Levantamento da Gazeta do Povo em 20 órgãos públicos federais aponta a existência de quase 3 mil filhas solteiras com mais de 80 anos que recebem pensão da União. No grupo das “solteironas da 3ª idade”, há 109 com mais de 90 anos, sendo 16 centenárias – uma delas com incríveis 112 anos. Quase a metade das pensionistas – filhas de servidores – tem mais de 60 anos (veja infográfico no final desse texto). Considerando as beneficiárias do Exército, as filhas com mais de 80 anos podem chegar a 9 mil. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou indícios de que 1,5 mil filhas solteiras são, na verdade, casadas ou separadas.
O Exército informou que tem 66.939 filhas pensionistas, sendo 6.621 com mais de 80 anos. Mas afirmou que “não tem condições de distinguir” as pensionistas filhas solteiras porque não possui esse registro no cadastro de pagamento de pessoal e porque “o estado civil da pensionista não interfere na execução do pagamento”. O Exército admitiu, então, que “filhas maiores de 21 anos casadas, separadas ou em união estável podem estar recebendo pensão militar”, amparadas pela Lei 3.765 de 1960, que dispõe sobre as pensões militares.
Já a Marinha e a Aeronáutica, que cumprem a mesma lei, informaram o número exato de filhas solteiras pensionistas com as respectivas faixas etárias. Na Marinha, são 11,9 mil, sendo 333 com mais de 80 anos. A Aeronáutica conta com 9 mil dessas pensionistas, sendo 137 com idade acima de 80 anos. Incluindo as Forças Armadas, são 130 mil filhas pensionistas no serviço público federal.
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Todos os dados da reportagem foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Os pedidos foram enviados a todos os ministérios e dezenas de autarquias, estatais e órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário. A maioria dos órgãos procurados não respondeu alegando questões de privacidade ou falta de pessoal para fazer o levantamento. Outros afirmaram apenas que não dispunham dos dados solicitados. Em alguns casos, foi preciso ir até o segundo grau de recurso para a informação ser liberada. Todo o processo de apuração durou dois meses.
Câmara tem o maior valor médio
Entre as pastas civis, o maior número está no Ministério dos Transportes – 20,7 mil pensionistas, sendo 1.367 com mais de 80 anos. Considerando o valor da pensão, a maior média está na Câmara dos Deputados – R$ 18,3 mil por pensionista. Das suas 178 filhas solteiras pensionistas, 20 recebem entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. Outras 41 recebem entre R$ 30 mil e o teto constitucional (R$ 33,7 mil). No Superior Tribunal de Justiça, a média do benefício é de R$ 8,3 mil.
O Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC) também tem filhas solteiras. A média geral, entre dependentes de deputados e servidores, fica em R$ 5,3 mil. Considerando apenas as filhas de parlamentares, a média sobe para R$ 7,6 mil. Seis delas recebem o valor máximo possível – R$ 16,8 mil –, correspondente à metade do salário dos deputados.
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A filha de um deputado morto em 1970 recebe a pensão no valor máximo há 47 anos. Hoje com 65 anos, ela já recebeu o equivalente a R$ 10 milhões, considerando o valor atual da pensão. O deputado não chegou a cumprir um mandato, mas a pensão por morte tem o valor máximo. Uma pensionista de deputado tem hoje 91 anos. O IPC é considerado como um instituto privado, mas é mantido com recursos da União – leia-se do contribuinte –, desde a sua extinção, em 1999.
As filhas solteiras centenárias
O maior número de filhas solteiras anciãs está entre as dependentes de servidores estatutários, pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). De um total de 837 pensionistas, 204 têm mais de 80 anos – sendo 16 centenárias. A mais idosa, com 112 anos, recebe pensão de R$ 937. Mas há uma pensionista de 111 anos com renda de R$ 2,4 mil.
A média das pensões por morte estatutária, para dependentes de servidores públicos ou autárquicos, fica em R$ 1,2 mil. Mas há alguns casos com valores elevados. Uma filha solteira de 74 anos recebe R$ 15,7 mil. Outra de 91 anos tem renda de R$ 16,5 mil. Uma pensionista de 97 anos recebe R$ 32,7 mil.
O INSS informou que, pela informação constante nos sistemas informatizados utilizados pelo órgão, “não é possível identificar o órgão de vinculação de instituidor (segurado falecido) da pensão. Essa identificação pressupõe análise manual de cada um dos processos físicos relacionados a cada pensão, o que imporia extenso trabalho adicional ao órgão”.
TCU identificou filhas “solteiras” casadas
Auditoria aprovada pelo plenário do TCU no final de 2016 resultou na interrupção de 7.730 pensões de filhas solteiras maiores com indícios de irregularidades, no montante de R$ 42,7 milhões por mês, ou R$ 555 milhões por ano. Entre os três tipos de ilegalidades apontados estavam o caso de 1.485 filhas solteiras maiores que também recebiam pensão como cônjuge ou separada de servidor público.
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“Esse fato pode descaracterizar tanto o estado civil como solteira quanto a dependência econômica em relação aos genitores. Primeiramente, a jurisprudência do TCU entende que o casamento extingue irreversivelmente a possibilidade de percepção da pensão à filha maior solteira”, diz a decisão do tribunal.
O TCU esclareceu que, embora a Lei 3.373/58 – que criou a pensão para filhas solteiras – não cite expressamente a união estável como condição para a perda da pensão pela filha maior de 21 anos, a equiparação ao casamento feita pela Constituição federal de 1988 “autoriza o entendimento de que a constituição de união estável altera o estado civil da beneficiária, fazendo com que ela perca o direito ao benefício”.
Filhas solteiras com emprego público, outras mortas
O tribunal também apurou 1.559 casos de filhas maiores solteiras que possuíam renda própria vinda de emprego público e 7.954 situações de pensionistas que tinham renda de emprego na iniciativa privada, de atividade empresarial ou de benefício do INSS. Para o TCU, essas condições descaracterizam a “dependência econômica em relação ao instituidor”.
A soma dessas três irregularidades é maior do que o número total (7.730) porque muitas das pensionistas estavam enquadradas em mais de um caso. Outras 14 filhas solteiras maiores estavam, na verdade, mortas.
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As irregularidades foram obtidas a partir do cruzamento dos dados das folhas de pagamento das pensionistas com a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), o cadastro de beneficiários do INSS e o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
Filhas recuperam pensão na Justiça
As informações foram remetidas pelo TCU aos órgãos federais envolvidos para que as interessadas apresentassem a sua defesa. Comprovada a irregularidade das pensões, esses órgãos deveriam cancelar os pagamentos.
Após o cancelamento, muitas pensionistas conseguiram na Justiça a retomada do benefício. Nesses casos, a Justiça considerou que apenas um emprego público pode eliminar a pensão das filhas solteiras, como diz a Lei 3.373/58.
Só na Câmara dos Deputados e no Senado, 56 das 95 pensionistas que haviam perdido o benefício recuperaram o direito via judicial. Das 57 pensões canceladas na Câmara, nove foram decorrentes de união estável. Uma delas foi restabelecida judicialmente.
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