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Lúcio Vaz

Lúcio Vaz

O blog que fiscaliza o gasto público e vigia o poder em Brasília

Pensões acumuladas batem no teto constitucional. Tem até viúva de ex-presidente

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Seis mil dependentes de servidores civis da União recebem pelo menos duas pensões. Setenta e seis deles receberam em dezembro quantia acima do teto constitucional, em parte pelo pagamento de remunerações eventuais. Uma das pensionistas é a viúva do ex-presidente João Goulart, Maria Thereza Goulart, que recebe R$ 9,4 mil como viúva de anistiado político mais a pensão “graciosa”, concedida a viúvas de ex-presidentes, no valor de R$ 33,7 mil. Não houve abate-teto sobre o total de R$ 43,2 mil.

O Ministério da Economia divulgou no início do mês a remuneração de aposentados e pensionistas dependentes de servidores civis do governo federal, em atendimento a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), tomada a partir de denúncia feita pela agência de dados Fiquem Sabendo. Os dados não incluem informações sobre os pensionistas dos militares nem do Banco Central, o que contraria a decisão do tribunal. O blog fez um cruzamento dos dados divulgados e apurou casos de acúmulo de vencimentos, incluindo 11 pensões triplas.

O Ministério da Economia chegou a aplicar o abate-teto sobre os vencimentos de Maria Thereza, em 2012, porque a lei que alterou as pensões das viúvas de ex-presidentes, em 1992, veda a acumulação do benefício com outros recebidos dos cofres públicos. Mas a integralidade das pensões foi assegurada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2013. O tribunal considerou que, na condição de viúva de um anistiado político, ela recebe uma “reparação econômica mensal”, portanto uma verba indenizatória, não sujeita a abate-teto.

Na mesma sessão que anistiou João Goulart, em novembro de 2008, Maria Thereza também foi declarada anistiada política, sendo-lhe concedida uma reparação econômica, em prestação única, no valor de 480 salários mínimos. Seriam hoje cerca de R$ 500 mil.

A pensão como viúva de ex-presidente, instituída pela Lei 1.593/1952, é paga desde 1976, quando ela tinha 36 anos. É classificada hoje como pensão “graciosa”. Considerando o valor atual, em 43 anos, Maria Thereza já deve ter recebido cerca de R$ 17 milhões em valores atualizados.

Maria Thereza tornou-se primeira-dama aos 21 anos. Foi considerada no início dos anos 60 com uma das 10 primeiras-damas mais belas do mundo, tendo sido seguidamente capa das revistas Manchete e Cruzeiro, além da francesa Paris Match. Casou-se com Jango aos 15 anos, em 1955, quando ele disputava o cargo de vice-presidente da República, exercido a partir de 1956. Foi uma segunda-dama adolescente.

Justiça devolve abate-teto

Em vários casos de duplicidade de pensões, com valores totais acima do teto constitucional, o blog apurou que o governo federal chega a aplicar o abate-teto, mas a Justiça devolve o valor abatido. A pensionista Maria Inês Campolina Barbosa, filha maior inválida, é um caso de pensão tripla. Ela recebeu três pensões em dezembro, duas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nos valores de R$ 59,2 mil e R$ 22,4 mil, mais uma terceira, no valor de R$ 10,5 mil, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

As três resultam de benefício deixado por Mário Souza Couto Barbosa. Questionada se houve aplicação de abate-teto sobre a soma dos valores ou sobre o pagamento de R$ 59,2 mil, a UFMG respondeu que a pensionista “conta com decisão judicial favorável que impede o abate-teto sobre as pensões recebidas. O valor é abatido pelo SIAPE [Sistema Integrado de Administração de Pessoal] e imediatamente ressarcido pelo mesmo sistema”.

Maria Vital da Rocha recebeu duas pensões em dezembro, no valor de R$ 85,5 mil, como companheira de Agerson Tabosa Pinto, professor que mantinha dois vínculos com a Universidade Federal do Ceará. A UFC informou que ela recebe mensalmente esse valor. Segundo o Ministério da Fazenda, são duas pensões nos valores de R$ 49,9 mil e R$ 35,3 mil. A universidade acrescentou que “houve a incidência do abate-teto em cada pensão auferida, individualmente; contudo, houve uma decisão judicial em favor da pensionista restituindo o valor descontado”.

Segundo a lista divulgada pelo Ministério da Economia, Mônica Bruckmann Maynetto recebeu duas pensões que somam R$ 68,7 mil. Seriam R$ 39,4 mil pagos pela Universidade de Brasília (UnB) e R$ 29,3 mil pagos pela Universidade Federal Fluminense (UFF). A UnB afirmou ao blog que Mônica recebe como servidora e como pensionista de dois órgãos.

“Referente ao mês de dezembro de 2019, foi verificado que aos valores recebidos houve incidência de abate-teto, contudo houve devolução do referido valor por meio de decisão judicial”, diz nota da universidade. Como pensionista da UnB, a base de cálculo foi de R$ 28,3 mil, sendo aplicado R$ 10,3 mil como abate-teto. Não conseguimos contato com a UFF.

Pensões com abate-teto

Na lista de pensionistas divulgada pela Economia, Lúcia Pereira Braga recebeu dois pagamentos em dezembro, no valor de R$ 95,7 mil, como cônjuge pensionista de José Ângelo Rizzo, professor aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG) morto em novembro de 2018. A UFG afirmou ao blog que Lúcia Pereira Braga recebe duas pensões, relativas aos dois cargos do marido, professor aposentado (professor titular e professor adjunto).

Mas a UFG informou que “o valor elevado” se deve a valores retroativos e a gratificações natalinas (13º). Acrescentou que, em dezembro de 2018, os valores das pensões eram de R$ 10,3 mil e R$ 25,1 mil. O teto, naquela época, era de R$ 33,7 mil. O abate-teto, portanto, foi de R$ 1,7 mil, ou seja, a diferença entre os R$ 35,4 mil das pensões e o teto.

Na Polícia Federal há um caso curioso. A pensionista Meire Brandão recebe R$ 29,6 mil como viúva de Milton Brandão desde 1981, mas também recebe R$ 25,5 mil como companheira de Eliar Kudsi desde 2008. Na soma, são R$ 55 mil.

As pensionistas da Economia

O próprio Ministério da Economia faz pagamentos a 22,8 mil pensionistas, com valor médio de R$ R$ 13,2 mil, o que resulta numa despesa mensal de R$ 300 milhões. Cerca de R$ 207 milhões são pagos a viúvos, ex-companheiros, cônjuges divorciados ou separados. Mais R$ 72 milhões são destinados a filhas maiores solteiras, viúvas, casadas, separadas.

O blog encontrou 23 casos de pensionistas da Economia que recebem duas pensões com valores somados acima do teto constitucional. Patrícia Manoel Nogueira, por exemplo, recebe duas pensões no valor de R$ 27,2 mil cada uma, como filha maior inválida, de dois instituidores diferentes. Luciana Campos Gaia recebe pensões nos valores de R$ 27,1 mil e R$ 26,5 mil, como filha maior solteira, de dois instituidores.

A Economia recebeu a relação de todos os casos em que os pagamentos superam o teto, segundo informação do próprio ministério. O ministério respondeu que “todos os pensionistas que recebem acima do teto do funcionalismo público sofrem o abate-teto. Aqueles que recebem mais de uma pensão, aplica-se o abate-teto em cima da soma das pensões, considerando os valores proporcionais a cada uma, sempre respeitando o teto”.

O Ministério da Economia registra outro caso curioso. Maria Albuquerque de Carvalho recebe duas pensões, uma no valor de R$ 15,3 mil, concedida em 1928, como filha solteira de Manoel Albuquerque; e outra no valor de R$ 26,4 mil, concedida em 1980, como viúva de Newton Nunes de Carvalho. A pensão de filha solteira foi concedida pelo Montepio Civil.

Em relação ao pagamento de pensões a filhas solteiras dependentes de servidores civis, o Ministério da Economia respondeu que a Lei n° 3.373/58 estabeleceu que a filha solteira, maior de 21 anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente. Acrescentou que, de acordo com a Orientação Normativa 13/2013, do extinto Ministério do Planejamento, equipara-se à filha maior solteira a filha separada judicialmente ou divorciada até a data do óbito do instituidor.

Por fim, informou que perde a pensão a filha maior solteira que ocupar cargo público permanente ou obtiver o estado civil de casada ou viúva ou estabelecer união estável.

Pensões de militares de fora

Logo após a divulgação dos pensionistas do governo federal, por determinação do TCU, o blog percebeu que os valores divulgados sobre pensionistas de militares estavam muito aquém da realidade. As despesas com as filhas maiores, por exemplo, seria de apenas R$ 10 milhões por mês no caso do Exército. No entanto, em documento enviado pelo Comando do Exército ao blog no final de 2017, em resposta a um pedido de informação, o gasto mensal com as filhas solteiras estava em R$ 377 milhões. Outra falha ainda maior estava na divulgação da remuneração dos aposentados, que somava apenas R$ 25 milhões por mês.

O blog solicitou informações ao Ministério da Economia, que repassou o assunto para o Ministério da Defesa. A Defesa respondeu de forma protocolar, afirmando que “está em permanente entendimento com a Controladoria-Geral da União (CGU), Órgão gestor do Portal da Transparência, prestando todos os dados e informações necessários para o cumprimento de toda e qualquer determinação do Tribunal de Contas da União”. Mas não informou por que ainda não cumpriu a decisão do tribunal.

Em seguida, o blog obteve a informação de que o Banco Central também não havia enviado as informações sobre seus aposentados e pensionistas ao Portal da Transparência. Questionado, o BC afirmou que cabe à CGU a publicação dos referidos dados no Portal da Transparência. “Em razão do formato próprio da base de dados e da forma de carga mensal das informações, há necessidade de adequação do sistema e padronização dos arquivos a serem enviados, o que vem demandando esforços tanto do Banco Central quanto da CGU. Foram enviados dados para efeito de teste e para confirmação do modelo definitivo de apresentação das informações”, diz nota do BC.

O Banco Central informou, por solicitação do blog, que, em 2019, a folha de pagamentos dos inativos do BC foi da ordem de R$ 1,8 bilhão, sendo R$ 1,66 bilhão gasto com aposentados e R$ 146 milhões com pensionistas. O banco possui aproximadamente 5.624 aposentados.

No dia 20, o blog perguntou ao TCU qual providência o tribunal tomaria para assegurar o cumprimento da sua decisão. O tribunal respondeu que, em dezembro, foram apreciados recursos contra o acórdão 2154/2019, que havia determinado a divulgação da remuneração de aposentados e pensionistas do governo federal. Essa nova apreciação resultou no acórdão 3142/2019. “Dessa forma, o processo segue em andamento”, concluiu o TCU. Mas a decisão citada derrubou o recurso apresentado pela Advocacia Geral da União. Ou seja, o tribunal não vai pressionar os militares.

Paternidade da medida de transparência

Na quarta-feira (22), o Ministério da Economia finalmente explicou o que havia ocorrido: “O Ministério da Economia disponibiliza informações dos servidores instituidores de pensão e pensionistas do Poder Executivo Federal, não incluindo dados sobre poderes Judiciário e Legislativo. Não estão incluídos também dados relativos aos servidores do Banco Central do Brasil, Ministério da Defesa e Governo do Distrito Federal (Fundo Constitucional), responsáveis pela publicação dos seus dados em portais próprios”.

O ministério acrescentou que, em relação à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), os dados funcionais de pessoal são protegidos pela legislação vigente. Informou ainda que a Secretaria de Gestão de Pessoal “não identificou inconsistências no pagamento de benefícios, que seguem orientação legal ou determinação judicial. Os requerimentos de pensão estão em análise permanente, e se forem detectadas quaisquer distorções, será providenciada correção”.

O presidente Jair Bolsonaro tentou assumir a paternidade da medida de transparência. No dia 13, por meio do Twitter, afirmou: “Tenho determinado aos meus ministros, em especial à CGU, que fortaleçam a transparência em defesa do interesse público e combate à corrupção. Por esse motivo, publicamos, em dados abertos, a remuneração dos servidores aposentados e pagamentos aos pensionistas do Poder Executivo”.

Na nota divulgada no dia 22, o Ministério da Economia informou que divulgou as informações referentes ao pagamento de pensionistas “Em cumprimento ao Acórdão Nº 2154/2019 do Tribunal de Contas da União”.

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