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Mineradoras brasileiras subsidiárias de empresas estrangeiras contam com extensas áreas para pesquisa mineral em terras indígenas ou no seu entorno. Muitas dessas multinacionais não aparecem nos registros do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) que registram as atividades minerais nas terras dos índios. Mineradoras nacionais também usam empresas associadas para ampliar em milhões de hectares a sua área de atuação.

Os requerimentos de pesquisa protolocados no DNPM transformam-se, muitas vezes, num ativo que acaba integrando o patrimônio da empresa. O minerador ganha prioridade para explorar uma área ao apresentar o requerimento. Depois, pode executar o serviço ou vender os “direitos minerários” – como são chamados no mundo da mineração. Resumindo, eles vendem um direito que lhes é transmitido pela União, de graça ou a preços irrisórios.

Até a década de 90, havia uma limitação no número de pedidos: cinco áreas de até 10 mil hectares para cada minério. Isso levava muitas empresas a distribuir os requerimentos entre empresas associadas. Depois, essa limitação foi cancelada, mas passou a ser cobrada uma taxa de aproximadamente R$ 3 por hectare.

Reportagem publicada na Gazeta do Povo no dia 15 desde mês mostra que as mineradoras apresentaram requerimentos de pesquisa e lavra num total de 37 milhões de hectares – o equivalente ao território do Paraguai.

Naranjal

De 1983 a 1985, a Mamoré Mineração apresentou 63 requerimentos de pesquisa para vários minérios nos municípios de Presidente Figueiredo, Rorainópolis e Urucará, no Amazonas e em Roraima, numa extensão total de 578 mil hectares – o equivalente ao território do Distrito Federal – todos coincidentes com área indígena.

A exploração mineral na área começou poucos anos antes. Em 1969, a Paranapanema descobriu a ocorrência de cassiterita – minério de estanho – na Amazônia e criou a Mineração Taboca. Quatro anos mais tarde, a Paranapanema incorporou a Mamoré Mineração e Metalurgia para produzir estanho refinado. A mina da Taboca foi instalada em 1982 na Vila Pitinga, distante 300 quilômetros de Manaus.

Naquele ano, foi criado o município de Presidente Figueiredo, como parte dos projetos de integração do governo militar que incluíam rodovias, hidrelétricas, mineração industrial e programas de colonização.

Mas naquela região estava implantada a reserva waimiri-atroari, criada em 1971 pelo presidente Emílio Médici. O decreto presidencial reduziu o território indígena em cerca de 300 quilômetros no sentido norte-sul. Os índios viviam em conflito com os militares desde 1967, quando começou a construção da rodovia BR-174, que atravessa as suas terras em direção à Venezuela. Entidades como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciaram chacinas de indígenas na região.

Em 1981, o presidente João Figueiredo baixou novo decreto que ampliou o território dos índios no sentido norte-sul, mas excluiu a parte leste da reserva, onde estava sendo instalado o projeto de mineração. Somente em 1989 a área waimiri-atroari foi homologada, já no governo José Sarney. O histórico da região está registrado em dissertação de pós-graduação de Thiago Schwade para a Universidade Federal do Amazonas.

Em 2008, quando produzia 10 mil toneladas anual de estanho – 3% do consumo mundial –, a Taboca foi vendida para a mineradora peruana Minsur, do grupo Brecia, por R$ 850 milhões. Junto, foram os seus direitos minerários. A Minsur afirma que a sua principal mina, San Rafael, produz 10% do estanho no mundo.

Para comprar a empresa brasileira, os peruanos criaram a Serra da Madeira Participações. Para fazer a exploração mineral, criaram a Minera Latinoamericana (Minlat). Os quotistas da Serra da Medeira são a Minlat (50%) e a Inversiones Naranjal (50%). Todos esses nomes não constam dos cadastros de pesquisa em terras indígenas.

Procurada pela reportagem, a Mineração Taboca enviou a seguinte nota: “A Mineração Taboca S. A. esclarece que não realiza nenhuma atividade minerária dentro de terras indígenas. Sua operação está restrita às áreas concedidas pela União Federal, sendo exercida em estrita observância à legislação mineral e em absoluto respeito às comunidades do entorno”.

Potássio

A Falcon Metais apresentou requerimentos no DNPM em 2008 para pesquisar sais de potássio em 55 áreas em 12 municípios próximos a Manaus, numa área total de 557 mil hectares. Na época, era controlada pela canadense Amazon Potasch Corp. Depois, cedeu seus direitos minerários à empresa Potássio do Brasil, recém-criada. Com a chegada de novos sócios, foram captados recursos e investidos mais de US$ 160 milhões em pesquisa.

Hoje, a Potássio do Brasil é uma empresa brasileira com capital multinacional – a maioria estrangeira, pouco mais de 60%. Entre os investidores externos estão a empresa CD e a canadense Forbes & Manhattan, um banco de investimentos em mineração. Algumas áreas deram positivo. Há uma reserva comprovada de 450 milhões de toneladas de cloreto de potássio – utilizado na produção de fertilizantes. Isso supriria 20% da demanda brasileira por 30 anos. Como está a uma profundidade de 800 metros, o mineral será explorado em mina subterrânea. O grupo vai investir R$ 2,4 bilhões na construção do projeto.

Antes, porém, a Potássio do Brasil terá que se acertar com os índios. A pedido do Ministério Público, no final de março deste ano, a Justiça Federal suspendeu por seis meses as atividades da empresa em Autazes, distante 110 quilômetros de Manaus. Nesse prazo, comunidades indígenas e populações ribeirinhas participarão de consulta livre sobre a pesquisa e lavra de minérios na região, o que ainda não havia sido feito, além da construção de uma rodovia e um porto. A mineradora assinou o acordo.

O diretor-geral da Potássio do Brasil, Guilherme Jacome, disse à Gazeta do Povo que a Funai não apontou “a necessidade de fazer as oitivas”. “Nós faríamos na próxima fase. Só que o MP entendeu que a licença prévia não poderia ter sido feita sem a oitiva. Então, concordamos com a suspensão temporária da licença e estamos buscando junto à Funai a organização dessas oitivas”. Mas ele afirma que os sais de potássio não estão em áreas indígenas. “Existe nas proximidades de áreas indígenas. Nesses casos, são necessários estudos sociais e ambientais complementares ao licenciamento”.

Anglo American

A Anglo American Níquel Brasil requisitou 100 mil hectares para pesquisa de níquel no Pará em 1995. Um volume pequeno considerando o porte da empresa, com ativo de R$ 8 bilhões no ano passado. Ela é controlada pela Ambras Holding SARL, de Luxemburgo (99,99%), e pela Anglo American International Holdings Limited, da Inglaterra.

Mas a Anglo American Níquel tem duas subsidiárias, a Mineração Itamaracá e a Mineração Tanagra. Juntas, as duas fizeram requerimentos para pesquisa de ouro numa área total de 2,34 milhões de hectares – um pouco mais do que o território de Sergipe – no Pará, Rondônia, Roraima e Amapá.

Questionada pela reportagem sobre as atividades das suas subsidiárias, a Anglo American respondeu que as empresas Tanagra e Itamaracá concentram suas atividades exclusivamente na pesquisa mineral. Sobre os requerimentos apresentados diretamente, informou que desistiu de oito projetos. Outros dois foram cancelados.

Algumas mineradoras estrangeiras são visíveis no cadastro do DNPM, embora também utilizem subsidiárias brasileiras. A brasileira Anglogold Ashanti Mineração, controlada pela sulafricana Anglogold Ashanti, a terceira maior produtora de ouro do mundo, apresentou três requerimentos de pesquisa de ouro em São Félix do Xingu, Ourilândia e Tucumã, no Pará.

A Mirabela Mineração do Brasil apresentou dois requerimentos para pesquisa de ouro em Itaju do Colônia (BA), numa área de 3,5 mil hectares, em 2011. Controlada pela australiana Mirabela Nickel Limited, a empresa já conta com uma mina de níquel na Bahia.

Brasileiras

A empresa que apresentou requerimentos para pesquisa em maior volume, quase a totalidade para ouro, é a Mineração Silvana. Os requerimentos, feitos de 1994 a 1996, somam 6,55 milhões de hectares, nos estados do Pará, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mas não é só isso. A Silvana é controlada (99,999%) pela Mineração Santa Elina, ligada à exploração de ouro, cobre e manganês.

Pois a Santa Elina requisitou mais 372 mil hectares para pesquisa com outros minerais principalmente em Rondônia. A Rio Grande Mineração, que tem 97% das suas cotas nas mãos da Santa Elina, solicitou mais 379 mil hectares para pesquisa com ouro em Roraima. Outras duas mineradoras controladas pela Santa Elina, a Acará e a Tarauacá, fizeram requerimentos de pesquisa para mais 122 mil e 22 mil quilômetros, respectivamente, em Rondônia. No total, o grupo assegurou no cartório do DNPM prioridade para 7,45 milhões de hectares – uma área maior do que o estado da Paraíba.

Mercado de títulos

Questionado sobre a ação de grandes empresas que usam subsidiárias para ampliar a área de pesquisa, o diretor de Assuntos Minerários do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Marcelo Ribeiro Tunes, explica por que isso acorre: “A redação original do Código de Mineração, decreto 227/67, criou uma limitação para requerimentos de pesquisa de até cinco áreas de mesma substância mineral. Isso trouxe uma limitação porque temos uma variedade grande de bens minerais. Segundo, porque temos a necessidade de ter mais áreas para essa fase, que é muito inicial. A saída que as empresas encontraram para essa limitação foi exatamente a criação de subsidiárias. E cada subsidiária dessas poderia, então, requerer mais cinco, mais cinco, mais cinco”.

Ele acrescenta, porém, que a regra foi modificada posteriormente: “Isso foi afastado na reforma do Código que se fez na década de 90, quando se acabou com essa limitação. Mas criou-se a cobrança de uma taxa anual por hectares para as áreas onde houvesse sido outorgada a autorização de pesquisa. Os requerimentos que se tornam autorização de pesquisa pagam uma taxa anual”.

Sócio-fundador do Instituto Sócioambiental (ISA), Márcio Santilli, critica o procedimento: “O bem mineral alegado não tem nada a ver com a realidade. O cara sabe que não é aquilo que tem lá. Ele pede para aquilo, depois descobre que tem outra coisa, e tchau! É isso mesmo, como há uma limitação ao número de requerimentos que podem ser apresentados por uma empresa, elas se multiplicam. E fica difícil de monitorar esse mercado. Nós estamos falando de um mercado de títulos. Não é um mercado de minérios”.

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