Responsável pelo início da votação de uma reforma da Previdência que exige muitos sacrifícios dos brasileiros, a Câmara dos Deputados assegura generosas aposentadorias aos seus servidores. Metade deles tem renda maior do que os próprios deputados. São 1.706 aposentados com renda média de R$ 38,3 mil. Exatos 1.042 inativos (31% do total) recebem o teto constitucional – R$ 39.293, o equivalente ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Se não houvesse o abate-teto, 335 aposentados da Câmara receberiam mais de R$ 50 mil, um deles chegando a R$ 60 mil. Considerando ativos e inativos, 49% ganham mais do que os parlamentares. São precisamente 3.073 servidores com renda média de R$ 37,9 mil.
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Em depoimento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, no dia 3 deste mês, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o sistema de Previdência é “uma fábrica de desigualdades” e “está financeiramente condenado”. E citou o exemplo da própria Câmara.
“A aposentadoria média na Câmara é 20 vezes a aposentadoria média do INSS [R$ 1,3 mil]. A aposentadoria média nesse ambiente é R$ 28 mil. Estamos removendo privilégios”.
Mas a diferença é ainda maior – 25 vezes. Considerando os 3.317 inativos da Câmara, a renda média fica em R$ 33,2 mil. A reunião na CCJ não acabou bem. Guedes foi questionado por deputados sobre questões como o impacto da reforma nas mulheres mais pobres, benefícios fiscais a empresas e regras diferenciadas para militares.
Até que o deputado Zeca Dirceu (PT-PR) afirmou que Guedes era “tigrão” com aposentados e “tchutchuca” com “a turma mais privilegiada”. “Não falte o respeito comigo. Tchutchuca é a mãe, tchutchuca é a vó”, respondeu o ministro. A sessão foi encerrada.
Déficit previdenciário
Os servidores aposentados da Câmara consomem R$ 110 milhões por mês – ou R$ 1,44 bilhão por ano. Mas ainda tem os 1.163 pensionistas de servidores, com renda média de R$ 22,6 mil. O gasto mensal fica em mais R$ 26,2 milhões – ou R$ 340 milhões por ano. Um grupo de 216 desses pensionistas tem aposentadoria maior do que o salário dos deputados, com média de R$ 38,3 mil. A despesa anual com aposentados e pensionistas chega, portanto, a R$ 1,77 bilhão.
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As contribuições pagas pelos servidores ativos, inativos e pensionistas somam R$ 21 milhões por mês – ou R$ 276 milhões ao ano. A diferença entre o que é pago a aposentados e pensionistas e a arrecadação previdenciária entre servidores ativos, inativos e pensionistas fica em R$ 1,5 bilhão por ano.
A renda dos servidores da Câmara é tão elevada que mesmo técnicos legislativos, que são funcionários de nível médio, conseguem ganhar mais do que os deputados. São 392 servidores com renda média de 37 mil. Noventa e nove deles atingem o teto constitucional de R$ 39,2 mil.
Os deputados e senadores normalmente têm o mesmo salário dos ministros do STF – justamente o teto constitucional. Em novembro do ano passado, o Congresso Nacional aprovou o aumento desse teto para R$ 39,3 mil. Parlamentares articularam o reajuste para si próprios, mas a medida acabou não sendo aprovada neste ano, como sempre acontece no início de cada legislatura, talvez pelo clima de renovação no Congresso. Assim, deputados e senadores ficaram com uma “defasagem” salarial em relação aos ministros. Mas não os servidores da casa.
Aposentadoria parlamentar
Há ainda a aposentadoria parlamentar. Segundo a folha de pagamento da Câmara relativa a março, 508 ex-deputados recebem aposentadoria. Apenas 14 deles ganham o equivalente ao salário integral – R$ 33,7 mil. A renda média fica em R$ 14,6 mil – duas vezes e meia o teto do INSS. Cento e dez têm aposentadoria acima de R$ 20 mil. O gasto anual fica em R$ 97 milhões.
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O número de pensionistas está em 481, com renda média de R$ 8 mil. São viúvas, filhos menores e outros parentes. Mais uma despesa de R$ 50 milhões por ano. Entre ex-deputados e seus pensionistas, o gasto anual chega a R$ 147 milhões. Mas a arrecadação previdenciária fica em escassos R$ 19 milhões. É fácil imaginar quem paga a conta: o contribuinte.
Ocorre que 440 ex-deputados se aposentaram pelas regras do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). O instituto era deficitário e não teria como pagar as pensões. Foi extinto em 1999. Mas, no Congresso, ninguém fica no sereno. Mesmo o instituto sendo uma entidade de direito privado, a obrigação de pagar as pensões foi transferida à União, ou seja, ao cidadão. Está lá no orçamento da Câmara para 2019: “Aposentadorias e pensões do extinto Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) – R$ 139,3 milhões”.
A reforma da Previdência acaba com o plano especial dos congressistas para os parlamentares que tomarem posse após a promulgação da emenda constitucional da reforma. Mas os atuais deputados e senadores têm a opção de aderir ao atual Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC), que substituiu o IPC em 1999. Reportagem do blog mostrou que 242 parlamentares já aderiram ao plano.
Quem ainda não tem tempo de contribuição e idade mínima para se aposentar terá que cumprir as regras de transição da reforma – 30% do tempo que falta e 65 anos de idade. Como pelo menos 72 novos deputados aderiram ao plano no início de fevereiro deste ano, deverão se aposentar daqui a algumas décadas. Receberão pensão por mais algumas décadas. Seus pensionistas, por mais algumas décadas.
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