Criado em abril do ano passado para promover acordos de infratores com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Instituto Chico Mendes (ICMBio), o Núcleo de Conciliação Ambiental realizou apenas cinco audiências, mas os autuados não compareceram. Assim, nenhum acordo foi fechado e nenhum centavo das multas aplicadas foi recuperado. Fracassou até agora o modelo criado na gestão do ministro Ricardo Salles para estimular a conciliação e aplicar desconto ou até mesmo anulação de multas. Ele queria fazer acordos de baciada.
O Decreto 9.760/2019, publicado em 11 de abril, diz que a conciliação deve ser estimulada pela administração pública ambiental, para encerrar os processos administrativos federais relativos a infrações ao meio ambiente. Quem for multado, será notificado para comparecer ao órgão ambiental, se quiser, para participar de audiência de conciliação ambiental. Primeira vantagem, os prazos processuais ficam suspensos com o agendamento da audiência.
O Núcleo poderá declarar nulo o auto de infração que apresentar vício insanável, decidir pela sua manutenção ou apresentar as soluções legais possíveis para encerrar o processo – o desconto para pagamento, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação do meio ambiente. O decreto foi assinado por Salles e pelo presidente Jair Bolsonaro.
O decreto tem um “jabuti” que atende a um antigo pedido de Bolsonaro sobre apreensão de maquinário durante as operações do Ibama. Um trecho diz que a apreensão de produtos, instrumentos e veículos de qualquer natureza depende “de sua fabricação ou utilização exclusiva para a prática de atividades ilícitas. Assim, caminhões, escavadeiras e tratores utilizados também em outras atividades não podem ser recolhidos.
O desconto da multa poderá variar de 40%, quando a proposta for apresentada até a decisão em segunda instância, até 60% quando apresentada na audiência de conciliação. Em 7 de agosto de 2019, portaria conjunta do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do ICMBio regulamentou o funcionamento do Núcleo de Conciliação, com unidades nas capitais de todos estados, no Distrito Federal e no município de Santarém/PA.
Audiência deram “no show”
Para checar como está o funcionamento do Núcleo de Conciliação, cerca de um ano após a sua criação, o blog encaminhou ao Ibama e ao ICMBio, por meio da Lei de Acesso à Informação, os seguintes questionamentos: quantas unidades já estão funcionando, quantas audiências de conciliação foram realizadas, quantos acordos foram fechados, qual o valor total acordado entre as partes e qual valor efetivamente pago, ou seja, que já entrou nos cofres públicos.
As respostas mostram que, na prática, não é tão simples cobrar ou mesmo perdoar multas ambientais. O Ibama desconversou: “Esclarecemos que foram realizadas 5 audiências em fevereiro, no contexto de uma experiência piloto, que continuariam a ser realizadas, se não fosse a situação de emergência de saúde pública Covid-19, que levou à suspensão dos prazos processuais – e das audiências de conciliação ambiental”.
O Ibama informou que a unidade instalada na sede do Ibama, em Brasília, conta com 29 servidores efetivos – 22 do Ibama e 7 do ICMBio. Nos Estados, 65 servidores integram as equipes de audiências, funcionando em todas as Unidades da Federação, em Santarém e no Distrito Federal.
O ICMBio foi direto ao assunto: “Foram realizadas 5 audiências de conciliação, sendo 2 em Minas Gerais e 3 em Santa Catarina. Nessas 5 audiências, os autuados não compareceram”. O instituto acrescentou que, desde 26 de março de 2020 as audiências de conciliação estão temporariamente suspensas em razão da epidemia de Covid-19.
Informou, por óbvio, que “não houve acordo entre as partes, pois os autuados não compareceram às audiências. Informamos que não foram identificados pagamentos provenientes da fase processual citada”. A resposta foi dada pela Diretoria de Criação e Manejo de Unidades de Conservação.
“Está tudo parado”, diz associação de servidores
A secretária-executiva da Associação dos Servidores da Carreira em Meio Ambiente (Ascema), Elizabeth Uema, relata por que o Núcleo de Conciliação não está funcionando: “Quando é lavrada uma multa por algum fiscal, o sistema eletrônico teria que gerar um agendamento automático para esses núcleos de conciliação. Só tem um problema, que existe desde o início – e isso não tem a ver com a pandemia – é que o sistema não está funcionando”.
“Então, está tudo parado. Estando parado, o auto de infração não prossegue, fica aguardando a conciliação, que não acontece porque o sistema não agendou. Isso explicaria o número baixíssimo de conciliações”, acrescentou Uema, após consultar servidores do Ibama e do ICMBio que atuam na área.
A secretária-executiva complementa: “Isso também reafirma o que a gente dizia: na verdade, seria um procedimento a mais que se inseriu numa estrutura que já estava montada, que já previa, inclusive, a possibilidade de apelação sobre o valor ou sobre a infração. Já existiam, administrativamente, outros caminhos e mecanismos de discussão. O autuado poderia até recorrer da multa. O Núcleo de Conciliação parou uma coisa que já estava funcionando”.
Uema apresenta o resultado: “Os autos de infração estão se acumulando sem que o sistema comece a funcionar para dar vazão às autuações. Isso explica uma série de coisas: o baixo número de conciliações, de multas e de pagamento de multas, porque o pagamento só se dá após todo esse processo. Enquanto não se faz a conciliação, todos os prazos ficam parados. Isso é outro fator que atrapalha bastante o pagamento e o funcionamento de todo o sistema”.
A dificuldade de cobrar multas ambientais
Reportagem publicada pelo blog em setembro do ano passado mostra a dificuldade na cobrança das multas ambientais. Em 16 anos, o Ibama aplicou 156 mil multas, no valor total de R$ 33 bilhões, por desmatamento, compra de madeira ilegal e outras formas de agressão ao meio ambiente. Mas apenas 1,5% desse valor entrou nos cofres da União.
O número de processos quitados é elevado – 37 mil –, mas os valores somam apenas R$ 323 milhões, numa média de R$ 8,6 mil. Isso representa apenas 1% do valor total. Mas há outras formas de recuperação do dinheiro, como citou Uema: os parcelamentos, que somam R$ 80 milhões; ou processos de recuperação ambiental, originários de multas no valor de R$ 30 milhões.
O blog perguntou ao Ministério do Meio Ambiente, que costuma não responder aos questionamentos da imprensa, quais os motivos que levaram ao baixo rendimento do Núcleo de Conciliação no início do seu funcionamento e por que foram recriados mecanismos já previstos na legislação, como a negociação do valor da multa, o parcelamento e a conversão da multa em serviços de preservação. Como de praxe, não houve resposta.
Após a publicação da reportagem, o Ibama afirmou que cerca de mil processos já foram analisados pelo Núcleo de Conciliação Ambiental. "Com o estado de calamidade pública devido à pandemia do coronavírus, a pasta suspendeu as audiências presenciais e trabalha para implementar o uso de ambiente virtual para a realização de audiências remotas. Quanto às cinco audiências mencionadas, o Ibama acrescenta que em dois casos os autuados entraram com recursos e outros três casos já foram para a etapa de instrução e julgamento em 1ª instância", diz nota do instituto. Em resumo, ainda não houve qualquer pagamento, nem acordo, nem julgamento.
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