Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Crimes ambientais

“Pra inglês ver”: multas do Ibama somam R$ 33 bilhões. Mas ninguém paga

Flagrante de autuação por desmatamento na Amazônia
Flagrante de autuação por desmatamento no Pará, em 2011, na Amazônia Legal: maior devedor do governo por multa do Ibama é o Incra. (Foto: Lunae Parracho/Arquivo AFP)

Em 16 anos e meio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) aplicou 156 mil multas, no valor total de R$ 32,7 bilhões, por desmatamento, compra de madeira ilegal e outras formas de agressão ao meio ambiente. Mas a agilidade da fiscalização não foi seguida na tarefa de cobrar essa dívida. Apenas 1,5% do valor aplicado foi pago e entrou nos cofres da União. Por ironia, o maior devedor é o próprio governo, por intermédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O Incra levou 21 multas, num total de R$ 407 milhões – seis delas no valor de R$ 50 milhões cada –, de 2006 a 2009, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, por desmatamento de áreas de preservação em assentamentos da reforma agrária em municípios do Mato Grosso. Foi desrespeitada ordem para que essas áreas fossem mantidas desocupadas, para permitir a regeneração da floresta. Até agora, nada foi pago. É o calote do governo no governo.

Entre as empresas rurais, o maior volume de multas é da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, no Pará, com um total de 320 milhões, geradas por desmatamento e impedimento de regeneração da mata de 2008 a 2017. Mas a empresa afirma que “nunca abriu novas áreas, ou, em outras palavras, nunca desmatou”. A AgroSB sustenta que “as fazendas adquiridas foram abertas ou desmatadas pelo antigos proprietários. Assim, as multas lavradas pelo Ibama não encontram respaldo legal. São nulas”. Até agora, nenhuma das 30 autuações foi paga.

O levantamento das multas de 2003 a 2019 foi feito pelo blog a partir de dados oficiais do Ibama, incluindo autor da infração, data, município, enquadramento legal e situação atual do processo.

Desmate, incêndios, trabalho escravo

Na categoria pessoa física, o campeão é Antônio Junqueira Vilela Filho, o AJ Vilela –, com um total de R$ 280 milhões por conta de 21 multas de aplicadas de 2012 a 2016. Ele vem apresentando recursos desde então e não quitou nada. Em 2016, AJ Vilela foi denunciado pelo Ministério Público Federal no Pará pelo desmate de 330 quilômetros quadrados de florestas em Altamira (PA), num esquema que movimentou R$ 1,9 bilhão.

A partir de investigações da operação Rios Voadores, da Polícia Federal, AJ Vilela foi indiciado por crimes de invasão e desmate ilegal de terras públicas, provocação de incêndios, impedimento da regeneração de florestas, corrupção ativa e passiva, formação de organização criminosa e lavagem de dinheiro, além de submissão de trabalhadores a condições semelhantes às de escravos.

Segundo a denúncia do MPF, AJ Vilela e mais sete acusados mantiveram 11 trabalhadores “sob condições degradantes de trabalho, restringindo suas liberdades de locomoção e submetendo-os a condições degradantes e jornadas exaustivas de trabalho”.

A Justiça Federal ordenou o bloqueio de R$ 420 milhões de AJ Vilela e de mais 12 envolvidos no esquema que ele controlava. Os acusados estão sujeitos a penas de até 238 anos de prisão e pagamento de R$ 503 milhões em prejuízos ambientais, recuperação da área ilegalmente desmatada, demolição de edificações construídas em áreas irregulares.

Os campeões em multas individuais

A maior multa, no valor de R$ 170 milhões, foi aplicada à Agropecuária Vitória Régia, em Anapu (PA), em 2009. O proprietário, Laudelino Fernandes Neto, responde a processo na Justiça Federal por falsidade ideológica, destruição ambiental, recepção de produto florestal sem licença e crimes contra a ordem econômica. O Ibama notificou a empresa e aguarda pagamento.

A segunda maior multa foi para a Siderúrgica Norte Brasil (Sinobras), no valor de R$ 154 milhões, em 2005. A empresa foi acusada de adquirir madeira ilegal para fins industriais. A defesa da empresa é baseada “em irregularidades na autuação”. A empresa afirma que a discussão na esfera administrativa foi praticamente encerrada, “salvo por ausência de manifestação específica do Ibama. O caso foi amplamente judicializado”. No momento, está sendo analisado recurso no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Cinco municípios concentram 20% do valor

A totalização dos dados do Ibama aponta para uma concentração das multas na Amazônia Legal, que ganhou as manchetes do mundo nas últimas semanas por causa da ocorrência de queimadas e desmatamentos. São R$ 29 milhões em multas, ou 89% do total. As infrações aplicadas no Pará somam R$ 12,3 bilhões – 38% do total do país. Apenas cinco municípios desse estado – Altamira, Novo Progresso, Marabá, São Félix do Xingu e Cumaru do Norte – concentram 20% das multas do país, num valor total de R$ 6,2 bilhões. Só em Altamira foram aplicadas infrações no valor de 1,9 bilhão.

O quadro da situação atual das multas mostra que a cobrança não avança por causa das excessivas possibilidades de recursos, da judicialização dos processos e por falhas do Ibama. Anistias eventuais também estimulam o não pagamento. Cerca de 13 mil multas, no valor de R$ 8,1 bilhões, estão em alguma das fases de recurso nos processos, que podem chegar ao ministro do Meio Ambiente e ao Conama. Outros 29,5 mil processos, no valor de R$ 4,3 bilhões, estão judicializados.

Há processos mais avançados. Em 4,8 mil casos, no valor de R$ 4,8 bilhões, o autor foi notificado para as alegações finais. Em outros 14 mil processos, envolvendo R$ 3 bilhões, o Ibama notificou o autor e aguarda pagamento.

Situação atual das multas

Casos perdidos

Mas há também os casos perdidos, ou praticamente perdidos. Um total de 9 mil processos, valendo R$ 1,3 bilhão, foram enviados ou já estão inscritos na Dívida Ativa da União, onde o percentual de recuperação é pequeno. Mais 7,3 mil processos, somando meio bilhão de reais, foram cancelados. Outros 1,1 mil, no valor de R$ 528 milhões, foram baixados (arquivados) porque a defesa foi deferida.

O número de processos quitados é elevado – 37 mil –, mas os valores somam apenas R$ 323 milhões, numa média de R$ 8,6 mil. Isso representa apenas 1% do valor total. Mas há outras formas de recuperação do dinheiro, como diversos tipos de parcelamento, que somam R$ 80 milhões; ou processos de recuperação ambiental que correspondem a multas no valor de R$ 30 milhões. Considerando esses casos, o percentual de recuperação fica próximo de 1,5%.

Há algumas situações que demonstram a falta de efetividade nas cobranças. Houve o cancelamento de 585 processos por “falecimento antes da constituição do crédito”, no valor de 146 milhões. Mais 455 processos foram excluídos por “duplicidade de lançamento”. Outros 302 casos, no valor de 26 milhões, foram arquivados por “prescrição executória durante análise jurídica”.

Multas por estado

Empresa afirma: áreas eram “consolidadas”

A AgroSB afirma que as áreas citadas pelo Ibama foram abertas ou desmatadas pelos antigos proprietários antes de 22 de julho de 2008, quando foi estabelecida nova norma pelo Código Florestal. “Por essa razão, áreas desmatadas antes do novo marco são consideradas consolidadas, sendo permitida a atividade rural”, informa.

A empresa afirma que também vem trabalhando para acelerar eventuais processos de regularização ambiental. Por essa razão, aderiu ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). “Assim que terminar a tramitação do nosso programa, todas as multas deverão ser convertidas em ações de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”.

A AgroSB responsabiliza o Ibama pelo atraso nos processos. “Os processos administrativos ainda não foram julgados por causa da negligência e da burocracia do Ibama, o que acarreta sérios prejuízos a Agro SB, uma vez que nossas propriedades estão ambientalmente regulares. A AgroSB, inclusive, já recorreu ao Poder Judiciário para questionar alguns autos de infração e pretende fazê-lo toda vez que houver omissão do Ibama”.

A empresa afirma ter “como norte a sustentabilidade de seus empreendimentos. Possui cinco conjuntos de imóveis localizados em São Félix do Xingu, Cumaru do Norte, Santana do Araguaia, Xinguara e Marabá. Opera com pecuária de ciclo fechado (não compra animais de terceiros), e é capaz de exibir rastreabilidade de seus rebanhos, por respeitar os critérios mais rigorosos de sustentabilidade e bem-estar animal”.

Acrescenta que desenvolve o projeto Reflorestamento Produtivo da Amazônia em uma área experimental, com plantações de banana, cacau e teca (árvore usada em marcenaria), e investe na agricultura sustentável. “Entre 2005 e 2008, a AgroSB tornou-se grande empregadora de mão de obra do Pará, com 900 empregos diretos e 10 mil indiretos. “Todos os empregados são registrados, recebem treinamento, alojamento e refeições de qualidade”, concluiu.

Sinobras questiona multas na Justiça

A Siderúrgica Sinobras foi questionada sobre o motivo da demora do julgamento do seu processo no Ibama. E respondeu: “As irregularidades na autuação que vêm sendo questionadas judicialmente justificam o fato deste assunto ainda não ter sido concluído, pois está pendente de decisão definitiva”.

A empresa afirma que a primeira siderúrgica integrada das regiões Norte e Nordeste, “sendo pioneira no processo de verticalização do minério de ferro no Pará, conduzindo o estado ao patamar de fornecedor de produtos acabados. A sua capacidade de produção é de 380 mil toneladas/ano e seu faturamento em 2018 foi de R$ 1,1bilhão. Atualmente emprega 1,3 mil colaboradores diretos e gera 16,7 mil empregos indiretos”.

Incra aposta em conciliação

O Incra confirma que as multas não foram pagas e diz que estão suspensas em razão de instauração de procedimento conciliatório no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal, onde há tratativas entre o Incra e o Ibama para solucionar a questão.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.