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O projeto “Combate a privilégios no setor público”, criado por três entidades de controle social, mostra os gastos dos Tribunais de Contas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul com venda de férias, licença-prêmio não gozada, passagens, carros oficiais e outros penduricalhos, além de despesas com servidores efetivos e comissionados. Todos os TCEs do país consomem R$ 10 bilhões por ano.
Os dados foram colhidos pela Associação Contas Abertas (CA), pelo Instituto de Fiscalização e Controle (IFC) e pelo Observatório Político e Socioambiental (OPS) por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles pretendem divulgar outros relatórios: um para cada região, além de um específico para o Tribunal de Contas da União (TCU). Os relatórios também registram o grau de transparência encontrado nos portais dessas cortes de contas.
As entidades informam que os salários dos sete conselheiros em cada tribunal ficam em R$ 35,4 mil – valor pago dos desembargadores dos Tribunais de Justiça. Mas fazem um alerta: “O problema, contudo, são os ‘penduricalhos’, valores pagos a título de vantagens indenizatórias, compensatórias e outros nomes. Isso quase sempre não está claro nos portais das transparências desses Tribunais de Contas, exigindo enorme esforço de pesquisa e investigação”.
Venda de férias rendem milhões
O TCE-PR informou que resolução interna prevê a venda de férias na Corte, porém não estabelece limite para o pagamento. Em 2018, o tribunal gastou R$ 1,6 milhão com esse benefício. O tribunal detalhou as “vendas de férias” no período de 2018 a setembro de 2019.
O presidente do TCE-PR, Nestor Baptista, recebeu R$ 91,4 mil em julho de 2018 e R$ 212 mil em fevereiro de 2019. Célia Moro Kansou, R$ 166 mil em julho de 2019. O conselheiro Artagão de Mattos Leão, R$ 160 mil em agosto de 2019. O conselheiro José Mattos do Amaral, R$ 91,4 mil em junho de 2018 e R$ 86 mil, em junho de 2019. Valéria Borba, R$ 86,8 mil em março de 2018, R$ 101 mi em dezembro de 2018 e R$ 19 mil em julho de 2019.
No mesmo ano, o TCE-RS pagou R$ 319 mil em venda de férias a conselheiros e substitutos. Seguindo as regras do Judiciário, as cortes de contas mantém o direito a férias de 60 dias, com dois adicionais de um terço por ano. Mas muitos não usufruem de tantos dias. Como se trata de uma indenização por direito não gozado, não há cobrança de imposto de renda sobre os valores pagos. Os maiores pagamentos foram feitos ao conselheiro gaúcho Cezar Miola, que recebeu R$ 44 mil de férias indenizadas em janeiro de 2019, e ao conselheiro Estilac Xaviar, que levou R$ 165 mil.
Licença-prêmio, passagens, carros oficiais
O TCE-RS disponibilizou a lista de beneficiários de licença-prêmio não gozada, incluindo conselheiros, auditores substitutos e procuradores. Em 2018, o tribunal gastou R$ 1,1 milhão com esse benefício. Nas licenças-prêmio indenizadas em atividade, o conselheiro Pedro Poli de Figueiredo, o procurador Geraldo Costa da Camino e a substituta de conselheiro Heloísa Goulart Piccinini receberam R$ 169 mil cada um.
O tribunal do Paraná informou que somente os procuradores têm direito à licença-prêmio e que, no período desde 2018 até 30/09/2019, houve apenas o pagamento em pecúnia de 1 procurador inativo, em julho de 2019, no valor de R$ 91,8 mil.
O pagamento de diárias e passagens é constante nos três estados. Conselheiros e procuradores têm o direito ao usufruto dos benefícios. O TCE-PR informou que as passagens aéreas atingiram o montante de R$ 190 mil em 2018 e R$ 231 mil até setembro de 2019. O TCE-RS revelou gastos de R$ 174 mil em 2018 e R$ 168 mil no mesmo período de 2019.
O TCE-PR informou que seis conselheiros, 1 conselheiro substituto, o procurador-geral, o Gabinete da Presidência e o Gabinete da Assessoria Militar são usuários de veículo oficial oferecido pelo tribunal, para atender as suas atividades. O TCE-RS e o TCE-SC não oferecem veículos para uso pessoal dos seus conselheiros.
O auxílio-alimentação tem o valor de R$ 884 no TCE-RS, R$ 1.160 no TCE-SC e R$ 1,552 no Ministério Público de Contas de Santa Catarina. O TCE-PR não informou os valores do auxílio. Os benefícios são previstos em normas internas dos três tribunais.
Servidores e cargos comissionados
Nos gabinetes dos conselheiros e nos órgãos de direção do TCE-PR, há 63 cargos comissionados e servidores que ocupam cargos de direção. O tribunal informou que é gasto, em média, R$ 665 mil por mês para manter essa estrutura.
No Rio Grande do Sul, para manter a estrutura dos gabinetes dos conselheiros, da Presidência, Corregedoria e Ministério Público, entre servidores efetivos e cargos comissionados, a despesa mensal é de R$ 506 mil.
No tribunal e no Ministério Público de Contas de Santa Catarina, a estrutura de cargos comissionados e de servidores tem 69 vagas ocupadas. As duas instituições juntas desembolsam, em média, R$ 768 mil por mês para garantir essa estrutura.
Demora para julgar gera descrédito e impunidade
As entidades que elaboraram o relatório de privilégios esclarecem que os TCEs são cortes de contas de feição administrativa, que não integram o Poder Judiciário, mas auxiliam o Poder Legislativo. Eles julgam as contas do estado, podendo gerar a inelegibilidade do agente público, aplicar multas e determinar o ressarcimento aos cofres públicos.
“Na prática, todavia, muito poucos são os exemplos de políticos do alto escalão alcançados, e a recuperação do patrimônio público é baixa, já que as decisões condenatórias desses tribunais precisam ser executadas. Mas, como os Tribunais de Contas demoram muito para julgar, via de regra, não conseguem recuperar o patrimônio público desviado, fazendo aumentar o descrédito da população e agigantando a certeza da impunidade”.
As entidades de controle social acrescentam que, por isso, quando um tribunal de contas “deixa de explicitar o nome de cada conselheiro e procurador, bem como as verbas que compõem as suas remunerações, informando apenas o subsídio, ou juntando-as, sem clara especificação, o que está fazendo é deixar de dar divulgação correta dos valores públicos recebidos a título de remuneração, ocultando do cidadão a realidade. E isto é muito grave”.
Os TCES instituíram seus benefícios com base em leis estaduais e federais e até mesmo na Constituição federal de 1988, segundo informaram às entidades que fizeram o relatório. A principal delas é a Lei Orgânica da Magistratatura (Loman), que estabelece os direitos e deveres dos magistrados.
Quem são as entidades
A Contas Abertas é uma ONG fundada em 2005 e tem sua história pautada pelo princípio da independência, reunindo pessoas físicas e jurídicas interessadas em contribuir para o controle social sobre os orçamentos públicos, com a finalidade de defender o interesse público. Estimula a participação do cidadão na elaboração e no acompanhamento dos orçamentos públicos, a fiscalização das contas públicas e a cidadania participativa, especialmente a relação entre o governo e a sociedade, contribuindo para o combate à corrupção.
O IFC, uma organização sem fins lucrativos,busca fortalecer o combate à corrupção por meio da criação de redes, ferramentas, métodos e inovações capazes de promover, estimular e descomplicar a participação cidadã na fiscalização e controle social sobre os recursos públicos, atuando em conjunto com ONG’s e instituições.
O Instituto OPS foi criado em dezembro de 2018 para atuar em âmbito nacional com a finalidade de auxiliar a sociedade civil na fiscalização de gastos públicos; promover a defesa e boa gestão do patrimônio e do orçamento público. O OPS tem sob seu “guarda-chuvas” dois projetos que são o “Novo Eleitor” e a “Operação Política Supervisionada”. Enquanto o primeiro leva a conscientização política, de forma, às crianças e adolescentes, Operação Política Supervisionada é o seu braço fiscalizatório, responsável por proporcionar economia aos cofres públicos.