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Com déficit previdenciário anual em torno de R$ 20 bilhões, o Estado de São Paulo paga R$ 400 milhões por ano para 14 mil pensionistas filhas solteiras de servidores. São R$ 241 milhões pagos a 9,9 mil filhas de servidores civis e R$ 160 milhões pagos a 4,4 mil filhas de policiais militares. A pensão mais alta chega a R$ 25 mil por mês – acima do salário do governador, de R$ 23 mil.
Nos últimos anos, investigações da São Paulo Previdência (SPPREV) resultaram no cancelamento de pensões para filhas “solteiras” que, na verdade, eram casadas. Também foram vetados os “casamentos de UTI”, feitos para deixar pensão para parentes de servidores com idade avançada. Eles casavam com parentes maiores de 18 anos e deixaram o encargo da pensão para o estado até a morte da pensionista. Lei estadual estabeleceu a carência de dois anos de casamento para valer a pensão da “viúva”.
Entre as pensionistas está a atriz Maitê Proença, que recebe pensão de seus pais, o procurador de Justiça Carlos Eduardo Gallo e a professora Margot Proença, mortos em 1971 e 1989. A SPPREV descobriu que Maitê viveu 12 anos com o empresário Paulo Marinho, com quem teve uma filha, mas nunca oficializou o casamento. A pensão chegou a ser cortada por decisão administrativa, mas a atriz recuperou o benefício na Justiça em julho de 2010.
A 2ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo determinou que o governo paulista voltasse a pagar o benefício por entender que a lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data de morte do segurado.
A SPPREV afirmou ao blog que o pagamento da pensão de Proença não consta do Portal da Transparência, atualmente, porque o benefício foi suspenso por falta de recadastramento. A Previdência paulista tem uma equipe que fica procurando informações sobre pensionistas em redes sociais para identificar possíveis casos de casamentos não declarados. A equipe tem conseguido algum sucesso.
A maior parte das filhas solteiras está no Executivo estadual – administração direta e indireta. São 9,3 mil pensionistas, que recebem um total de R$ 200 milhões por ano. No Judiciário, são 559 beneficiárias, com renda total de R$ 36,5 milhões ao ano. No Legislativo; apenas 47 pensionistas, com folha de R$ 4,4 milhões por ano.
A origem das filhas solteiras
A pensão permanente para filhas solteiras de militares foi criada pela Lei nº 452/1974, mas o benefício foi alterado pela alterado pela Lei Federal nº 9.717/1998. No caso dos servidores civis, a Lei nº 180/1978 previa este benefício, tendo sido alterado pela Lei nº 698/1992. “É o direito adquirido que mantém o pagamento às pensionistas na qualidade de filhas solteiras, desde que o óbito seja anterior à publicação da Lei Federal nº 9.717/1998, ou seja, antes de 27 de novembro de 1998”, afirmou a SPPREV.
A Previdência paulista acrescentou que, tanto no caso de pensionistas filhas solteiras como no caso de pensionistas na qualidade de cônjuges ou companheiros de ex-servidores, o casamento e a união estável são razões para a perda do direito ao benefício de pensão por morte.
No momento em que a concessão do benefício é realizada, assim como nos recadastramentos obrigatórios anuais, os pensionistas assinam um termo informando que são solteiros. Porém, caso haja provas que comprovem o contrário, é instaurado um processo de averiguação. Se assim for comprovado o casamento ou a união estável, o benefício pode ser cancelado.
“Diante do exposto, destacamos que é dever da São Paulo Previdência adotar as medidas necessárias para que não haja fraudes ao sistema previdenciário e que pessoas não recebam benefícios indevidamente, cumprindo assim o previsto na legislação”, diz nota ao blog.
Reportagens do blog mostraram que as pensionistas filhas solteiras da União custam anualmente R$ 10 bilhões. A maior parte está entre os militares das Forças Armadas, com um total de R$ 6 bilhões. As fabulosas pensões das filhas solteiras do Congresso Nacional custam mais R$ 80 milhões por ano. A Câmara também tem feito investigações para identificar “filhas solteiras” casadas. Já cobrou administrativamente indenização de R$ 7 milhões por pagamentos indevidos a uma pensionista “solteira” que vivia em união estável havia 10 anos.
Rombo sem fim
O rombo na Previdência de São Paulo foi detalhado em reportagem do blog. O déficit acumulado de 2007 a 2021 foi de R$ 300 bilhões, em valores atualizados. E vai continuar crescendo até 2050, quando começará a diminuir, até retornar ao estágio atual. O déficit é coberto pelo governo estadual, com dinheiro do contribuinte. A SPPREV reúne a previdência dos três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário.
O principal motivo desse rombo previdenciário foi a inexistência de contribuição dos servidores para a sua própria aposentadoria até dezembro de 2003. Até aquela data, o estado de São Paulo só cobrava contribuição dos servidores para garantir as pensões dos seus dependentes. Supersalários dos servidores geraram aposentadorias que chegam a R$ 100 mil, algumas pagas atualmente por decisões judiciais.