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A reforma da Previdência aprovada no início do governo Bolsonaro prometia cortar privilégios no serviço público, mas as regalias do cidadão Jair Bolsonaro foram mantidas. Ele foi aposentado na última sexta-feira (2) de acordo com as generosas normas do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), extinto em 1999, mas ainda hoje custeado pela União. Já aposentado pelo Exército, com renda de R$ 11,3 mil, terá nova pensão de 30,2 mil. Considerando o futuro salário do Partido Liberal (PL), a sua renda acumulada chegará a R$ 80 mil.
O ato do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, é claro. A aposentadoria foi concedida “com fundamento” na Lei 7.087/1982, que dispõe sobre o IPC. Bolsonaro tem direito a pensão por tempo de serviço. O art. 34 dessa lei exige “idade mínima de 50 anos”. O art. 35 diz que a pensão será proporcional aos anos de mandato, somados a mandatos estadual ou municipal “averbados”, mediante pagamento. Bolsonaro averbou (aproveitou) dois anos de mandato como vereador pelo Rio de Janeiro.
Mas por que Bolsonaro e outros parlamentares federais podem acumular pensões e salários? Ocorre que o art. 40 da Lei 7.087 prevê mais uma benesse. Diz que “é permitida a acumulação da pensão do IPC com pensão e provento concedidos por outras instituições”. Questionada pelo blog sobre a legalidade do acúmulo de pensão com salário, com o valor acima do teto constitucional, a Câmara citou o Acórdão 3.632/2013 do Tribunal de Contas da União (TCU), que assim definiu: os benefícios oriundos do extinto IPC estão excluídos da incidência do teto remuneratório constitucional.
A conta sobrou para a viúva
A aposentadoria também foi assegurada com base na Lei 9.506/97, que extinguiu o IPC e transferiu à União, por intermédio da Câmara e do Senado, a concessão e manutenção dos benefícios. Foram preservados os direitos adquiridos em relação às pensões já concedidas e às pensões a conceder. Ninguém ficou sereno. A previdência de deputados e senadores ficou a cargo do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC).
Com a extinção do IPC, em 1999, os parlamentares que já tinham adquirido direito à aposentadoria puderam ingressar no PSSC, visando incorporar ao valor da futura pensão 1/35 do subsídio parlamentar a cada ano de mandato. Segundo os arquivos da Câmara, Bolsonaro se filiou ao IPC em 1º de fevereiro de 1991, dia da posse no seu primeiro mandato de deputado. A adesão facultativa ao PSSC ocorreu em 2 de fevereiro de 1999.
E tem mais mordomias
Além da farta remuneração, Bolsonaro terá à sua disposição, na condição de ex-presidente, uma equipe de apoio de oito integrantes, com seguranças, motoristas e assessores, além de dois carros blindados, passagens e diárias para a equipe de apoio, gasolina, serviços de telefonia e comunicações. Os gastos do governo – leia-se dos contribuintes – com os atuais ex-presidentes, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva, chegam a cerca R$ 6 milhões por ano.
Bolsonaro chegou a apresentar um projeto de lei, em março de 2018, em parceria com o deputado Francischini (SD-PR), para acabar com essa mordomia. A Justificativa do projeto registra que, “num momento de crise financeira, quando se exige esforço da sociedade e do governo para reequilibrar as contas públicas, não é cabível a existência de uma legislação ultrapassada. Vale destacar, ainda, que desses cinco ex-presidentes, dois tiveram seus mandatos cassados e ainda assim dispõem dessas regalias”. Depois de eleito, Bolsonaro não tocou mais no assunto. O projeto está parado nas gavetas da Câmara desde março de 2019.
“Entendimentos jurisprudenciais” furam teto
Na maior parte do seu mandato, Bolsonaro sofreu abate-teto sobre o acúmulo da aposentadoria de capitão do Exército com o salário de presidente da República – R$ 30,9 mil. Mas ele e um grupo de pelo menos 36 oficiais generais foram beneficiados pela Portaria 4.975 do Ministério da Economia, publicada em 30 de abril de 2021, para promover “a sua adequação aos entendimentos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TCU”.
Em nota enviada ao blog, a Economia disse que, a partir de 1º de maio de 2021, o cálculo do teto remuneratório passou a incidir isoladamente sobre cada um dos vínculos, nas hipóteses de acumulação admitidas constitucionalmente. Assim, “nas hipóteses de acumulação entre vínculo de aposentado ou militar na inatividade com cargo em comissão ou cargo eletivo, o limite remuneratório incide isoladamente em relação a cada um dos vínculos”. Como mostrou o blog, a renda de alguns generais beira os R$ 70 mil.