Em ritmo de pré-campanha eleitoral, a Câmara dos Deputados passou a adotar a “escapadinha de quinta-feira” quase como regra em 2018. Funciona assim: a lista de presença é aberta às 6 horas da manhã nas sessões deliberativas das quintas-feiras, quando elas acontecem. Assim, os deputados podem se registrar no painel e correr para o aeroporto a fim de embarcar em voos para seus estados de origem. A prática é antiga, mas ganha corpo em ano de eleições. Neste ano, os deputados têm trabalhado apenas dois dias por semana em Brasília.
Nem mesmo no auge da greve dos caminhoneiros, na quinta-feira do dia 24 de maio, a Câmara conseguiu segurar os deputados em Brasília. Na votação do projeto sobre reoneração da folha de pagamento, um dia antes, o deputado Sílvio Costa (Avante-PE) debochou da situação: “Michel Temer conseguiu um feito que nem a Polícia Federal conseguiu: prender, de uma vez só, 513 deputados aqui em Brasília. Amanhã não haverá combustível, não haverá voo para os estados”.
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Ainda assim, não houve sessão deliberativa no dia seguinte. Em vez disso, enquanto os caminhoneiros obstruíam as estradas, foi realizada no plenário da Câmara, pela manhã, com apenas uma hora de duração, uma sessão solene pelos 163 anos do Congregacionalismo Pátrio.
Baixa produtividade
O resultado da “escapadinha de quinta” é a baixa produtividade do plenário. Situação agravada pela redução da base de apoio ao governo Michel Temer, que dificulta a articulação política, e pela obstrução promovida por partidos de esquerda, que atrapalha as poucas votações que ocorrem. A obstrução foi deflagrada a partir de abril, em protesto contra a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após a condenação dele em segunda instância pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O progressivo esvaziamento do plenário da Câmara tem trancado pautas consideradas prioritárias para o governo Temer, como a votação dos destaques do cadastro positivo e a privatização da Eletrobras. O governo tem pressa para votar essas matérias porque sabe que a Copa do Mundo e o recesso parlamentar de julho vão reduzir ainda mais o quórum. Em agosto e setembro, haverá o chamado “recesso branco”, quando os deputados estarão nas suas bases buscando votos. Depois das eleições, na prática, Temer dividirá o poder com o novo presidente eleito, reduzindo ainda mais as chances de votar alguma coisa.
Sessões de faz de conta
Como as sessões das quintas pela manhã são deliberativas, os deputados precisam marcar presença para não sofrer desconto no salário. Mas, na realidade, não há deliberações nessas sessões, porque não haveria quórum no caso de ocorrer alguma votação. A deputada Érika Kokay (PT-DF) conta como funciona: “Nas quintas, qualquer um que pedir verificação de quórum derruba a sessão. Então, como o PT está em obstrução por causa da prisão de Lula, as sessões de quintas não têm acontecido porque não tem acordo”.
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Levantamento feito pelo blog mostra que, neste ano, foram realizadas apenas sete sessões às quintas-feiras, cinco delas iniciadas às 6h, uma às 7h e outra às 7h30. O painel abre para permitir o registro da presença, mas as sessões são iniciadas somente a partir das 9h, quando muitos dos deputados já estão voando para casa. Essas sessões tiveram quórum médio de 393 deputados, mas não houve votações. Em maio, por exemplo, não foi realizada nenhuma das sessões deliberativas das quintas.
A abertura do painel às 6h teria sido decidida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, em acordo com os líderes partidários, segundo relato de alguns deputados. Os partidos teriam se comprometido a concluir a pauta da semana até a quarta-feira à noite, mesmo avançando pela madrugada. Com isso, ficariam livres para viajar aos estados na quinta. Questionado pela reportagem sobre a decisão, Maia não se manifestou.
“A solidão da faixa usurpada”
Érika afirma que a maior causa do esvaziamento do plenário é política: “O problema maior é uma pauta que é contra a população. A base do governo, que é maioria na Câmara, quanto mais se aproxima da eleição, se sente incomodada de estar defendendo as proposições que vêm do Executivo e que colidem com os interesses da população. Essa base, construída de forma muito fisiológica, agora começa a impor à Presidência a solidão da faixa presidencial”.
A deputada petista acrescenta que “o problema maior do Parlamento é a sua subalternização a um governo ilegítimo. O governo, em verdade, cala o Parlamento. Deixa o Parlamento funcionar de acordo com os seus objetivos, fere a sua autonomia. A tendência, quando começar o processo eleitoral, é ficar mais esvaziada ainda. A câmara está esvaziada mesmo às terça e quartas”.
“Isso é ruim. O Brasil não para”
Vice-líder do governo, o deputado Dercísio Perondi (MDB-RS) reconhece que é negativo esse esvaziamento: “Isso é ruim. O Brasil não para, o Brasil está funcionando. Por que nós temos que diminuir o ritmo? Em época de eleição, nós temos é que trabalhar mais. O país está trabalhando, está avançando, está aumentando a riqueza. Estão todos trabalhando, por que nós parlamentares vamos parar de votar? Vamos quebrar esse vício. O governo Michel tem mais sete meses”.
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Mas logo faz um afago aos aliados, talvez lembrando dos seus votos. “Normalmente acontece isso. Então, o Congresso diminuiu, mas não muito. Estamos trabalhando. Se comparar com outros anos eleitorais, a produtividade está maior”.
Perondi destaca os pontos mais importantes da pauta: “Tem o cadastro positivo, que reduz o juro na ponta para o cidadão, no balcão do banco. Só faltam os destaques. Tem a reoneração da folha – aquelas desonerações fantásticas que a dona Dilma deu para o empresariado e não resultou em emprego. Tem uma medida provisória que reavalia isso”.
O deputado diz que o governo espera votar “a reforma do sistema elétrico, que já passou na comissão mista (a MP 814). A desestatização da Eletrobras, ou melhor, para reestruturá-la e ajudar a baixar o preço da luz. É consertar o estrago que a Dilma fez com a MP 579 quatro anos atrás, um estrago enorme. Na primeira semana de junho deveremos votar já na Câmara”.
Ele acrescenta outras pautas: “Tem reformas microeconômicas possíveis de votar até o recesso da eleição, apesar dessas dificuldades pré-eleitorais. O Brasil não para. O Congresso tem que acompanhar”.
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