A liderança do PT na Câmara dos Deputados entrou na Justiça pedindo o ressarcimento dos custos da viagem de jatinho feita pelo ex-ministro interino da Casa Civil Vicente Santini da Suíça até a Índia, em janeiro último. Santini acabou exonerado do cargo.
Com a ação, o PT atua como fiscal do interesse público, mas se esquece de que num passado recente eram os ministros dos governos Lula e Dilma Rousseff que usavam e abusavam das aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB), assim como Santini. Entre 2010 e 2011, o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, por exemplo, fez 97 voos entre Brasília e São Paulo acompanhado da mulher e da filha menor, além de outras autoridades e assessores.
As informações foram publicadas na Folha de S. Paulo, em 2012, em reportagem que eu mesmo produzi para o jornal. Naquela época, os ministros eram autorizados a utilizar os jatinhos da FAB para se deslocar até suas casas nos finais de semana. Mas os dados sobre os voos não eram públicos como hoje. Pedi, então, ao deputado Rubens Bueno (PPS-PR) que apresentasse um requerimento de informação à Aeronáutica solicitando essas informações. Protegidos pelo sigilo, os ministros e os presidentes petistas usavam e abusavam dos jatinhos.
Haddad, que seria eleito prefeito de São Paulo naquele ano, fez 130 deslocamentos em aeronaves oficiais em 2010 e 2011 – uma viagem de ida e volta por semana ao menos. Ele fez 46 voos exclusivos para São Paulo, sem outros ministros. Em 15 deslocamentos, foi acompanhado apenas da mulher e da filha. Em alguns outros, estavam a mãe e o filho do ministro.
“É um direito meu”, disse Haddad
O então ministro, que seria candidato a presidente da República em 2018, afirmou em 2012 que não houve irregularidade no transporte de seus familiares. “É um direito meu ir para casa. O que interessa é a legalidade”, disse.
Ele acrescentou que a maioria dos voos foi compartilhada. “Em quase todos, com raras exceções, eu estava vindo com outro ministro. E, quando pedia carona, eu perguntava se tinha três lugares”, se referindo a ele, à mulher e à filha.
“Ato lesivo, para fins particulares”
Na ação popular movida contra Santini, a Liderança do PT afirmou que o ex-ministro praticou “ato ilegal e lesivo ao patrimônio público” porque usou o jato “para fins particulares, com o único objetivo de obter vantagem pessoal, em prejuízo do erário [cofres públicos]”. O presidente Jair Bolsonaro apresentou outro argumento para a exoneração do ministro interino: “o que ele fez não é ilegal, mas é completamente imoral”.
A farra dos jatinhos era liberada nos governos petistas. Os demais ministros abusavam dos voos para casa nos finais de semana, o que era permitido na época. Quanto Lula se deslocava para sua casa, em São Bernardo do Campo (SP), um helicóptero da Aeronáutica seguia dias antes, para transportar o presidente em São Paulo. O aparelho precisava fazer uma parada no meio do caminho para reabastecimento.
O cruzamento dos dados apresentados pelo governo em 2012, no primeiro governo Dilma Rousseff, mostrou que era comum ministros decolarem de Brasília com diferença de apenas alguns minutos, embora o destino fosse o mesmo. As planilhas da FAB informavam inclusive o modelo de aeronave utilizada, o que permitia apurar o custo da hora/voo e a consequente despesa aos cofres públicos, além da quilometragem percorrida. Esses dados hoje são mantidos em sigilo, por questão de “segurança nacional”.
Os números mostraram que os ministros de Dilma torraram R$ 15,3 milhões em recursos públicos de janeiro a outubro de 2011, enquanto os auxiliares de Lula fizeram despesas de R$ 12,9 milhões no mesmo período em 2007 – em valores atualizados para 2012. Um acréscimo de 20%.
Considerando apenas as viagens presidenciais, Lula ganhou de sobra. As despesas de Dilma ficaram em R$ 11,6 milhões em 10 meses de 2011, enquanto os gastos de Lula chegaram a R$ 22,4 milhões em 2007. Os custos dos presidentes são mais elevados porque, além do avião presidencial – um Airbus 319 na época – há despesas com o escalão avançado e com o avião reserva.
Somadas as viagens da presidente Dilma, do vice-presidente Michel Temer (PMDB), dos ministros e dos presidentes da Câmara e do Senado, foram gastos R$ 30,3 milhões de janeiro a outubro de 2011 – em valores da época.
Fugidinhas no final de semana
Pela legislação da época, as aeronaves eram utilizadas para cumprir agendas oficiais, emergência médica e também nos deslocamentos para casa, como previa o decreto 4.244/2002. Muitos ministros marcavam compromissos oficiais e políticos nos seus redutos eleitorais nos finais de semana, numa forma de legitimar o uso das aeronaves.
Considerando apenas o segundo mandato de Lula, as fugidinhas para os estados de origem custaram cerca de R$ 22,4 milhões aos cofres públicos, em valores atualizados em 2012. Eles percorreram 4,3 milhões de quilômetros – o equivalente a 109 voltas em torno do planeta.
O então ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB), proporcionalmente, foi quem mais voou para casa em jatinhos da FAB. Seus deslocamentos durante 22 meses, em 2008 e 2009, custaram R$ 2,4 milhões, sendo que 72% desse valor foi aplicado em 71 voos para sua casa, no Recife (PE). Em outubro de 2009, ele assumiu o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável pelo julgamento das contas da União.
Os presidentes da Câmara naquele período (2007/2010) também abusaram dos jatinhos. De 2007 a 2008, Arlindo Chinaglia (PT-SP) fez um total de 92 voos nas aeronaves da FAB, sendo 77% para casa. Michel Temer, de 2009 a 2010, voou 85 vezes, com 80% para a sua residência.
Novas regras para uso de jatinhos
Os voos dos jatinhos da FAB passaram a ser divulgados online a partir de julho de 2013, mas com restrições. Não são liberadas informações sobre os voos do presidente da República. Também não há informação sobre o modelo de aeronave utilizado, o que impede o cálculo do custo da viagem e a distância percorrida.
A partir de 2015, decreto da presidente Dilma (8.432/15) suspendeu a utilização de aeronaves da FAB em deslocamento para o local de domicílio dos ministros de Estado.
Mas o mesmo decreto permitiu que o vice-presidente da República e os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) continuassem usando os jatinhos para viajar para suas casas. No ano passado, por exemplo, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez 230 deslocamentos nas aeronaves da FAB, 46 para a sua casa no Rio de Janeiro.
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