Todos os anos, dezenas de recursos que envolvem os chamados “crimes de bagatela” chegam às cortes de última instância da Justiça Brasileira: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), conforme mostrou reportagem da Gazeta do Povo publicada na segunda-feira (23).
São crimes de menor periculosidade que, em geral, envolvem a subtração de produtos ou valores irrisórios. Réus condenados à prisão por esses delitos tentam obter a liberdade nos tribunais superiores acionando o chamado “princípio da insignificância”, ou seja, alegam que o crime cometido tem pouca ou nenhuma relevância. Muitos desses processos chamam a atenção pelo tamanho da pena aplicada.
Foi o caso de Edinei Bezerra, que entrou na loja de conveniências de um posto de gasolina, acompanhado de “comparsas”, e furtou balas de menta e barras de chocolate e de cereais. Pela prática de furto “qualificado”, foi condenado à prisão.
Em 2012, um pedido de habeas corpus de Edinei foi negado no STJ. O relator do processo, ministro Og Fernandes, argumentou: “No tocante ao crime de furto qualificado, revela-se inviável a aplicação do princípio da insignificância”. Segundo relato do ministro, houve uma ação coordenada dos comparsas. Alguns pagavam produtos para distrair a funcionária, enquanto outros furtavam oito barras de chocolate, duas barras de cereal e uma embalagem de balas de menta. Depois, assaltaram duas pessoas e roubaram uma pochete, um boné e uma carteira, com simulação de arma e agressão com chutes.
Pena dura
Independentemente da gravidade ou não do crime cometido, Edinei recebeu uma pena dura: oito anos e dois meses de reclusão em regime fechado. A pena é maior, por exemplo, do que a condenação do ex-ministro José Dirceu no mensalão – sete anos e 11 meses – e um pouco menor do que a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no processo do tríplex no Guarujá – nove anos e seis meses de reclusão.
Condenado por corrupção ativa no escândalo do mensalão, que consistia no pagamento de uma mesada a parlamentares para que votassem a favor do governo, José Dirceu teve a pena extinta em outubro do ano passado, por ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, porque já havia cumprido um quarto da condenação. Já Lula, que é pré-candidato a presidente da República, aguarda em liberdade o julgamento em segunda instância da apelação contra a condenação que recebeu do juiz Sergio Moro.
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O recurso de Edinei é um dos 150 crimes de bagatela analisados pela Gazeta do Povo. A maioria deles salta aos olhos em razão do produto subtraído: há roubos de chinelo, galinha, barras de chocolate, colher de pedreiro, nota falsa de R$ 5 e furto em dinheiro de apenas 15 centavos que chegam seguidamente ao STJ e ao STF. É importante salientar que os dois tribunais não impõem as penas, apenas analisam pedidos de habeas corpus ou recursos apresentados pelos acusados, Defensoria Pública ou Ministério Público.
Veja a seguir outras condenações impostas nesses casos:
Três anos por 16 barras de chocolate
Hugo Rocha foi condenado a três anos e três meses de reclusão pelo furto de 16 barras de chocolate, no valor de R$ 68,64, em setembro de 2009. Ele fora absolvido em primeira instância, mas o Ministério Público recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que impôs a condenação. O pedido de habeas corpus chegou ao STJ e foi julgado em fevereiro de 2012.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais registrou que o acusado era multirreincidente, apresentando pelo menos duas condenações com trânsito em julgado em 2007 e em 2008, além de outros processos já sentenciados, fato que afastaria a aplicação do princípio da insignificância.
A ministra relatora Laurita Vaz argumentou não ser possível “reconhecer um reduzido grau de reprovabilidade na conduta de quem, de forma reiterada, comete vários delitos ou comete habitualmente atos infracionais. Nesse contexto, não se mostra compatível a sua conduta com a aplicação do princípio da insignificância”. A Quinta Turma negou por unanimidade a concessão do HC.
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Quatro anos por furtar 15 reais
Adonias de Jesus entrou com pedido de habeas corpus no STJ contra a condenação por quatro anos de reclusão pelo furto de R$ 15 de uma empresa de ônibus. Pediu a aplicação do princípio da insignificância. O caso foi julgado pela corte superior em outubro de 2004.
O ministro relator Hamilton Carvalhido argumentou que se tratava de “roubo de delito complexo” e que não poderia haver a aplicação do princípio da insignificância sem a consideração. A Sexta Turma negou o pedido.
Cavalo roubado e abandonado
Eduardo do Amaral e José da Silva foram condenados à pena de dois anos de reclusão em regime inicialmente aberto por terem roubado, em janeiro de 2002, um cavalo avaliado em R$ 150. Mas ocorre que logo após o furto os dois abandonaram o animal, que foi restituído à proprietária. O caso bateu às portas do Supremo em abril de 2014.
A ministra relatora Rosa Weber votou pela concessão do habeas corpus, absolvendo os acusados pela aplicação do princípio da insignificância. Argumentou que houve o abandono posterior do animal, ausência de violência e os acusados ainda eram primários. Por maioria de votos, a Turma do STF concedeu a ordem de habeas corpus aos dois acusados.
Dois anos e sete meses por gomas de mascar e chocolates
Diego dos Santos foi condenado em primeira instância a dois anos e sete meses de reclusão, em regime fechado, pelo furto “qualificado” de 23 gomas de mascar e três barras de chocolate avaliadas em R$ 32. Recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo, que reduziu a pena para um ano e seis meses de reclusão, mantida a condenação. O pedido de habeas chegou ao STJ e foi julgado em agosto de 2017.
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Relator do processo, o ministro Reynaldo da Fonseca argumentou que não caberia a aplicação do princípio da insignificância por se tratar de “de furto qualificado, por rompimento de obstáculo” e por se tratar de “paciente reincidente na prática de delitos (tráfico de drogas)”.
“Nesse contexto, a reiteração no cometimento de infrações penais se reveste de relevante reprovabilidade e se mostra incompatível com a aplicação do princípio da insignificância, a reclamar a atuação do Direito Penal. Com efeito, o princípio da bagatela não pode ser um incentivo à prática de pequenos delitos”, completou o ministro. A Quinta Turma não concedeu o habeas.
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