Enquanto os trabalhadores digerem uma reforma da Previdência bastante dura – com aumento de tempo de contribuição e redução no valor da aposentadoria –, o poder público mantém para os seus servidores um benefício criado na década de 1950: a pensão para as filhas solteiras maiores. Elas consomem anualmente cerca de R$ 3 bilhões dos cofres públicos. Os maiores benefícios, que superam os R$ 30 mil brutos, são pagos pelo Congresso Nacional. Entre os servidores públicos da União há cerca de 52 mil pensionistas nessa categoria.
O Tribunal de Contas da União (TCU) tentou impor limites a essa generosidade em decisão recente. A Lei 3.373/58 prevê que a filha solteira maior de21 anos só perde a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente. O tribunal ampliou essa restrição para as pensionistas que possuam renda própria – fruto de emprego na iniciativa privada –, tenham atividade empresarial ou recebam benefício do INSS, fatos que descaracterizam a dependência econômica à pensão.
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Mas o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar há cerca de um mês suspendendo a decisão do TCU. Foram beneficiadas diretamente mulheres que integram a Associação Nacional dos Servidores da Previdência (Anasps), mas servidores que entram com ação individual no STF asseguram o mesmo direito. O caso ainda será julgado pelo plenário do tribunal.
Após investigar as 51.826 pensões de filhas solteiras no Executivo, Legislativo e Judiciário, fazendo cruzamentos das informações com a RAIS, o cadastro do INSS e o CNPJ, o TCU mandou revisar os benefícios de 19.520 pensionistas que estariam em desacordo com a lei.
No voto revisor, o ministro Walton Alencar ponderou: “Não está o tribunal a tratar de situações de miserabilidade, mas a corrigir excessos e omissões de fiscalização da administração, tolerante com ilegalidades, materializadas em típicos atos de patrimonialismo, por meio dos quais, de forma ilegal, quase vinte mil pensionistas, filhas de servidores públicos, perceberam largas pensões dos cofres públicos sem ostentar as condições exigidas pela lei para tal”.
58 casos na Câmara
O TCU apontou na Câmara dos Deputados 58 casos de filhas maiores solteiras que recebiam ou recebem outra renda em desacordo com a jurisprudência do tribunal. Após apurar os fatos, a Câmara constatou que duas pensionistas já haviam morrido, seis tiveram o benefício mantido porque não havia irregularidade e 50 tiveram a pensão cancelada, uma delas por decisão judicial em 2015.
A Câmara apurou que a pensionista Cacilda Paes Lima é proprietária da firma Cacilda Castelo Paes Lima, ou Império Jardim, que trabalha com plantas e flores naturais. A sua pensão é composta por uma renda fixa de R$ 28,8 mil, mais R$ 7,3 mil de vantagens pessoais R$ 3,8 mil de um cargo em comissão incorporado. Descontado o Imposto de Renda, contribuição previdenciária e um abate do teto constitucional de R$ 6,3 mil, ela recebe líquido R$ 23 mil. A pensão foi cancelada, mas esses vencimentos ainda constam na folha de pagamento relativa a abril – a última disponível para o público.
A pensionista Gilda Madlener Iguatemy recebe pensão com renda fixa de R$ 28,8 mil mais R$ 8,8 mil de vantagens pessoais. Com os descontos, fica com R$ 23 mil. Mas a Câmara apurou que ela é dona da empresa Gilda Madlener Iguatemy, mais conhecida como Auto Posto Sol de Verão, com sede em Mucuri (BA). A pensão foi cancelada, mas seus vencimentos ainda aparecem na folha da Câmara.
Márcia Coelho Flausino teve a pensão cancelada porque “recebeu renda própria, advinda da relação de emprego na iniciativa privada”, como consta nos arquivos da Câmara. Ela recebeu em abril a pensão de R$ 28,8 mil. A pensionista Júlia Andrade da Silva, segundo apurou a Câmara, “não afastou os indícios de percepção de renda proveniente da empresa Júlia Andrade da Silva Papelaria”. Teve cassada a pensão de R$ 28,8 mil, mas o dinheiro caiu na sua conta em abril.
Os 50 cancelamentos de pensões representariam uma economia mensal de R$ 867 mil. No entanto, na maioria dos casos, a cota do benefício cancelado foi revertida aos outros beneficiários do mesmo instituidor. Os casos em que houve o encerramento em definitivo da pensão trouxeram uma economia mensal de R$ 549 mil.
A Câmara afirma que tem cumprido a determinação do TCU, revisando e cancelando as pensões irregulares, mas registra que, em decisão recente, “o STF vem concedendo a manutenção das pensões em processos individuais, contrariando o entendimento do TCU”.
Atualmente, a Câmara tem 140 pensionistas na condição de filha maior solteira, o que representa um custo mensal de R$ 2,5 milhões – ou R$ 33 milhões por ano.
No Senado, 53 beneficiárias
Após a decisão do TCU, o Senado constatou 53 casos de pensionistas em situação irregular. Desse total, 38 pensões foram canceladas e 15 mantidas por determinação judicial. “Não há como apurar a economia total proporcionada com essa medida, visto que os respectivos processos encontram-se em fase de recurso administrativo”, diz nota enviada à Gazeta do Povo. Atualmente, 161 pensões para filhas solteiras são pagas legalmente pelo Senado, no valor mensal de R$ 2,3 milhões – ou R$ 30 milhões ao ano.
A maior delas é paga a Márcia Mendes Viana. São R$ 26,8 mil de remuneração básica, mais R$ 15 mil de vantagens pessoais e R$ 8,2 de uma função comissionada incorporada. Só o redutor constitucional – ou abate teto – corta R$ 16,3 mil dos seus vencimentos, que ficam em R$ 23 mil líquidos. Vânia Gonçalves de Lima recebe R$ 36,5 mil bruto, mas fica com R$ 31,2 mil líquidos.
No Supremo, as pensões são um pouco menores. São 21 pensionistas a um custo mensal de R$ 258 mil – ou R$ 3,3 milhões por ano. A maior pensão, no valor de R$ 33,7 mil, justamente o teto constitucional, é paga às pensionistas Maria Lúcia Rangel de Alckmin e Maria Ayka Furtado de Vasconcelos.
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