 1,8 milhão, com R$ 1,2 milhão (67%) sob sigilo. Os gastos reservados foram triplicados em relação a dois anos antes. Até abril de 2020, as despesas somam R$ 648 mil, com 76% sob sigilo.
O blog questionou a Câmara sobre o aumento contínuo dos gastos sigilosos e totais ao longo dos últimos oito anos. A casa afirmou que “a elevação de gastos tem origem no respectivo aumento da demanda por um determinado tipo de serviço que está enquadrado entre as atividades consideradas de natureza sigilosa”.
Critérios diferentes na Câmara e no Senado
O Senado gastou R$ 3,6 milhões com cartões corporativos em 10 anos. Apenas o administrador da residência oficial do presidente do Senado, Francisco Joarez Gomes, gastou R$ 1,4 milhão em sete anos. Juntos, Câmara e Senado gastaram R$ 10 milhões com os corporativos.
O mais curioso é que o Senado mantém sob sigilo todos os seus gastos. Não informa o que foi comprado, a data da compra, nem a empresa fornecedora de produtos ou serviços. Mas informa o nome de cada servidor que fez a despesa, com o total de despesas por mês. Já os dados sigilosos da Câmara não trazem qualquer informação, nem mesmo o nome do servidor que utilizou o cartão corporativo.
Os dados abertos da Câmara somam R$ 2,93 milhões. Apenas um servidor, Thiago Barbosa, fez gastos no valor total de R$ 362 mil de 2016 a 2020. Ele compra basicamente material elétrico, de iluminação, ferragens e tintas. Carlos Braia fez despesas num total de R$ 189 mil de 2018 a 2020, incluindo eletrônicos, iluminação e ferragens.
A Câmara afirmou ao blog que as informações consideradas sigilosas estão listadas no art. 18 do Ato da Mesa 45/12. A natureza sigilosa de informações públicas está prevista na Lei 12.527/11, a Lei de Acesso à Informação, em seus artigos 6 (parágrafo 3º), 23, 24 e 25. O Ato da Mesa 45/12 regulamenta o que estabelece a referida lei. Os gastos com a residência oficial enquadram-se no que estabelece o Art. 18, inciso VII, do Ato da Mesa 45/12.
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