Cresceu de R$ 924 milhões para R$ 2,7 bilhões a dívida assumida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para estender aos seus juízes o valor do auxílio-moradia pago a deputados federais na década de 1990. A explicação está nos juros aplicados pelo tribunal – pelo menos R$ 1,3 bilhão. O valor pago retroativamente a cada juiz ficou em R$ 26 mil para cada mês devido. O valor atual auxílio-moradia dos deputados é de R$ 4,2 mil.
Trata-se da Parcela Autônoma de Equivalência (PAE), criada para concretizar a equivalência salarial entre magistrados e parlamentares, determinada pela Lei 8.448/1992. O direito foi reconhecido em dezembro de 2008, extensivo a todos os tribunais, com o valor principal de R$ 240 milhões só no TJSP, apurado no período de setembro de 1994 a dezembro de 1997.
Quando os pagamentos retroativos tiveram início, em outubro de 2009, já havia acréscimos de R$ 313 milhões de correção monetária mais R$ 588 milhões de juros. O valor total estava em R$ 1,14 bilhão. Desde então, os pagamentos da PAE vêm sendo efetuados na folha de pagamento dos magistrados, de forma parcelada, de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira do TJSP.
Até agora já foram pagos R$ 155 milhões relativos ao principal, R$ 520 mil de correção monetária e R$ 1,18 bilhão de juros, num total de R$ 1,85 bilhão, segundo dados atualizados até maio deste ano. Mas ainda falta pagar R$ 385 milhões, sendo R$ 85 milhões do principal, R$ 165 milhões de correção monetária e R$ 135 milhões de juros.
Somando o que já foi pago e o saldo devedor do valor principal e da correção monetária, são R$ 925 milhões. No caso dos juros, a soma é R$ 1,3 bilhão – 58% do total, que chegaria a R$ 2,24 bilhões. Mas esse valor não inclui a correção monetária de cada parcela de pagamento, a partir do mês ou ano de quitação. A pedido do blog, o TJSP informou os valores pagos mês a mês e as somas anuais. Com a aplicação da correção monetária até maio deste ano, houve um acréscimo de R$ 463 milhões, elevando a conta para R$ 2,7 bilhões.
Pagamentos têm até 13º
O valor principal é relativo a 44 meses de auxílio-moradia pagos aos parlamentares federais, a partir de setembro de 1994, mais quatro parcelas por conta dos 13º salários até 1997. O direito foi reconhecido a 2.359 magistrados.
Até maio de 2020, 889 juízes e desembargadores do TJSP possuíam saldos da PAE, sendo 365 magistrados ativos, 128 inativos e 396 falecidos. Nesse último caso, os valores são pagos aos herdeiros.
Dividindo o valor total de R$ 2,7 bilhões pelos meses devidos e pelo número de magistrados, o valor médio da parcela mensal equivalente ao auxílio-moradia chega a R$ 26 mil – seis vezes o valor atual do auxílio-moradia dos deputados federais. Mas o valor não é igual para todos.
O tribunal informou ao blog que os valores apurados para cada magistrado são diferentes entre si porque foi considerada a situação funcional de cada magistrado no período de apuração da verba então reconhecida, no caso da PAE, de setembro/1994 a dezembro/1997. "A simples operação de dividir os valores pelo número de meses e, então, dividir pelo número de magistrados com direito à aludida verba não refletirá o valor respectivo de cada um, mas apenas uma média aritmética", diz nota do tribunal.
O tribunal acrescentou que, apesar da PAE corresponder à diferença de auxílio-moradia pagos aos parlamentares federais, foi entendida pelo STF como de caráter remuneratório, incorporando-se, portanto, aos vencimentos da magistratura para todos os efeitos. “Tanto é verdade que referida diferença principal (corrigida monetariamente), na ocorrência de seu pagamento, sempre aplicará as legislações previdenciárias e tributárias pertinentes”, diz nota do TJSP.
Mas os magistrados também tiveram o seu auxílio-moradia por alguns anos. Decisão do STF tomada em 2014 possibilitou a implantação do benefício, como indenização mensal não incorporada aos vencimentos, para todos os magistrados federais e estaduais. A decisão foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça, surtindo efeitos a partir de setembro daquele ano. Em nova decisão, em novembro de 2018, o Supremo determinou que os magistrados não tinham direito a essa indenização. Mas a decisão valeu a partir daquela data. Quem recebeu não precisou ressarcir ao Tesouro Nacional. E os retroativos da década de 90 continuaram sendo pagos.
Tribunal justifica “juros de mora”
O TJSP justificou os critérios de aplicação de correção monetária e juros sobre o valor principal desde a década de 90. Segundo o tribunal, para a PAE e quaisquer verbas que forem reconhecidas e apuradas para os magistrados, há dois processos de atualização monetária. Até o início do pagamento da verba, os índices de correção monetária e de juros são aplicados desde o momento em que cada parcela mensal da diferença é devida.
Iniciado o pagamento, a correção e os juros são aplicados mensalmente sobre o saldo que remanesce pendente de pagamento. "Ressalta-se, nesse ponto, que os juros são de mora, aplicados sobre o principal mais a correção monetária. Sobre os juros acumulados recaem apenas a correção monetária de cada mês", diz a nota do TJSP.
O tribunal informou ainda que, a partir de setembro/1994, até os dias atuais, de acordo com os Temas 810 – Repercussão Geral do STF e 905 – Repetitivos do STJ, são esses os índices de juros com aplicação no caso concreto: de setembro/1994 a julho/2001, juros de mora de 1% ao mês; de agosto/2001 a junho/2009, juros de mora de 0,5% ao mês; a partir de julho/2009, juros de mora de acordo com a remuneração oficial da caderneta de poupança.
Tribunais do Trabalho
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), com jurisdição no interior de São Paulo, pagou R$ 201 milhões de PAE. A primeira parte foi relativa às diferenças diante da inclusão do auxílio moradia no período de setembro de 1994 a dezembro de 1997, com posterior escalonamento de 5% do benefício no período de fevereiro de 1995 a dezembro de 1997, num total de 40 meses.
A segunda parte resultou da incidência de atualização monetária e juros de mora sobre os valores do auxílio-moradia pagos em janeiro/2003, correspondente ao período de janeiro de 1998 a agosto de 1999, num total de 20 meses. Foram beneficiados 394 juízes, com pagamentos a partir de 2008, mediante disponibilidade orçamentária decorrentes de repasses específicos do Conselho Superior da Justiça do Trabalho.
Do total pago, R$ 30,4 milhões correspondem ao valor principal, R$ 57 milhões são relativos à correção monetária e R$ 113 milhões resultam de juros moratórios. Resta um saldo devedor de R$ 1,9 milhão. Os juros correspondem a 56% do total pago.
No TRT-4, com sede no do Rio Grande do Sul, já foram pagos R$ 235 milhões de retroativos da PAE, no período de setembro de 1994 a agosto de 1998. Foram beneficiados 499 magistrados. Ainda falta pagar R$ 10,1 milhões.
O pagamento do valor principal já está em R$ 34,6 milhões. A correção monetária chega a R$ 66,8 milhões. Os juros atingem R$ 133,3 milhões – 57% do valor total pago.
Tribunais silenciam ou alegam falta de tempo
O blog solicitou os mesmos esclarecimentos a outros tribunais de porte grande ou médio. Alguns alegaram falta de tempo para responder, outros silenciaram. O TJSP, maior tribunal do país, com 3,4 mil magistrados, faz sempre os maiores gastos, mas é o mais transparente.
O Tribunal de Justiça do Paraná argumentou que não haveria tempo para a resposta: “Será necessário fazer um levantamento dos índices oficiais que foram aplicados à época, além da conversão de moeda e dos percentuais dos juros de mora, o que obsta a pronta apresentação das informações solicitadas pelo jornalista, tanto em relação ao valor resultante da incidência de juros e correção sobre a PAE quanto aos valores nominais pagos anualmente ou mensalmente pelo Tribunal a esse título”.
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