A reforma administrativa do governo Bolsonaro terá efeito no futuro, mas não mexerá na “herança” de aposentados e pensionistas de órgãos extintos como o Ministério dos Transportes e até mesmo o Serviço Nacional de Informação (SNI), órgão criado pela ditadura militar. O Ministério da Infraestrutura tem R$ 176 milhões para pagar seus servidores ativos neste ano, mais R$ 2 bilhões para manter 9,7 mil aposentados e 55 mil pensionistas dos Transportes.
Com tantas despesas com pessoal em quase todos os ministérios, autarquias, empresas públicas, sobram poucos recursos para projetos que atendem às atividades fins do governo federal, como fiscalização ambiental, censos demográficos, prevenção à lavagem de dinheiro e repressão ao tráfico de drogas. Os valores citados na reportagem foram extraídos do Orçamento da União para 2021.
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) vai gastar R$ 77 milhões neste ano com os salários dos seus servidores ativos, mas a despesa com aposentados e pensionistas vai chegar aos R$ 200 milhões – mais da metade do seu orçamento total, que soma R$ 397 milhões. A folha de pessoal e encargos bate nos R$ 278 milhões – 70% do orçamento do órgão de informação.
Desequilíbrio até no INSS
No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo pagamento da aposentadoria e demais benefícios aos trabalhadores, com exceção de servidores públicos, a conta dos inativos é ainda mais pesada. O instituto vai gastar R$ 2,8 bilhões com seus funcionários ativos em 2021, mas os gastos com os inativos e pensionistas atingirão R$ 6 bilhões.
As Forças Armadas lideram com folga as despesas com inativos. Só no Exército serão gastos neste ano 16,7 bilhões com servidores da ativa e R$ 26 bilhões com aposentados e pensionistas. Incluindo a Marinha e a Aeronáutica, esses valores chegam a R$ 32 bilhões e R$ 52 bilhões. Com um detalhe: os militares não pagam contribuição previdenciária. A sua aposentadoria é bancada por todos os brasileiros.
Como informou ao blog o Comando da Marinha, “a remuneração do militar inativo é um encargo financeiro da União (e não um regime previdenciário), não havendo, portanto, necessidade de contribuições para tal fim”. Os militares contribuem com 10,5% da sua renda para custear as pensões dos seus dependentes, incluindo filhas solteiras, casadas, viúvas. Mas essa contribuição cobre apenas 20% dessas despesas, como mostrou reportagem do blog.
Economia também banca anistiados
No Ministério da Economia, que administra o pagamento de todos os servidores, os gastos chegam a R$ 3,8 bilhões para ativos e R$ 5 bilhões para inativos e pensionistas. O ministério ainda vai pagar mais R$ 608 milhões neste ano em indenizações para anistiados políticos, em prestações mensais, parcelas únicas ou em valores retroativos. As Forças Armadas vão pagar mais R$ 640 milhões aos seus anistiados e pensionistas de anistiados.
Na Secretaria de Receita Federal, ligada ao Ministério da Economia, o orçamento para este ano prevê R$ 5 bilhões para ativos e R$ 7,7 bilhões para inativos e pensionistas. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), uma autarquia ligada ao Ministério de Desenvolvimento Regional, tem R$ 95 milhões destinados a servidores ativos e R$ 566 para inativos – um valor seis vezes maior. No Ministério da Agricultura, a relação é de R$ 1,3 bilhão para R$ 2,1 bilhões. No Fundo Nacional de Saúde, os gastos serão de R$ 4,6 bilhões com ativos e R$ 8,4 bilhões com inativos e pensões.
Atividades fins com poucos recursos
Os gastos com pessoal e encargos sociais, incluindo servidores ativos, inativos e pensionistas, são tantos que sobram poucos recursos para atividades essenciais dos ministérios. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), por exemplo vai gastar R$ 1 bilhão com pessoal, mas reservou apenas R$ 95 milhões para fiscalização ambiental, mais R$ 35 milhões para prevenção e controle de incêndios florestais.
A Comissão Nacional de Energia Nuclear tem R$ 693 milhões no orçamento para pagar servidores. Sobram apenas R$ 46 mil (46 mil reais) para implantar o laboratório de fusão nuclear. Para o armazenamento de rejeitos radiativos e proteção radiológica foram reservados mais R$ 3,5 milhões.
No IBGE, os gastos com pessoal somaram R$ 2 bilhões, enquanto o orçamento para censos demográfico, agropecuário e geográfico ficou em R$ 71 milhões. Sobraram ainda R$ 134 mil para o Plano Nacional de Gestão de Riscos e Respostas a Desastres Naturais.
A Polícia Federal vai gastar R$ 3,4 bilhões com servidores ativos e R$ 2,4 bilhões com inativos e pensionistas neste ano. O programa da Prevenção e Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas e a Crimes Praticados contra a União contará com R$ 247 milhões. A Segurança Pública, Combate à Corrupção, ao Crime Organizado e ao Crime Violento contarão com mais R$ 595 milhões.
Ministérios explicam despesas
A Abin afirmou ao blog que a diferença de dispêndios entre servidores ativos e inativos ocorre pelo fato de a agência “arcar com o pagamento de aposentados e pensionistas do extinto SNI, que exerceu a atividade de inteligência em uma época pré-advento da digitalização e das redes de comunicação modernas, na qual a necessidade de recursos humanos era significativamente maior. Tal cenário gerou um passivo previdenciário que, hoje, é suportado pelo orçamento da Abin”.
A agência acrescentou que, além disto, desde a sua criação em 1999, a Abin “teve limitado ingresso de servidores. Em seus 22 anos de história, a Abin teve apenas cinco concursos públicos. Esse desbalanceamento – grande efetivo do SNI no passado e baixo ingresso de servidores na Abin – resulta no cenário atual de gastos maiores com inativos do que com ativos”.
O Ministério da Infraestrutura afirmou que “os órgãos são responsáveis pelo pagamento de aposentadorias e pensões dos seus servidores. O antigo Ministério dos Transportes, em dezembro de 2018, antes de ser extinto e transformado em Ministério da Infraestrutura por meio do Decreto 9.676, realizava o pagamento de 9.745 aposentados e 54.873 beneficiários de pensão. Naquela época o orçamento era de 3 bilhões”.
Acrescentou que a situação referente aos inativos do ministério “é legada do antigo Ministério dos Transportes, que possuía esse expressivo número de inativos por conta dos seus mais de 150 anos de história e sucessivas incorporações de quadro de pessoal de empresas extintas que eram vinculadas à temática da pasta”. Os demais ministérios procurados não responderam aos questionamentos.
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