Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

Poucos dias de mandato e pensão de R$ 30 mil: a fabulosa previdência dos ex-governadores

Lia de Paula/Agência Senado (Foto: )

Diante de uma reforma da Previdência que pode exigir até 40 anos de contribuição, é estranho que um ex-governador receba aposentadoria integral por apenas quatro anos de mandato. Mas há casos mais extremos, com governantes que asseguraram esse privilégio após sete, cinco meses, ou mesmo escassos 39 dias. O Acre é o estado campeão nesse ranking do absurdo, com 14 aposentados e pensionistas e uma despesa anual de R$ 5,5 milhões.

Levantamento feito pelo blog em 10 estados identificou a aposentadoria de 73 ex-governadores. Vinte e seis deles deixaram pensionistas. Em 20% dos casos, os governantes ficaram menos de um ano no cargo. O motivo geralmente está nos mandatos tampões, quando o governador se licencia para concorrer a outro cargo e é substituído pelo vice, que também se aposenta após nove meses. Ou seja, um único mandato gera dois aposentados. Isso aconteceu 14 vezes. O gasto anual hoje fica em R$ 23,5 milhões.

LEIA TAMBÉM: Acúmulo de aposentadorias garante renda de até R$ 64 mil a ex-senadores

No Paraná, por exemplo, João Mansur (Arena) assumiu o governo por 39 dias após a morte do governador Pedro Parigot, em 1973. Presidente da Assembleia Legislativa, Mansur ficou no cargo até a posse de Emílio Gomes (PDC), que foi eleito de forma indireta pela Assembleia. Gomes exerceu o cargo por um ano e sete meses. O mandato gerou dois aposentados. Hoje, Gomes recebe R$ 30,4 mil como ex-governador e R$ 12 mil pelo Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). Mansur deixou pensão no mesmo valor para Madalena Mansur.

Dois dos três mandatos de Roberto Requião (MDB) no comando do Executivo paranaense geraram mais dois ex-governadores. Mário Pereira (MDB) e Orlando Pessuti exerceram o cargo por nove meses, no final de 1994 e de 2010, respectivamente. Cada um deles recebe hoje pensão de R$ 30,4 mil. João Elísio Campos (MDB) substituiu o governador José Richa (MDB) por 10 meses no final de 1986. Mais uma pensão.

Ex-oficial de gabinete do presidente Eurico Gaspar Dutra, Mário Gomes da Silva foi nomeado interventor federal no Paraná no final de 1946. Ficou apenas quatro meses no cargo, mas deixou pensão de R$ 5,3 mil para Rosi Gomes da Silva. Pode parecer pouco comparado com as demais pensões, mas é quase o teto do INSS para quem contribui por 35 anos.

LEIA TAMBÉM: Milhares de assessores, salários ‘gordos’, plano de saúde… Quanto custa um senador?

O governo do Paraná informou que o ex-governador Beto Richa (PSDB), filho de José Richa, passou a receber o benefício em janeiro de 2019. Já o ex-governador Roberto Requião acumulou a pensão com o salário de senador ao longo dos oito anos do mandato, encerrado no mês passado. O Paraná gasta por ano R$ 4,4 milhões com essas aposentadorias.

Adversários dividiram mandato

No Acre, penúltimo estado brasileiro no ranking do Produto Interno Bruto (PIB), Ruy Lino (PTB) foi nomeado governador pelo presidente João Goulart em outubro de 1961. Mas ficou apenas oito meses no cargo. Licenciou-se para se eleger deputado federal. Foi substituído por Aníbal Ferreira da Silva (PTB), que completou o mandato em março de 1963. Mais duas pensões de R$ 30,4 mil, hoje pagas às dependentes Olívia de Alencar Lino e Maria José de Lima.

Primeiro governador acreano eleito pelo voto direto, José Augusto de Araújo (PTB) ficou no cargo por apenas 13 meses. Adversário do regime militar, foi deposto pela Assembleia Legislativa, que elegeu governador o capitão Edgard Pedreira de Cerqueira Filho, comandante da 4ª Companhia de Fronteiras, em maio de 1964. O capitão ficou pouco mais de dois anos no cargo. Adversários políticos, os dois deixaram pensão de R$ 30,4 mil para as dependentes Maria Lúcia Araújo e Mary Dalva Cerqueira.

LEIA TAMBÉM: A insustentável previdência militar: contribuições cobrem apenas 14% das pensões

O ex-governador Nabor Júnior (MDB) deixou o cargo no último ano do mandato, em 1986, para disputar uma vaga no Senado. Foi substituído por Iolanda Ferreira Lima, que ficou 10 meses no cargo, mas também assegurou a sua aposentadoria extra.

Ex-governador tem dois mandatos tampões

Em Santa Catarina, o ex-governador Eduardo Pinho Moreira (MDB) exerceu dois mandatos tampões de nove meses, em substituição a Luiz Henrique (MDB) e Raimundo Colombo (DEM), em 2006 e 2018. Ele chegou a receber pensão de R$ 15 mil por algum tempo, em razão de uma ação popular que questionava o benefício. Mas a decisão foi revogada e ele voltará a receber R$ 30,4 mil na próxima folha de pagamento. Mas será apenas uma pensão.

Leonel Pavan (DEM) também substituiu Luiz Henrique em mandato tampão, em 2010. Mais uma pensão. Colombo igualmente assegurou a aposentadoria. A viúva de Luiz Henrique, Ivete Appel da Silveira, tem pensão de R$ 15 mil, assim como os demais dependentes pensionistas do estado.

No Rio de Janeiro, Roberto da Silveira (PTB) morreu no meio do mandato, em 1961, e deixou pensão de R$ 19,6 mil para Ismélia Silveira. Celso Peçanha completou o mandato por mais 16 meses e hoje conta com aposentadoria de R$ 19,6 mil. Em Pernambuco, José Ramos (PDS), que era presidente da Assembleia Legislativa, substituiu o titular Marco Maciel (PFL) no final de 1982, durante 10 meses, e assegurou a sua aposentadoria de R$ 30,4 mil.

LEIA TAMBÉM: Fraudes no serviço público têm de morto com salário até filha solteira casada

Togo Póvoa de Barros (PSD) foi governador do Rio por escassos sete meses, no final de 1958, em substituição ao titular, Miguel Couto, que se candidatou ao Senado. Deixou de R$ 19,6 mil pensão para Onecy de Barros.

Darwich Zacarias (PSD) foi governador de Rondônia, nomeado por João Goulart, durante cinco meses e meio, até maio de 1963. Recebe hoje pensão de R$ 19,8 mil.

Acúmulo de aposentadorias

Além das pensões asseguradas com pouco tempo de serviço, os ex-governadores ainda podem acumular outras aposentadorias. Nabor Júnior, por exemplo, recebe mais R$ 22 mil pelo IPC. Flaviano Melo (MDB-AC)) recebe R$ 30 mil como ex-governador mais R$ 33,7 mil como deputado federal na ativa. Um total de R$ 63,7 mil. Não sofre o abate-teto constitucional porque o IPC é considerado uma entidade de “direito privado”, embora a maior parte das despesas seja bancada pela União.

A viúva do ex-governador Leonel Brizola (PTB), Marília Martins Pinheiro, recebe R$ 19,6 mil de pensão pelo governo do Rio de Janeiro, mais R$ 30,4 mil pelo governo do Rio Grande do Sul e R$ 12,8 mil como pensionista do IPC – um total de R$ 62,9 mil. Tudo pago pelo contribuinte. As pensões pagas pelo governo gaúcho custam R$ 4,4 milhões aos cofres do estado.

Marco Maciel acumula a pensão de ex-governador com a aposentadoria como senador (R$ 30,8 mil), totalizando R$ 61,3 mil. Alceu Collares (PDT) também conta com duas pensões – como ex-governador e pelo IPC – um total de R$ 51,3 mil. A viúva de José Richa, Arlete, tem a pensão de ex-governador mais a aposentadoria do Senado, somando R$ 43,8 mil.

LEIA TAMBÉM: TCU anula pensão de filhas “solteiras” casadas ou com emprego público

O ex-governador de Santa Catarina Paulo Afonso Vieira (MDB), além da pensão de R$ 30,4 mil – igual ao salário dos desembargadores dos Tribunais de Justiça Estaduais –, tem direito a mais R$ 34,4 mil como auditor da receita do estado aposentado. O governo catarinense afirma que ele “preencheu todos os requisitos legais de aposentadoria com paridade e integralidade após 36 anos de contribuição”.

Questionado se não deveria ser aplicado o abate-teto, uma vez que a fonte pagadora é a mesma, a assessoria do governo respondeu que “a questão está no Supremo Tribunal Federal”. No ano passado, o STF decretou o fim das aposentadorias de ex-senadores do Mato Grosso, Maranhão e Paraíba. Os demais estados aguardam o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para extinguir todas essas aposentadorias.

Governador “sem-pensão”

O governo gaúcho informou ao blog que o governador Eduardo Leite é o primeiro sem pensão vitalícia, após a legislação aprovada em 2015, que a extinguiu: “Com a mudança, o subsídio para os próximos ex-governadores será concedido por até quatro anos”.

No Acre, a assessoria informou que o estado está estudando se mantém a concessão de pensão a ex-governadores: “Se continuará pagando ou não, a situação está sendo levantada pela Procuradoria Geral do Estado. Solicitamos um estudo para tomarmos uma atitude após uma análise jurídica sobre a questão. Nenhuma decisão do governo poder ser precipitada”.

LEIA TAMBÉM: Previdência – filha solteira de 96 anos recebe mesada da Câmara desde 1947

O Governo de Santa Catarina esclareceu que o art. 195 da Constituição do Estado, que previa o benefício, foi revogado pela Emenda Constitucional nº 75, de 21 de dezembro de 2017. Quem já tinha o benefício continua recebendo. O ex-governador Eduardo Pinha Moreira recebia R$ 15 mil por força de decisão judicial. “A decisão foi revogada, e Moreira passará a receber, a partir da próxima folha, o valor integral como os demais”, diz nota do governo.

O governo de Pernambuco informou que apenas dois ex-governadores recebem pensão no estado. “As pensões foram concedidas através da Emenda Constitucional n° 08 de 04/12/1978 aos ex-governadores Marco Antônio de Oliveira Maciel e José Muniz Ramos. Não existem pensionistas”.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros