Dependentes de militares reconhecidos como anistiados políticos recebem generosas mesadas do poder público que já representam 37% do valor total das indenizações pagas pelo Ministério da Defesa. São R$ 174 milhões por ano divididos entre herdeiros de 1.243 anistiados. O valor médio dessas indenizações é de R$ 11,7 mil – exatamente o dobro do teto do INSS. O número de dependentes é maior porque muitos militares transferiram a indenização para vários herdeiros. O custo total das indenizações de 3.471 anistiados militares fica em R$ 505 milhões por ano.
O pagamento das indenizações a dependentes está previsto no artigo 13 da Lei de Anistia (10.559/2002), que estabelece: “no caso de falecimento do anistiado político, o direito à reparação econômica transfere-se aos seus dependentes, observados os critérios fixados nos regimes jurídicos dos servidores civis e militares da União”.
O Ministério da Defesa informou ao blog que os dependentes dos militares anistiados políticos recebem “por transferência” as indenizações concedidas após o seu falecimento. A Força a que o militar anistiado estiver vinculado faz o processo para habilitação dos dependentes. Os pagamentos dos retroativos não recebidos pelo militar anistiado em vida também são pagos aos seus dependentes.
Até maio de 2018, já foram pagas indenizações num total de cerca de R$ 10 bilhões, em valores nominais, para todos os anistiados políticos. A parte dos anistiados civis, pagas pelo Ministério do Planejamento, chegou a R$ 6,44 bilhões. As indenizações dos militares já custaram R$ 3,51 bilhões.
Indenizações no valor de mais R$ 14 bilhões aguardam liberação de pagamento. Os dados disponibilizados pelo Planejamento, hoje parte do Ministério da Economia, não distinguem os pagamentos de anistiados e dependentes. Já foram atendidos 39,3 mil pedidos de indenização, enquanto outros 24,4 mil foram indeferidos e 11 mil estão pendentes de julgamento.
Dependente de general ganha mais que o ministro da Defesa
Entre as indenizações transferidas a dependentes de militares do Exército, Marinha e Aeronáutica, 98,6% estão acima do teto do INSS. As 205 maiores (16,5%) superam os R$ 20 mil. Considerando todos os anistiados, as dez maiores indenizações mensais foram transferidas a dependentes. A maior renda fica com dependentes do general de brigada Euryale Zerbini – R$ 31,2 mil por mês. O valor é maior do que o salário do atual ministro da Defesa, Fernando Azevedo Silva, que ganha R$ 30,9 mil.
Comandante da 2ª Divisão de Infantaria em Caçapava (SP), Zerbini participou da fracassada tentativa de conter o golpe militar de 1964. Na noite de 31 de março, ele foi acionado por telefone pelo chefe do Gabinete Militar da Presidência, general Assis Brasil, que tentava enfrentar as tropas sob comando do general Olímpio Mourão Filho, em marcha rumo ao Rio de Janeiro, a partir de Juiz de Fora (MG), para derrubar o governo de João Goulart. Mas o presidente não quis o choque militar e foi para o Uruguai. Zerbini foi preso e reformado.
A segunda maior indenização mensal do Exército é paga justamente a dependentes do general de brigada Assis Brasil – no valor de R$ 30 mil. Na noite do dia 1º de abril de 1964, ele voou para Porto Alegre junto com João Goulart, para tentar mais uma forma de resistência no Sul, com o apoio do 3º Exército, mas o cargo de presidente foi declarado vago pelo presidente do Senado. Os militares assumiram o poder de fato. Em 4 de abril, Assis Brasil acompanhou Goulart ao exílio no Uruguai. Uma semana após, o general foi transferido para a reserva e teve os direitos políticos suspensos por 10 anos.
Ao retornar ao Brasil, no final de 64, Assis Brasil foi preso e demitido do Exército. Em outubro de 1980, com base na anistia decretada no ano anterior, foi reformado com direito à remuneração de general de Exército. Morreu em março de 1982.
Maior líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes também deixou indenização de anistiado político para dependentes. Em 16 de agosto de 2006, o Comando do Exército declarou Prestes anistiado político "post mortem", reconhecendo o direito à promoção ao posto de coronel com os proventos do posto de general de brigada. A reparação econômica em prestação mensal e permanente foi dividida entre a sua mulher, Maria do Carmo Ribeiro (50%), mais quatro filhas (12,5% para cada uma). Hoje, elas dividem a indenização de R$ 25,5 mil.
Reuniões “subversivas” na Marinha
A maior indenização entre os anistiados da Marinha é paga ao contra-almirante José Luiz de Araújo Goyano – R$ 30,8 mil. Militar nacionalista, mantinha ligações com políticos e militares de esquerda, com sindicalistas e praças militares. Ligado à cúpula do governo João Goulart, foi nomeado diretor do Lloyd Brasileiro, sendo acusado de permitir que se realizassem reuniões subversivas em suas instalações. Teria também distribuído fuzis do Corpo de Fuzileiros a bombeiros “optantes” em 31 de março de 1964. As informações constam de denúncia da Procuradoria-Geral da Justiça Militar, da ficha do contra-almirante no Centro de Informações da Marinha (Cenimar) e de Inquérito Policial Militar de 1964.
Na Aeronáutica, a maior indenização paga a dependentes de militares anistiados foi concedida a Nilton Milan, no valor de R$ 29,6 mil. Em segundo lugar aparece Sérgio Cavallari, um militar que teria sido ligado ao núcleo do PCB nas Forças Armadas. Em 1964, esse grupo contava com cerca de 100 integrantes, segundo narra livro sobre Carlos Marighela, guerrilheiro morto durante a ditadura militar.
Guerrilheiro anistiado atravessou o Rio Grande de táxi
Parte dos militares anistiados recebeu apenas indenização em parcela única. Quem foi contemplado após a morte, deixou a indenização para os seus dependentes. Assim aconteceu com três filhos do coronel Jefferson Cardim Osório, um militar progressista que se engajou na campanha pela posse do vice-presidente constitucional João Goulart, vetada pelos ministros militares, em 1961, e acabou preso.
Jefferson Osório era diretor-técnico do Lloyd Brasileiro, em Montevidéu, quando ocorreu o golpe militar de 1964. Em abril daquele ano, foi transferido para a reserva e teve seus direitos políticos suspensos por 10 anos. Em depoimento ao CPDoc da Fundação Getúlio Vargas, afirmou que apresentou ao ex-presidente Goulart e ao ex-governador gaúcho Leonel Brizola planos de movimentos armados que serviriam de estopim para um levante popular contra o novo governo. Caso falhassem, iniciariam então uma ação de guerrilhas.
Sem o apoio dos dois, em março de 1965, Jefferson Osório atravessou a fronteira do Brasil com o Uruguai em Livramento (RS), contando com apenas 23 homens, pouco dinheiro e armamento precário. Seguiram para o norte do estado de táxi. Em Tenente Portela (RS), tomaram o destacamento local e se apoderaram de armas. Chegaram ao Paraná no final daquele mês. Nas proximidades de Capitão Leônidas Marques, foram cercados por unidades do Exército e capturados.
Foi condenado pelo Superior Tribunal Militar a dez anos de prisão. Preso em Curitiba, fugiu e asilou-se na embaixada do México no Rio de Janeiro. Seguiu para esse país e mais tarde para Cuba e Argélia, onde havia uma grande comunidade de exilados brasileiros.
Retornou ao Uruguai em setembro de 1970 para buscar a família, mas acabou preso, juntamente com o filho Jefferson. Retornaram ao Brasil e foram entregues ao Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA), onde teriam sido torturados. Passou por vários presídios, incluindo o de Ilha Grande, até ser libertado em novembro de 1977. Beneficiado pela Lei da Anistia de 1979, Jefferson Osório foi readmitido em março do ano seguinte na reserva remunerada do Exército. Morreu no Rio de Janeiro em janeiro de 1995.
Quem tem direito à anistia
A Lei 10.559/2002 declarou anistiados políticos aqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, por motivação exclusivamente política, foram atingidos por atos institucionais ou de exceção; punidos, demitidos ou afastados das atividades remuneradas que exerciam; demitidos do serviço público, de fundações públicas, empresas públicas ou empresas sob controle estatal.
Entre os políticos, foram declarados anistiados vereadores que foram forçados a exercer gratuitamente mandato eletivo por força de atos institucionais. Entre os que pediram o "bolsa anistia", havia 22 mil ex-vereadores – 55% do total. Também foram beneficiados políticos cassados de seus mandatos eletivos nos poderes Legislativo ou Executivo, nos níveis estadual e federal.
O anistiado político tem direito a uma "reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade". O cálculo da indenização leva em conta o tempo de afastamento do anistiado de sua atividade profissional."
As maiores indenizações pagas a dependentes de militares anistiados
(*) Lista contém os nomes dos militares anistiados e não dos dependentes.
As maiores indenizações pagas a militares anistiados
Fonte: Ministério da Defesa