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Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Riquezas minerais

Ouro, ferro, nióbio… Quem são as empresas que querem explorar terras indígenas

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Multinacionais de vários países, grandes empresas brasileiras e outras pouco conhecidas contam com 313 mil km² reservados para pesquisa e lavra em áreas ocupadas por índios. Aguardam apenas a aprovação de um projeto de lei que autorize a mineração em terras indígenas, enviado recentemente ao Congresso Nacional pelo presidente Jair Bolsonaro. A área total é um pouco maior do que o território dos estados do Paraná e Santa Catarina juntos.

Em 4.541 áreas de pesquisa e lavra, o minério mais cobiçado é o ouro – 58% do total –, mas as empresas também procuram diamante, alumínio, ferro, cobre, titânio e uma infinidade de minerais raros. Com a regulamentação, Bolsonaro poderá, enfim, abrir o caminho para a exploração de nióbio. Vinte e cinco requerimentos de pesquisa para esse minério abrangem 2,3 mil km² – quase a metade em território Yanomami.

A gigantesca Vale, conhecida no país pela recente tragédia em Brumadinho (MG), apresentou 225 requerimentos de pesquisa à Agência Nacional de Mineração (ANM), entre 1981 e 2014, num total de 21,5 mil km², em 10 terras indígenas – quase a totalidade para ouro. A área é do tamanho do estado de Sergipe. Procurada pelo blog, a Vale disse que "não desenvolve nenhuma atividade de pesquisa ou lavra em terras indígenas e reforça que segue rigorosamente a lei que rege o aproveitamento dos recursos minerais no país.”

A empresa com a maior reserva para pesquisa é a desconhecida Mineração Silvana, com 69 mil km² – área maior do que a Paraíba. Diretamente ou por meio de subsidiárias brasileiras, as multinacionais Anglo American, Anglogold Ashanti, Minsur e Kinross dispõem de centenas de autorizações para pesquisa.

A Mineração Silvana, do grupo Santa Elina, conta com 745 requerimentos de pesquisa de ouro, a maior parte em território Menkragnotti, no Pará. A empresa líder do grupo conta com mais 55 áreas numa extensão de 3,9 mil km². A Santa Elina começou, em 2017, a explorar uma mina de zinco e chumbo em Brasilândia D’Oeste (RO), após 10 anos de pesquisa. Procurada pelo blog, não respondeu aos questionamentos enviados.

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Multinacional desiste de área do tamanho de Alagoas

O blog apurou que algumas mineradoras desistiram da pesquisa ou tiveram requerimentos cancelados pela Justiça. A Anglo American Niquel Brasil conta com requerimentos de pesquisa que abrangem uma área de 2,4 mil km² no Pará, quase a totalidade para níquel. Nos arquivos da Agência Nacional de Mineração (ANM), porém, há registro de mais 247 áreas, numa extensão de 24,5 mil km², para duas subsidiárias da Anglo American – a Mineração Itamaracá e a Mineração Tanagra, 90% para pesquisar ouro. Juntas, as empresas do Grupo Anglo American, com sede em Londres, contam com área equivalente ao estado de Alagoas para realizar pesquisas.

Questionada sobre os planos para essas pesquisas, a Anglo American respondeu que realizou uma revisão de seu portfólio e desistiu de todos os requerimentos em áreas de pesquisa em terras indígenas apresentados até 2015. Acrescentou que “requerimentos vigentes que margeiem terras indígenas podem apresentar blocos com interferências nesses territórios. Nesses casos, cabe à ANM demarcar corretamente os blocos fora das áreas ou reservas indígenas. A empresa só realiza atividades minerais em áreas autorizadas”.

A AngloGold Ashanti Mineração, subsidiária de empresa com sede na África do Sul, conta com três áreas com requerimento de pesquisa para ouro, numa extensão de 2600 km², em terra indígena Kayapó. A empresa afirmou ao blog que, na década de 1990, solicitou requerimentos de pesquisa mineral em diversas regiões no pais. No entanto, atualmente, seus investimentos no Brasil estão concentrados apenas na expansão de suas minas localizadas em Minas Gerais e Goiás. A empresa gera mais de 6 mil empregos diretos e indiretos. Em 2019, produziu 15,7 toneladas de ouro no Brasil.

Projeto de mineração em terras indígenas está suspenso na Amazônia

A ANM registra dois requerimentos e 14 autorizações de pesquisa em áreas indígenas, num total de 1,1 mil Km², no Amazonas, para a empresa Potássio do Brasil, subsidiária da canadense Brazil Potash Corporation. Entre os investidores da empresa brasileira está a canadense Forbes & Manhattan, um banco de investimentos em mineração.

A empresa pretende injetar R$ 2,4 bilhões no Projeto Potássio em Autazes, distante 110 km de Manaus. As pesquisas apontam uma reserva de 450 milhões de toneladas de cloreto de potássio – utilizado na produção de fertilizantes.

Mas a Justiça Federal suspendeu as operações, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), para que as comunidades indígenas e ribeirinhas participem de uma consulta livre, onde devem ser informados sobre os benefícios e possíveis impactos negativos da mineração na região. O projeto prevê a construção de porto, planta industrial, estrada, adutora e linha de transmissão no local, tudo isso nas proximidades das aldeias.

A Potássio afirma que o projeto em Autazes não contempla mineração em terras indígenas. Essas comunidades estariam a oito quilômetros de distância. Segundo o MPF do Amazonas, a terra indígena Jauary está a 3 km do projeto, enquanto a terra Paracuhuba fica a 6,3 km. Sofreriam, portanto, o impacto das atividades de mineração. Segundo dados da ANM, as autorizações de pesquisa no Amazonas atingem cinco terras indígenas da etnia Mura, a maior parte Jauary.

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Potássio também desiste de áreas

Sobre os 16 processos em áreas coincidentes com terras indígenas, a Potássio do Brasil afirmou que já apresentou à ANM solicitação de “desistência de todos os processos, restando somente quatro processos de pesquisa”.

A mineradora disse que, nos quatro processos mantidos, a autorização foi concedida em 2008. “Em 2012, portanto posteriormente à autorização da ANM, houve a delimitação de uma Terra Indígena pela Funai. Como houve investimento em pesquisa mineral (sondagens e estudos técnicos) nestas áreas, neste período, a Potássio pretende manter a titularidade até a conclusão da demarcação destas áreas”.

A Potássio também destacou que possui outros direitos minerários no estado do Amazonas, que não interferem com terras indígenas. “Desses, destacam-se os direitos minerários do Projeto Potássio Autazes, atualmente em fase de consulta ao Povo Indígena Mura e em licenciamento ambiental. Sobre o Projeto Potássio em Autazes, a empresa não irá se manifestar até que a consulta ao povo indígena Mura chegue em sua fase final, seguindo os preceitos da OIT-169. A consulta aos povos indígenas deve ser livre, prévia, informada e de boa fé de todos”.

Ação na Justiça contra suspensão de processos

Os requerimentos e autorização de pesquisa em terras indígena estão suspensos pela ANM, ou seja, não são aprovados nem rejeitados. A agência informou ao blog por que estão parados. “Estão sobrestados porque a ANM não pode analisar nenhum processo em terras indígenas. Eles ficam esperando a decisão do Congresso Nacional, conforme estabelece a Constituição Federal [sobre a regulamentação da mineração em terras indígenas]”. Os requerimentos e concessões de lavra são para minerais menos valiosos, como areia, argila, calcário e água mineral.

O blog também perguntou sobre processos que foram indeferidos em 2019, conforme registrado na base de dados da agência. A ANM afirmou que “essa ação ocorreu porque o Poder Judiciário acatou ação do Ministério Público e decidiu que a ANM indeferisse tais processos. Portanto, não analisamos tais processo e sim foram indeferidos em cumprimento à decisão judicial”.

A agência se refere à ação civil pública apresentada pelo MPF do Amazonas em janeiro de 2019. A ação destacou que a ANM estaria “ilegalmente suspendendo” a tramitação dos requerimentos de autorização ou permissão de pesquisa e atividade minerária em terras indígenas no estado do Amazonas. “Não é possível o sobrestamento de procedimentos administrativos para garantia de direito de preferência em si inconstitucional. Existe, para o Poder Público, o dever de decidir, a ser exercido no sentido de indeferimento dos pleitos por falta de regulamentação legal”, argumentaram os procuradores Ana Carolina Bragança e Fernando Soave.

Assim, eles solicitaram à Justiça que os requerimentos ainda em tramitação, sobrestados ou não, deveriam “ser indeferidos de plano, pois a área pleiteada pelos requerentes está impossibilitada de exploração, por falta de regulamentação infraconstitucional, ausência de autorização do Congresso Nacional e falta de competência do órgão para deferir a autorização”. O MPF pediu que a Justiça determinasse o cancelamento judicial de todos os requerimentos de pesquisa ou de lavra minerais incidentes sobre terras indígenas no Amazonas, num total de 1.072 processos.

Em agosto de 2019, o juiz federal substituto Lincoln Viguini acatou o pedido do MPF. Na sua decisão, o magistrado afirmou: “Vislumbro ilegalidade no atual procedimento adotado pelo DNPM [ANM] quando opta por sobrestar requerimentos para pesquisa e lavra de mineração em terra indígena, ante o desrespeito às normas que impõem a decisão dos processos em até trinta dias e a conferência indevida de direitos de preferência”.

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“Filas de preferência” para estudos de mineração em terras indígenas

O MPF argumentou que o ato administrativo que concede o direito de preferência para pesquisa ou lavra mineral em um território indígena “produz consequências jurídicas” para os povos titulares do território sem que esses povos tenham sido ouvidos em consulta prévia.

Além de apontar a ilegalidade das “filas de preferência” da ANM, os procuradores afirmaram que há outras consequências aos povos indígenas decorrentes dessa prática: “Diuturnamente, lideranças e membros das comunidades são cooptados ou constrangidos por mineradoras e empresários do ramo, figuras que geralmente apresentam promessas de ganhos materiais e melhorias para as comunidades, em troca de autorização para entrar nas terras indígenas ou para explorar tais áreas”.

Os procuradores registraram, como prova desse assédio, que o MPF foi procurado, em junho de 2017, por sócios da Mineração da Amazônia, dentre os quais, Otávio Lacombe e Elton Rohnelt, ex-deputado federal e ex-assessor do então presidente da República Michel Temer. Na ocasião, os empresários levaram indígenas de comunidades do rio Içana, no Alto Rio Negro, no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), região que se estima ser uma das mais ricas em potencial minerário no Amazonas.

O objetivo da reunião era apresentar proposta por meio da qual a referida mineradora faria o beneficiamento de tantalita e columbita, minérios raros e de alto valor comercial, que seriam coletados por cata e faiscação pelos indígenas. “Tal arranjo, que possibilitaria regularizar a atividade, na verdade, configura uma forma de burla à inviabilidade legal de exploração de minérios em terras indígenas. Ademais, nenhuma menção à consulta livre, prévia e informada foi feita pelos empresários, que demonstraram conhecer bastante a região, o que denota a ocorrência de inúmeras visitas e incursões potencialmente irregulares nas terras indígenas, medida que somente é viável mediante autorização da comunidade e da Funai”, registraram os procuradores.

Eles ressaltaram na ação que, somente em São Gabriel, município predominantemente tomado por terras indígenas, a Mineração da Amazônia possuia 31 requerimentos de autorização de pesquisa. Havia, ainda, outros 21 requerimentos em nome da mineradora Edgar Rohnelt Mineração, da qual Otavio Lacombe também detém expressivo capital social, e de Nestor José Scalabrin, geólogo responsável técnico pelos requerimentos de pesquisa das referidas mineradoras.

Ainda consta na lista dos processos minerários da ANM, enviada ao blog no dia 21 de fevereiro, o registro de 42 áreas com requerimento de pesquisa para a Mineração da Amazônia, sendo 14 delas na terra indígena Alto Rio Negro, numa extensão de 1,16 mil km². Mais 28 áreas, em território Yanomami, somam 2,15 mil Km². As autorizações são para a pesquisa de diversos minérios, entre eles tântalo, titânio, nióbio, tungstênio e ouro.

Mineradoras com maiores áreas para pesquisa em terras indígenas

Fonte: Agência Nacional de Mineração (ANM)

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