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Criada para produzir medicamentos para hemofílicos a baixo custo, a Hemobrás ainda não cumpriu seu principal objetivo, apesar de investimento bilionário do governo federal ao longo de 15 anos. A fábrica de hemoderivados ainda não está pronta. Mas as viagens dos servidores continuam gerando muitos gastos. A última para o exterior – uma caravana de oito funcionários para Bélgica e Suíça – custou mais R$ 177 mil aos cofres públicos.
De 25 de novembro a 6 de dezembro do ano passado, a equipe da estatal esteve em Lessines (Bélgica) e Neuchatel (Suíça) para visitas e reuniões de trabalho na empresa Baxalta, parceira na construção de uma segunda fábrica, agora para produzir o medicamento Fator VIII recombinante (biotecnológico).
Sete empregados da estatal viajaram numa sexta, dia 22, para Bruxelas. Passaram o final de semana por lá, recebendo diárias porque estavam em "trânsito". Os trabalhos começaram na segunda-feira (25). A maioria ganhou 12,5 diárias e retornou no dia 4 de dezembro. O chefe de serviço Ronaldo Oliveira chegou em Bruxelas no dia 29 e teve direito a 8,5 diárias.
Mas o técnico Anderson Geromel recebeu 19,5, no valor de R$ 20 mil. E retornou da Itália no dia 12, após 21 dias de viagens. As suas despesas com diárias e passagens somaram a R$ 27,4 mil – o mesmo valor que recebeu o gerente Berlink do Santos, que contou com 15,5 diárias. A viagem do gerente Caueh Jovino custou R$ 23,2 mil, sendo R$ 15,8 mil em diárias. No caso do chefe de serviço Christiano Madruga, as despesas foram de R$ 23 mil, com R$ 15,7 mil em diárias. O grupo recebeu um total de 109 diárias, ao custo de R$ 118 mil. Teve ainda o custo das passagens – mais R$ 59 mil.
As viagens internacionais acontecem desde os primeiros anos, quando a construção da fábrica nem havia iniciado. Em 2007 e 2008, seus diretores fizeram 40 viagens ao exterior, sendo 26 à Paris, onde ficava a sede do Laboratório Francês de Biotecnologia (LFB), que transferia tecnologia para fracionamento de plasma. Só a despesa com diárias chegou a R$ 230 mil (corrigidos). O então presidente, João Baccara, foi sete vezes a Paris. Esteve ainda em Madri, Bruxelas, Caracas, Kyoto, Hilden e Washington.
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Gastos de R$ 1,1 milhão ao ano
No último ano cheio, 2019, as viagens dos funcionários da Hemobrás custaram R$ 1,1 milhão. O blog fez um levantamento desses deslocamentos desde 2007, com base nas prestações de contas anuais da estatal. Os dados são parciais de 2014 a 2017. Ainda assim, o total de despesas atinge R$ 22,5 milhões, em valores corrigidos pela inflação. Em 2018, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou maior transparência na divulgação desses dados, o que ocorreu nos dois últimos anos.
As maiores despesas com viagens no ano passado foram do presidente da empresa, Oswaldo Cordeiro Castilho, num total de R$ 55 mil. Nos últimos dois anos, ele gastou R$ 105 mil com viagens. Nesse período, o diretor Antônio Lucena gastou R$ 91 mil. O procurador-geral, Patrick Brosselin, mais R$ 80 mil.
Em 2018, Castilho deslocou-se de Recife a Brasília no dia 8 de junho, uma sexta-feira, para “tratar de assuntos de interesse da Hemobrás” até o dia 21. Mas as reuniões de trabalho só começaram no dia 11. Recebeu 9,5 diárias no valor de R$ 4,4 mil.
A assessora de Comunicação e Marketing, Mércia dos Santos Maciel, esteve em Brasília, durante 13 dias, a partir do final de maio, para coordenar a organização da visita do ministro da Saúde, Gilberto Occhi, à fábrica da Hemobrás, programada para o dia 1º de junho de 2018. Ela relatou que, “nos demais dias, participou de reuniões de alinhamento com a equipe da Ascom e com os diretores da empresa”. Ganhou 12,5 diárias no total de R$ 4,3 mil.
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Auditorias apuraram irregularidades
Auditorias internas feitas pela Hemobras de 2011 a 2013 apontaram irregularidades nas despesas de viagens. Solicitações de passagens e diárias não informavam atividades em datas que incluíam sábados, domingos, e feriados, ou mesmo justificativas como a inclusão o pagamento de diárias em fins de semana e feriados. Também eram liberadas diárias e passagens para servidores com pendências de viagens anteriores. Houve um percentual elevado de cancelamento de passagens (quase 20%) em 2012. Mais de 40% estavam pendentes de prestação de contas.
Criada em 2005 no governo Lula, para enfrentar as empresas que dominam o mercado internacional de hemoderivados, a Hemobrás continua construindo a sua fábrica no município de Goiana, na Região Metropolitana do Recife, a passos lentos. A estatal afirma que será a maior fábrica de medicamentos hemoderivados da América Latina, com capacidade para processar até 500 mil litros de plasma ao ano. Diz isso há 15 anos.
Enquanto as fábricas não ficam prontas, o medicamento Fator VIII recombinante está sendo fornecido ao Sistema Único de Saúde (SUS) pela Hemobrás, por meio de uma parceria com a multinacional Baxalta/Takeda. O investimento total nas duas fábricas será de R$ 2,8 bilhões. A instalação do canteiro de obras da segunda fábrica está prevista para o segundo semestre deste ano.
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Estatal explica diárias no final de semana
A Hemobrás apresentou uma justificativa para a viagem três dias antes do início dos trabalhos na Bélgica, com os empregados recebendo diárias no final de semana. A empresa afirmou que foi dessa forma devido ao cancelamento dos voos e transportes na época, sendo necessária nova pesquisa por passagens de menor preço, conforme determina a legislação. "Ficou mais barato para a Hemobrás, no total de despesas, adquirir as passagens três dias antes do evento. Outro fator preponderante para decisão da compra das passagens foram os horários disponíveis, com risco de não chegar a tempo da reunião internacional".
A estatal também justificou por que Anderson Geromel retornou da Itália apenas no dia 12, recebendo um total de 19,5 diárias. "Dentro do planejamento da viagem, o empregado tinha que acompanhar representante da parceira tecnológica para realizar visita técnica em unidade fornecedora de equipamentos. Por esse motivo, as diárias recebidas estavam previstas e justificadas".
Sobre o envio de oito funcionários à Bélgica e Suíça, a empresa disse que o projeto da fábrica para produção de medicamentos recombinantes no Brasil "exige equipe multidisciplinar, com representantes de várias áreas, que têm suas responsabilidades vinculadas diretamente às etapas de planejamento para a transferência de tecnologia para o país".
Acrescentou que num processo de transferência de tecnologia, que requer trocas de informações, "sempre é mais barato os nossos técnicos irem ao local do que virem os técnicos estrangeiros ao Brasil, o que exige o pagamento de deslocamento dos representantes de parceiros tecnológicos, porquê quem faz a absorção da tecnologia é responsável por esse investimento".
A estatal também esclareceu os elevados gastos com viagens no ano passado e em 2012 e 2013 – anos das maiores despesas. "A Hemobrás tem compromissos assumidos com os projetos de implantação das fábricas para produção de medicamentos. À medida que o planejamento vai sendo executado, as viagens nacionais ou internacionais podem ou não ocorrer. Há outras justificativas como capacitação dos empregados, reuniões com o Ministério da Saúde".