Estados e municípios ficaram de fora do texto-base da reforma da Previdência em discussão na Câmara dos Deputados, pelo menos por enquanto. A situação poderá ser revertida no plenário se houver acordo com os governadores. Os números registrados na Secretaria do Tesouro Nacional (STN) mostram que a maioria dos estados tem motivos para querer entrar na reforma. Balanço até abril projeta um déficit de R$ 90 bilhões nas contas previdenciárias estaduais em 2019. Se nada for feito, em dez anos serão 900 bilhões – quase a economia que será gerada pela reforma do governo Bolsonaro.
Apenas quatro estados são superavitários. Oito estados tiveram déficit acima de R$ 1 bilhão nos quatro primeiros meses do ano, numa projeção de R$ 3 bilhões até dezembro. São Paulo teve receitas previdenciárias de R$ 4,6 bilhões e despesas de R$ 11,5 bilhões até abril, com déficit de R$ 6,9 bilhões. As receitas representam apenas 40% do total das despesas. Nesse ritmo, o prejuízo nas contas do estado será em torno de R$ 20 bilhões neste ano. Os dados foram extraídos da Secretaria Nacional do Tesouro pelo site Contas Abertas, especializado em fiscalização dos gastos públicos.
Minas Gerais teve receitas de R$ 1,8 bilhão e despesas de R$ 7,3 bilhões. O déficit anual poderá chegar a R$ 16 bilhões. Percentualmente, a situação de Minas é ainda mais difícil porque a arrecadação chega a apenas um quarto do total de gastos. O déficit projetado para Santa Catarina será em torno de R$ 8 bilhões.
Outro estado em situação bastante difícil é o Rio Grande do Sul, com receitas de R$ 1,6 bilhão e despesas de R$ 5,5 bilhões. O déficit anual poderá chegar aos R$ 11,5 bilhões. O governo gaúcho afirma ser favorável “à reforma da Previdência ampla e compartilhada por diferentes setores e incluindo os estados e municípios. O Rio Grande do Sul tem uma das piores situações previdenciárias do Brasil, com déficit de R$ 11,6 bilhões no ano passado”.
A batalha dos governadores
A movimentação dos governadores foi intensa nos últimos meses, com reuniões e divulgação de notas oficiais. No relatório final aprovado pela comissão especial da Câmara nesta semana foi retirado da reforma a aplicação automática das regras para estados e municípios. Não houve acordo com os governadores para a reinclusão dos estados.
A situação poderá ser revertida no plenário mediante um acordo. Se isso não for possível, estados e municípios poderão definir suas próprias regras previdenciárias por meio de lei ordinária. Estados também poderão aprovar regras especiais para policiais, agentes penitenciários e servidores expostos a agentes nocivos, além de professores e deficientes.
Procurado pelo blog, o governo de São Paulo afirmou que o governador João Doria (PSDB) tem realizado grande esforço para inclusão dos estados e municípios na proposta. “A medida garantirá acelerado desenvolvimento econômico ao país. Desde 2007, São Paulo trabalha para equilibrar as contas da previdência estadual, com a implantação da SPPrev e depois com a SPPrevcom. Mesmo sendo o primeiro Estado do Brasil a fazer uma reforma previdenciária, vê seu déficit da previdência chegar a casa dos R$ 22 bilhões em 2019. O estado aguarda os desdobramentos da reforma federal para analisar como o orçamento será afetado para se pronunciar”.
É uma insanidade não incluir estados, diz secretário do Paraná
No Paraná, as receitas também ficam em apenas 40% do total das despesas, que chegaram R$ 3,3 bilhões em quatro meses. O déficit anual está projetado para R$ 6 bilhões. O secretário estadual de Administração e Previdência, Reinhold Stephanes, afirma ao blog que “é uma insanidade não incluir os estados e municípios na reforma. Sem a inclusão dos estados, o Brasil terá outros 27 problemas para resolver antes que o país consiga alcançar melhores índices de crescimento econômico”.
Sobre a situação do Paraná, ele afirmou que o déficit anual da Previdência, “pago com recursos de impostos”, já ultrapassa R$ 5 bilhões. “Esse montante seria suficiente para implantar mais de 1.500 km de rodovias de pista simples. Até 2022, a previsão é que esse déficit ultrapasse R$ 6,5 bilhões e, até 2021, o número de inativos deve ultrapassar a quantidade de servidores ativos”, prevê o secretário.
Stephanes apresentou os principais motivos do déficit mensal de R$ 500 milhões na previdência do estado: regras privilegiadas vigentes até 1998, que possibilitavam o acesso a benefícios de valores muito elevados sem as adequadas contribuições (aposentadoria de servidores com pouco tempo no serviço público ou de pouca idade); criação de novas carreiras com expressiva elevação das remunerações; adoção de regimes especiais para servidores, sem majoração da alíquota de contribuição, principalmente para policiais e professores; e regras de pensão que não representam a estrutura da sociedade brasileira do século 21.
Capitalização ou repartição
O modelo de Previdência varia entre os estados. Quinze deles utilizam sistemas mistos. Oito estados adotam o plano previdenciário, semelhante ao plano da capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Apenas três utilizam o plano financeiro, que funciona como o regime tradicional de repartição, onde a contribuição dos trabalhadores na ativa paga os benefícios dos atuais aposentados.
O Rio Grande do Sul arrecadou R$ 263 milhões e teve despesas de apenas R$ 855 mil com o fundo previdenciário neste ano. Já o fundo de repartição teve receita de R$ 1,4 bilhão e gastos de R$ 5,5 bilhões. Os servidores que ingressaram na carreira até julho de 2011 permanecem no fundo de repartição simples (regime de caixa). Os que entraram após essa data, estão vinculados ao fundo previdenciário, sob o regime de capitalização. “O fundo de repartição é fechado para novos ingressos, mas nesse momento de transição teremos os dois regimes”, diz o governo gaúcho.
Sobre os motivos desse elevado déficit, o governo estadual afirma: “Os gastos com inativos vêm crescendo nos últimos anos. Com o agravamento da situação fiscal do estado, menos servidores ingressaram no serviço público. Hoje, temos 68% dos vínculos de servidores em inativos e pensionistas. Além disso, a população gaúcha tem expectativa de vida acima da média nacional e aposentadorias especiais que garantem a inatividade a grande parte dos servidores na faixa abaixo dos 50 anos. Mesmo já tendo adotado alíquota básica de 14% e a previdência complementar, o estado precisa avançar na reforma da previdência”.
Exigências, imposições, dúvidas
Com déficit anual projetado para R$ 750 milhões, o Governo do Piauí afirma ser favorável à inclusão dos estados e municípios na reforma da Previdência, mas “desde que haja formas, na emenda, para atacar o déficit previdenciários atual”. O estado mantém sistema misto. Encerrou a segregação de massas em 2016. Mas, em julho, está voltando de vez a ter um só Fundo de Previdência. “Dependendo do que vai ser aprovado na PEC nº 06/2019, haverá a possibilidade de termos a criação de outro fundo conforme o art. 249 da Constituição, mas um fundo exclusivo para aporte de ativos financeiros”, diz o governo.
O Governo do Paraíba, que banca 60% das despesas com previdência, afirma ser “inviável a exclusão dos estados da atual proposta de reforma da previdência”. A Paraíba mantém os dois planos, previdenciário e financeiro. Segundo o governo estadual, “o plano capitalizado decorreu de imposição legislativa. Surgiu como forma de equacionamento do déficit previdenciário na Paraíba, porém uma medida de longo prazo”.
O plano capitalizado já está implantado há seis anos. “Os servidores que ingressaram no serviço público estadual após 2013 já compõem essa massa, hoje superavitária. Atualmente, 83% da arrecadação correspondem ao fundo financeiro. Apenas por autorização legislativa poderá haver alteração nas massas que compõem a PBPrev”, diz o governo.
O Mato Grosso arrecadou R$ 839 milhões e gastou R$ 1,2 bilhão com a previdência estadual neste ano. O estado é favorável à inclusão dos estados na reforma da Previdência. Está atualmente com o plano financeiro, ou seja, no regime de repartição, implantado desde o início da previdência estadual. Mas avalia novos caminhos: “no entanto, pretendemos adotar medidas que auxiliem na busca do equilíbrio do sistema e do financiamento do passivo atuarial, que deverão ser discutidas e votadas pelo Conselho da Previdência de Mato Grosso”.
O Acre arrecadou o equivalente à metade das despesas com previdência – R$ 315 milhões até abril. O governo afirma ser “totalmente favorável à inclusão dos estados na reforma da Previdência. Uma reforma ampla só gera benefícios e celeridade aos processos relacionados a ela”. Se não for possível, o Acre já tem os pontos básicos para a sua reforma: “serão os mesmos discutidos no âmbito federal. De janeiro a abril de 2019, o governo já aportou quase R$ 160 milhões para cobrir o déficit financeiro da previdência dos servidores civis e militares do estado. Até o final de 2019, o déficit deve ultrapassar meio bilhão de reais”.