Rosinei Coutinho/STF| Foto:

A língua afiada do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é conhecida de quem acompanha o mundo da política em Brasília. As suas tiradas irônicas são dirigidas a procuradores, políticos e até mesmo a colegas da magistratura. Nas últimas semanas ele voltou à carga. Mas poucos sabem o que é viver uma discussão com o ministro. Ele já começa a conversa irritado. Vai elevando o tom de voz, até chegar aos gritos. Só para quando há uma reação.

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Aconteceu comigo, na cobertura da CPI do Cachoeira, pela Folha de São Paulo, em 2012. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), envolvido com o Carlinhos Cachoeira, havia feito lobby no Ministério da Educação para liberar o credenciamento de uma faculdade em Goiás. Era o que mostrava um dos grampos vazados. Fui até o Ministério da Educação e ouvi de uma fonte que o ministro Gilmar Mendes teria solicitado uma audiência para Demóstenes tratar do caso.

Falei com a assessoria do ministro, informei a pauta e, em seguida, liguei para o próprio.

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Repórter – Ministro, é Lúcio Vaz, Folha de São Paulo.

Ministro – Tudo bem?

Repórter – Tudo bem. Nós estamos fazendo matérias sobre essas escutas telefônicas da Operação Monte Carlo e, lá pelas tantas, aparece um lobby do senador Demóstenes. Ele conversa com o Carlinhos Cachoeira para tentar liberar o credenciamento de faculdades lá em Goiás. A gente está fazendo contato com o Ministério para saber o que foi solicitado, e surgiu uma informação, de uma fonte que a gente não pode citar, que essa audiência teria sido uma solicitação sua.

Ministro (já irritado) – Lúcio, isso é uma molecagem, molecagem, molecagem. Eu estou com a transcrição aqui, dizendo que ela foi indeferida e que ele pediu ao chefe de gabinete. Vamos parar de molecagem. Não aceito mais! Acabo de falar com o Mercadante e você vá lá falar com ele. Ó, então, pegue as suas fontes e vá pra puta que pariu! Que molecagem é essa? Que coisa! Eu tô irritado com essa molecagem (já aos gritos).

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O sangue ferveu, mas aprendi que, nessas horas, é melhor deixar o entrevistado desabafar, ainda que esteja faltando com o respeito. Ele prosseguiu, ainda alterado.

Ministro – Que isso? Falar com fontes do Ministério da Educação… Vê se um senador importante como o Demóstenes precisava da intermediação de alguém. Que molecagem. Vocês estão em Brasília, sabem disso e ficam dando curso a essa molecagem. Me trate com seriedade, rapaz, o que é isso? Vocês não têm noção? E você ainda vem me fazer essa pergunta. Escreva no seu jornal que eu considero isso uma molecagem.

Repórter – O meu papel é fazer perguntas…

Ministro – Exatamente, e você vai escutar isso. Não dê trânsito a coisa cretina, aprenda a respeitar. Eu to cansado de cretinice, cansado de molecagem. Não vem com esse negócio de fonte secreta. A porra! Que é isso, rapaz? Trate com seriedade as pessoas.

Repórter – A gente está num processo de apuração, que envolve falar com todas as partes…

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Ministro – Eu estou com a transcrição, rapaz, que diz que ele pediu para o chefe de gabinete. Não me dê mais trânsito a isso. A manhã, vou falar com o Otávio (Otávio Frias, diretor da Folha). Vocês estão dando trânsito… Veja o absurdo que você vem me perguntar.

Quando ele afirmou que iria falar com o diretor do jornal, achei que era demais. Interpretei aquilo como intimidação. E comecei a responder os ataques.

Repórter – Ministro, o senhor tem todo o direito de estar irritado, tem o direito de desabafar. Eu estou aqui ouvindo o senhor, mas o senhor também me respeite. Eu estou fazendo o meu trabalho, estou fazendo uma apuração…

Ministro – Eu estou te respeitando…

Repórter – A gente vai publicar aquilo que acha que deve publicar a partir da apuração. E o senhor também não tente me intimidar (já elevando o tom de voz).

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Ministro – Sim. Não, eu não estou te intimidando. Eu vou tomar as minhas providências.

Repórter – Não estou intimidado com o senhor.

Ministro – Eu também não estou intimidado com você, não.

Repórter – O senhor está gritando comigo e eu vou gritar com o senhor. O senhor me respeite também.

Ministro – Dando curso a uma coisa dessas…

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Repórter – O nosso papel é apurar, é perguntar para as pessoas e registrar o que elas falam.

Ministro – Olha a transcrição que você tem.

Repórter – O senhor não pode me agredir dessa maneira, o senhor me respeite. (ele desligou o telefone)

No fim não confirmamos a informação de que o ministro havia pedido a audiência e, por isso, não publicamos a matéria. Restou apenas o diálogo.

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