O fracasso das negociações para aprovar a reforma da Previdência, entre outras consequências, manteve vivo o plano de seguridade de deputados e senadores, que já consumiu R$ 2,9 bilhões dos cofres públicos desde a extinção do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), em 1999, quando estava falido.
Com aposentadorias precoces, teto de R$ 33,7 mil e ganhando novos pensionistas a cada ano, o plano deverá custar cerca de R$ 170 milhões no próximo ano graças ao reajuste dos salários dos parlamentares. Tudo pago pelo contribuinte. Com tantas mordomias em jogo, fica fácil entender o porquê de o Congresso ter ‘melado’ a reforma da Previdência.
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Como as regras não mudaram, a corrida por novas aposentadorias no Congresso continua. Nos últimos seis meses, sete deputados tiveram aprovadas averbações de mandatos (internos e externos) para completar o tempo de serviço e ampliar o valor de suas pensões. Os parlamentares aproveitam mandatos anteriores de prefeito, deputado estadual e vereador. Eles também podem fazer filiações retroativas e buscar o tempo de mandato em que não haviam feito contribuição – tudo dentro da lei, feita pelos próprios parlamentares.
Levantamento feito pelo blog mostra que as despesas do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) – que substituiu o antigo IPC – vêm sendo reduzidas muito lentamente a cada legislatura. No caso de morte de ex-deputados, a pensão fica com dependentes, como mulheres e filhos.
Em valores atualizados pela inflação, o plano custou R$ 161 milhões aos cofres públicos em 1999. A partir de 2015, passou a custar R$ 153 milhões ao ano – uma redução de apenas 5%
Houve uma redução de despesas um pouco maior até 2007, quando o instituto custava R$ 150 milhões ao ano, em valores atualizados. No início da legislatura seguinte, porém, em 2011, os deputados e senadores aumentaram seus próprios salários em 62%, passando a receber o mesmo valor dos vencimentos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – R$ 26,7 mil na época. Como as pensões são indexadas ao valor do salário atual, os gastos daquele ano com os pensionistas do IPC alcançaram R$ 175 milhões em valores atualizados.
A reforma da Previdência reconheceria os “direitos adquiridos” pelos atuais parlamentares. Isso significa que seriam mantidos todos os privilégios. Mas acabaria com o plano de seguridade dos congressistas eleitos a partir da próxima legislatura. Deputados e senadores ingressariam no Regime Geral da Previdência Social – o que atende a maioria dos brasileiros. Mas deputados e senadores rejeitaram a proposta de reforma.
O plano de previdência “Frankenstein”
Quando perceberam, na década de 1990, que o IPC era deficitário e não poderia honrar com seus compromissos, ou seja, o pagamento das futuras pensões, os congressistas criaram um sistema hibrido de previdência. Em qualquer outro plano de previdência privado, os beneficiários levariam o “cano”. No caso do IPC, a conta foi espetada na “viúva”. O PSSC é um regime próprio de previdência de parlamentares, mas administrado e bancado pela União, por meio da Câmara e do Senado.
No Orçamento da União deste ano, a Câmara tem previsão de R$ 139,3 milhões para custear as aposentadorias e pensões do “extinto Instituto de Previdência dos Congressista”. O Senado tem previsão de R$ 22,9 milhões. A Câmara tenta explicar a própria criação: “não é uma entidade fechada de previdência e sim um regime orçamentário na modalidade benefício definido e financiado por repartição simples”. Entendeu?
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Esse sistema moldado por interesse próprio assegura um benefício extra – a pensão do PSSC/IPC não entra no cálculo do teto constitucional. Isso ocorre porque o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu em 2013, com base em resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que os benefícios do extinto IPC devem ser excluídos da incidência da aplicação do teto salarial do serviço público.
Essas resoluções do CNJ determinaram que “os benefícios de planos de previdência de entidade fechada, mesmo que esta tenha sido extinta, não se submetem ao teto”. Assim, as pensões do IPC não são somadas a remunerações ou proventos de outros órgãos públicos para fins de aplicação do redutor constitucional.
Por coincidência, há ministros do TCU, na ativa ou aposentados, que recebem pensão do IPC, que foi extinto, mas continua vivo. Na hora de fazer o cálculo do teto, ele é privado; na hora de pagar a pensão, é público.
Deputados com apenas um mandato buscam averbações
O deputado federal Ronaldo Lessa (PDT-AL) cumpre o primeiro mandato na Câmara, mas já busca a sua aposentadoria. Ele ingressou no PSSC logo após a posse, em fevereiro de 2015. E março deste ano (2018), teve aprovada a averbação de 1.461 dias pelo mandato de vereador em Maceió, de 1989 a 1992, mediante o pagamento de R$ 356 mil. No mesmo mês, foi aprovado aproveitamento de mais 1.461 dias pelo mandato de prefeito da cidade, de 1993 a 1996, com o pagamento do mesmo valor. Em fevereiro de 2015, já havia conseguido a averbação de quatro anos de mandato de deputado estadual, de 1983 a 1987.
Pagando os valores estipulados, terá direito a uma pensão em torno de R$ 15,4 mil – quase três vezes o teto da Previdência. Hoje com 69 anos, em seis anos terá recuperado o dinheiro investido. Mas ele também terá que comprovar, com outras fontes, 35 anos de contribuição.
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Atualmente no sexto mandato – o primeiro a partir de 1995 –, o deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG) entrou no PSSC em setembro de 2015. Em outubro daquele ano, conseguiu aprovar a averbação onerosa de quatro anos relativos ao mandato de 1995 a 1999. Em novembro do mesmo ano, a Câmara aprovou o aproveitamento dos últimos cinco anos de mandato anteriores ao ingresso no plano, como permite Ato da Mesa. Em abril deste ano, foi aprovada averbação de 23 meses de 2013 a 2015, mediante o pagamento de R$ 170 mil.
O deputado Sérgio Brito (PSD-BA) entrou no PSSC em novembro do ano passado, embora esteja no quinto mandato. Em janeiro deste ano, teve aprovadas duas averbações de mandatos de deputado federal, num total de 18 anos e 10 meses, condicionadas ao pagamento de R$ 1,3 milhão. Se aproveitar todos os mandatos, terá aposentadoria de R$ 19 mil.
32 anos e meio de contribuição ao INSS
Com cinco mandatos, o deputado Paulo Feijó (PR-RJ) trabalha em duas frentes para assegurar a sua aposentadoria. Em novembro do ano passado, teve autorizada a averbação de 11.900 dias – 32 anos e meio – de contribuição ao INSS para fins de complementação do tempo para aposentadoria pela Câmara. Para completar os 35 anos de contribuição previdenciária, o parlamentar pode averbar o tempo que contribuiu para o INSS. Para cálculo do valor da aposentadoria pelo PSSC, é necessário o aproveitamento de mantados externos ou da própria casa.
Numa segunda frente, Feijó procura o aproveitamento de mandatos na própria Câmara dos Deputados para aumentar o valor da sua futura aposentadoria. Foram aprovadas as averbações de janeiro de 1989 a dezembro de 1994, março de 1995 a janeiro de 1999 e de fevereiro de 1999 a janeiro de 2003.
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Exercendo o segundo mandato, aos 44 anos, o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) já cuida da sua aposentadoria. E não deixa escapar nada. Em 25 de maio deste ano, ele teve autorização para averbar 39 dias do atual mandato, período em que esteve de licença para tratar de interesse particular. Em maio de 2014, já havia sido autorizado a aproveitar quatro anos do mandato de deputado estadual, exercido até 2011, pagando R$ 282 mil.
Em dezembro do mesmo ano, averbou mais dois anos de mandatos de deputados federal, de 2011 a 2013. Câmara deixou claro que aprovou o “aproveitamento do tempo de mandato federal exercido anteriormente à data de sua inclusão no Plano”. A aposentadoria pelo PSSC exige a idade mínima de 60 anos.
Deputado desde 1999, André de Paula está no quinto mandato. Ingressou no PSSC somente em abril de 2014. Em janeiro deste ano, a Câmara aprovou a averbação de 1.154 dias entre 1999 e 2002, no valor de R$ 282 mil.
Ex-deputados também procuram averbações
Ex-deputados também procuram ampliar o tempo de contribuição para assegurar a aposentadoria. Com quatro mandatos, o ex-deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) conseguiu a averbação não onerosa de 8.350 dias – ou 23 anos – de contribuição ao INSS.
O deputado Ricardo Rique (PL-PB) foi deputado por 9 anos e 3 meses, ao longo de três mandatos, dois deles como suplente. Em maio deste ano, teve aprovada a averbação de 33 anos de contribuição ao INSS.
A reportagem telefonou para o gabinete de todos os deputados citados, solicitou entrevistas e informou o conteúdo da reportagem. Nenhum deles se manifestou.
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