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O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixará para trás em 2021 uma mordomia pesada para os cofres públicos – os voos em jatinhos da FAB. Nos últimos dois anos, ele torrou 6,2 milhões em 364 deslocamentos, sendo 147 deles de ida e volta para o Rio de Janeiro, onde tem residência, geralmente sem agenda oficial. Foram R$ 4,3 milhões no ano passado e R$ 1,9 milhão neste ano, apesar da pandemia da Covid-19. Teve até visita a frigorífico da JBS em jatinho oficial.
Só as viagens internacionais para nove países custaram R$ 1,4 milhão, sempre nas asas da FAB. Ele esteve em Nova Iorque, Paris, Londres, Roma, Genebra, Madri, Lisboa, Dublin e Buenos Aires. Maia esteve duas vezes em Nova Iorque em 2019, onde teve encontro som empresários, com diferença de apenas um mês. Fez turismo religioso em Roma, na cerimônia de canonização de Irmã Dulce, ao lado do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Tóffoli, outro campeão de viagens. Maia levou quatro assessores que receberam R$ 48 mil em diárias.
Neste ano, fez a viagem mais cara, para Paris e Madri, contanto o jatinho e as despesas com seguranças, assessores e três deputados – um total de R$ 463 mil. A comitiva foi estudar modelos para a profissionalização dos clubes de futebol no Brasil, valorização dos campeonatos e direitos de imagem. Também houve visitas institucionais e até fotos com o Rei da Espanha, Felipe VI. A “missão” durou nove dias, de 22 de fevereiro a 2 de março. Só o deslocamento do jatinho saiu por R$ 240 mil.
As diárias dos deputados Elmar Nascimento (DEM-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP) e Pedro Paulo (DEM-RJ) custaram R$ 37 mil. Quatro policiais legislativos e uma jornalista receberam mais R$ 134 mil em diárias. Três policiais contaram com 11 diárias num total de R$ 30 mil cada. A missão teve até escalão avançado, o que resultou em mais despesas de R$ 51 mil com passagens aéreas.
Mas o prejuízo poderia ter sido ainda maior. No ano passado, Maia fez sete viagens internais, incluindo nove países, ao custo de R$ 1,2 milhão só com jatinhos. Neste ano, a pandemia da Covid-19 inviabilizou mais viagens internacionais.
Viagens para casa e visita à JBS
O presidente Rodrigo Maia manteve neste ano o hábito de viajar para o Rio de Janeiro nos finais de semana utilizando jatinhos da FAB. Cada viagem de ida e volta custa cerca de R$ 30 mil, considerando as despesas de manutenção da aeronave. Foram 55 dos 130 deslocamentos neste ano e 92 dos 242 trechos de 2019. E ainda tem as despesas com diárias e passagens de seguranças que seguem em avião de carreira – a equipe precursora.
Neste mês, houve uma visita inusitada. No dia 10, o presidente da Câmara viajou para São Paulo à noite, uma quinta-feira. Na manhã seguinte, voou direto para Lins, onde foi recepcionado pelo prefeito Akio Matsuura (PSDB). Seguiu, então, para o frigorífico da JBS no município, onde teve uma reunião durante horas com Wesley Batista, irmão de Joesley Batista – ambos investigados no âmbito da Lava Jato por corrução e caixa dois eleitoral.
A discreta visita de Maia à planta da JBS foi noticiada em primeira mão pela Novatv, uma TV pela internet com sede em Lins. Fotos da equipe de reportagem registrou a chegada do deputado no jatinho da FAB. Em contato com autoridades do município, a reportagem da TV apurou que o presidente da Câmara esteve na JBS por mais de cinco horas. Mas nada vazou sobre o que conversaram durante a visita. Questionado pelo blog, Maia não revelou o motivo da reunião.
Quanto custa uma viagem para casa
Os gastos com os servidores que acompanham o presidente estão registrados. Maia fez um voo para o Rio dia 10 de janeiro, uma sexta-feira, sem agenda oficial. Lá ficou até o dia 14, acompanhado por cinco seguranças que receberam 22 diárias. Quatro deles viajaram em voo de carreira, chegando antes do presidente. As passagens e diárias custaram R$ 17 mil. Com o custo do jatinho, a despesa por conta do contribuinte chegou a R$ 39 mil.
Em 15 de janeiro, Maia passou por São Paulo e seguiu para o Rio, onde era aguardado por cinco seguranças. Na sexta-feira, retornou a São Paulo. As despesas com passagens aéreas e diárias chegaram a R$ 31 mil. Um deles recebeu 8,5 diárias. O custo total da viagem, incluindo o jatinho, chegou a R$ 46 mil.
No primeiro semestre, as viagens do presidente estavam registradas de forma mais explícita no relatório das viagens em “missão oficial”. A partir do segundo semestre, é preciso abrir os relatórios de viagens dos servidores para identificar quais deslocamentos atendem ao presidente. E quase todos esses relatórios estão “pendentes”.
Encontros partidários, visitas e teste positivo
Além de viajar para casa nos finais de semana, o presidente da Câmara também percorreu vários estados durante a pandemia da Covid-19. Alguns encontros não tiveram ligação direta que a sua atividade de presidente. Em 19 de novembro, ele viajou para Fortaleza, onde teve encontro com membros do diretório estadual do DEM. Também visitou o prefeito eleito de Eusébio (CE), Acilon Gonçalves (PL) e o presidente regional do partido, Chiquinho Feitosa. Aproveitou ainda para conversar com o governador Camilo Santana (PT) e o Ciro Gomes (PDT) no Palácio da Abolição.
Em 12 de setembro, Maia esteve em Curitiba para uma reunião com o prefeito Rafael Greca e secretários estaduais sobre a reforma tributária. Quatro dias depois, testou positivo para o novo coronavírus e suspendeu as andanças por três semanas.
No final de julho, visitou o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB). Maia afirmou que estava dialogando com prefeitos e governadores para “ajudar a definir a pauta da Câmara no segundo semestre”. No início de julho, esteve com o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, tratando de ações para o combate ao coronavírus. Mas também aproveitou e visitou o 2º vice-presidente da Câmara, Luciano Bivar (PSL), para tratar de votações na casa.
No dia 9 de março, Maia dividiu um jatinho com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em viagem para Sãp Paulo, onde participaram do evento de apresentação da programação da CNN. Tóffoli partiu do Rio de Janeiro para o mesmo evento, utilizando mais uma aeronave oficial. Retornou para Brasília no seu jatinho na manhã seguinte. Maia e Alcolumbre voltaram à tarde, novamente juntos.
Esbanjamento em tempos de déficit fiscal
O blog questionou se o presidente da Câmara considera adequados os gastos elevados com viagens num período de déficit fiscal do governo federal e de despesas extras geradas pela epidemia da Covid-19. Maia também foi questionado se os relatórios “pendentes” resultam de uma falha técnica ou têm por objetivo justamente impossibilitar a identificação das despesas com assessores e seguranças em viagens com o presidente. Não houve resposta para nenhum dos questionamentos.
As viagens do presidente da Câmara para casa estão amparadas pelo Decreto 10.267/2020, baixado pelo presidente Jair Bolsonaro em março. O Decreto diz: “Presume-se motivo de segurança”, na utilização de aeronaves do Comando da Aeronáutica, o deslocamento dos presidentes da Câmara, do Senado e do STF “ao local de residência permanente”.