A crise financeira do Estado brasileiro não chegou ao Judiciário. Os Tribunais de Justiça gastaram pelo menos R$ 4,3 bilhões nos últimos 20 meses com penduricalhos como pagamentos retroativos, indenização de férias, férias-prêmio, auxílio-moradia, abono, representações, acúmulo de funções. A maior parte dos retroativos está diluída em pagamentos parcelados, o que dificulta a identificação do valor total pago a cada magistrado, muitas vezes acima de meio milhão de reais.
O maior gasto foi com pagamentos retroativos – R$ 1,46 bilhão –, uma categoria onde cabe quase tudo. Em seguida vem a despesa com auxílio-moradia – R$ 1,1 bilhão –, embora tenha sido cortada no final de 2018. As indenizações de férias consumiram R$ 827 milhões. Essa despesa é consequência das férias de 60 dias. Muitos magistrados recebem parte desse benefício em dinheiro, com adicional de um terço e sem pagar Imposto de Renda. O exercício cumulativo de funções custou mais R$ 675 milhões.
Fonte: Conselho Nacional de Justiça
Os dados estão disponíveis no portal de Transparência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O levantamento do blog não inclui vantagens eventuais como 13º salário, antecipação de férias, um terço de férias, ou indenizações como auxílio alimentação e saúde – comuns aos demais servidores públicos. O portal permite o acesso aos dados de cada tribunal ao longo de 20 meses em planilha única.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o maior do país, com 360 desembargadores, gastou R$ 370 milhões com retroativos. Entre os maiores pagamentos está o do desembargador aposentado Egídio Jorge Giacoia – um total de R$ 623 mil, divididos em 22 parcelas, as duas maiores no valor de R$ 87,6 mil, pagas em abril e maio deste ano. O desembargador aposentado Ivan Ricardo Sartori, que presidiu o tribunal de 2012 a 2013, recebeu um total de R$ 536 mil, também em 22 parcelas. O TJSP aplicou mais R$ 280 milhões em indenizações de férias e R$ 155 milhões em auxílio-moradia.
O TJSP afirma que os retroativos resultam da equivalência de remuneração entre os membros do Congresso Nacional, ministros de Estados e ministros do Supremo. É a chamada Parcela Autônoma de Equivalência (PAE). Segundo o tribunal, a magistratura e os ministros dos Tribunais Superiores receberam essas diferenças em parcela única. No TJSP, essas diferenças estão sendo pagas em 84 parcelas mensais.
Férias-prêmio
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), as despesas com retroativos ficaram em R$ 283 milhões. O desembargador aposentado Caetano Carelos recebeu um total de R$ 588 mil em 19 parcelas. Os ex-presidentes do tribunal Lucio Urbano Martins e Márcio Aristeu de Barros, desembargadores aposentados, receberam R$ 583 mil e R$ 580 mil, respectivamente, de forma parcelada. Esse direito resulta da equivalência salarial entre magistrados e deputados estaduais, determinada por lei estadual em 1990. O TJMG vem pagando os atrasados parceladamente.
A segunda maior despesa em Minas não foi com férias nem auxílio-moradia, mas com rubrica especial – férias-prêmio. Trata-se de um período de três meses de folga que cada servidor efetivo tem direito a cada cinco anos de serviço. Quem não usufrui recebe a indenização. São vantagens eventuais, mas aparecem na página de Transparência do CNJ na categoria de “indenizações”, na coluna “outra”.
O tribunal gastou R$ 115 milhões com essa despesa nos últimos 20 meses. O juiz Paulo Antônio de Carvalho recebeu R$ 673 mil de uma só vez, em abril deste ano. Pelo menos mais quatro magistrados receberam boladas de R$ 434 mil em 2017 e em 2018.
Retroativos na Justiça com 24 anos de atraso
O Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) declarou gastos de R$ 453 mil com retroativos nos últimos 20 meses. Mas a coluna “outra”, que reúne 35 tipos de benefícios, somando R$ 31 milhões, traz os itens “Ação Originaria 054 e 335” e “Pedido de Providência”. São R$ 24 milhões de auxílio-moradia pagos com atraso correspondente ao período de 77 meses, de maio de 1987 a novembro de 1993.
O desembargador aposentado João Batista dos Santos recebeu R$ 622 mil em 12 parcelas nos últimos dois anos. Também aposentados, os desembargadores Adilson Florêncio Alencar e Dimas Ribeiro da Fonseca receberam R$ 594 mil em 12 parcelas no mesmo período.
O tribunal já pagou R$ 93 milhões dessa dívida, que será quitada em 60 parcelas, mas ainda há um saldo devedor de R$ 128 milhões. O TJRO afirma que, neste ano, foram pagas quatro parcelas. Desde maio, não estão sendo feitos pagamentos “devido a questões orçamentárias”. O tribunal acrescenta que esses valores não foram incluídos na rubrica “retroativos” porque “foram ações transitadas em julgado”, em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo informou o TJRO, o valor inicial foi corrigido pelo IPCA a partir do mês em que era devido. Depois, foi aplicado juros de mora de 6% ao ano até dezembro de 2002 e 12% a partir de janeiro de 2003. Sobre o saldo devedor do valor principal incidem juros de mora e correção monetária, até a solução final do débito, sem prazo definido.
Diferenças da URV, abono variável
O Tribunal de Justiça de Goiás pagou R$ 27 milhões em indenizações de férias nos últimos 20 meses, mas apareceram despesas maiores. Na rubrica "outra", das vantagens eventuais, há pagamentos de R$ 72 milhões por conta de uma decisão relativa à URV e R$ 62,8 milhões por conta de uma "decisão administrativa".
Segundo o tribunal, no primeiro caso, trata-se do pagamento das diferenças referentes “ao equívoco quanto à data de conversão da URV para cruzeiros reais em relação ao período de novembro de 1993 a fevereiro de 1994, no percentual de 11,98%, sobre as parcelas vencidas a partir de março de 1994 até julho de 2005, aí incluídos 13º e terço de férias". Foram aplicados sobre os valores a correção monetária, pelo IPCA-E, bem como os juros de 6% ao ano a partir do vencimento de cada parcela devida.
A Decisão Administrativa resultou de um recurso administrativo para pagamento de diferença remuneratória, com força de abono variável, no período de janeiro de 1998 a agosto de 2000, e a inclusão destes aos vencimentos posteriores.
Acúmulo de funções na Justiça
Os Tribunais Regionais Federais são econômicos nos gastos com indenização de férias (R$ 11,4 milhões nos cinco tribunais) e retroativos (R$ 3,1 milhões). Mas abrem a mão quando a despesa é com gratificação por exercício cumulativo de função. Foram R$ 264 milhões nos últimos 20 meses. O maior gasto foi feito pelo TRF-1, com sede em Brasília – R$ 75 milhões.
O TRF-1 destaca que é o maior dos Regionais, com 13 estados e mais o Distrito Federal sob sua jurisdição, o que corresponde a mais de 80% do território nacional. Sobre o acúmulo de funções, afirma que o fato decorre da carência de juízes federais na 1ª Região. “Das 294 varas, 285 contam com juízes titulares, havendo um déficit de 9 titulares; e apenas 192 contam com juízes substitutos, ou seja, um déficit de 102 substitutos, o que justifica o acúmulo de funções e, consequentemente, o enquadramento na norma que autoriza os pagamentos da gratificação por exercício cumulativo”, diz nota do tribunal.
O mesmo ocorre no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que teve despesas de R$ 80 milhões com indenizações de férias e R$ 86 milhões com gratificações por acúmulo de funções. O TJRJ afirma que a indenização de férias e o exercício cumulativo das funções “ocorrem em razão da carência no quadro de magistrados, levando-os a não gozarem férias e a prestarem a jurisdição em mais de um órgão simultaneamente”.
Boladas milionárias
Fora os pagamentos parcelados, há ainda pagamentos únicos que atingem a casa dos milhões de reais na Justiça brasileira. Jorge Luiz Costa, do TRT-15 (Interior de São Paulo), recebeu R$ 622 mil de retroativos em maio deste ano. Maria Auxiliadora Machado Lima, contou com retroativos no valor de R$ 1,17 milhão em dezembro de 2017. Na mesma data, Antônio Jorge da Cruz Lima recebeu R$ 3,5 milhões de retroativo do TRT-5 (Bahia). Mas o recorde foi de Francisca de Assis Alves, que recebeu R$ 8,2 milhões do TRF-7 (Ceará).
O pagamento resultou da concessão de pensão vitalícia com efeitos a partir de 1993. O benefício foi implantado em folha de pagamento em setembro de 2005, mas os valores de retroativos foram incluídos na planilha de passivos administrativos do TRT e ficaram aguardando disponibilidade orçamentária até o final de 2017.
Os tribunais e suas despesas
(em milhões de R$)
Fonte: Conselho Nacional de Justiça