Mordomia criada há 70 anos, a ajuda de custo paga a deputados e senadores para custear despesas com transporte de pertences até Brasília sofreu alterações ao longo dos anos, mas ainda resiste aos novos tempos. O “auxílio-mudança” é pago sempre no início e no final do mandato. Desde 2004 até o início deste ano, esse benefício já rendeu R$ 57 milhões – em valores atualizados – a 285 senadores e suplentes. Na prática, são salários extras pagos aos parlamentares.
O senador que mais recebeu o benefício foi Alvaro Dias (PODE-PR), com um total de R$ 692 mil – atualizado pela inflação. Foram 22 salários extras de 2004 até hoje. O senador Renan Calheiros (MDB-AL), que foi presidente do Senado por três vezes, ficou em segundo lugar, com R$ 688 mil e o mesmo número de pagamentos. O levantamento do próprio Senado atende a pedido feito pelo blog por meio da Lei de Acesso à Informação. Os números foram enviados em valores nominais.
Estão na lista nomes expressivos da “velha política”, como José Sarney (MDB-AP), com R$ 613 mil; Pedro Simon (MDEB-RS), R$ 599 mil; e Fernando Collor (PROS-AL), R$ 474 mil. Dois ex-senadores cassados pelo Senado por quebra de decoro parlamentar há poucos anos também receberam vultosas quantias em salários extras.
Delcídio Amaral (PT-MS), ex-líder do governo Dilma Rousseff, foi cassado em 2016 por tentar obstruir investigações da Operação Lava Jato. Recebeu R$ 655 mil em salários extras. Demóstenes Torres (DEM-GO) perdeu o mandato em 2012 por conta da sua estreita ligação com o empresário Carlinhos Cachoeira, a quem chamava de “professor”. Já tinha recebido R$ 541 mil em ajudas de custo desde 2004.
Beneficiados arrependidos renunciaram aos salários extras
Alguns dos senadores que receberam boladas de salários extras renunciaram à mordomia neste ano, quando apertou o cerco da imprensa, da sociedade civil e do Judiciário pelo fim do “auxílio-mudança”. Paulo Paim (PT-RS) abriu mão da regalia depois de receber 20 salários extras num total de R$ 618 mil, em valores atualizados. Flávio Arns (REDE-PR) havia recebido R$ 417 mil. Humberto Costa (PT-PE) e Eduardo Braga (MDB-AM) tinham sido contemplados com R$ 200 mil. Randolfe Rodrigues (REDE-AP), com R$ 123 mil.
Questionado pelo blog sobre o fato de ter renunciado a uma mordomia da qual já havia usufruído, Arns respondeu que, além de abrir mão do “auxílio-mudança”, apresentou projeto de decreto legislativo que propõe a sua extinção. “Minha expectativa é a de que, com a aprovação da matéria, que se encontra na Comissão Diretora do Senado Federal, esta seja rapidamente apreciada e convertida em Lei pela Câmara Federal, o que encerrará em definitivo a questão”.
Não é a primeira iniciativa nesse sentido. Dorme nas gavetas do Senado há mais de quatro anos, sem ser perturbado, projeto de decreto legislativo do senador Reguffe (sem partido-DF) que extingue a ajuda de custo devida aos membros do Congresso no início e no final do mandato. Ao tomar posse, em 2015, Reguffe renunciou a todas as mordomias oferecidas pelo Senado, como cota para divulgação do mandato, aluguel de carros, de aviões, combustível, carro oficial, plano de saúde, aposentadoria especial, correios, auxílio-restaurante. E propôs a extinção de todas elas. Foi seguido por cinco novos senadores neste ano, mas o apoio ainda é insuficiente para acabar com os salários extras.
A legislação atual concede a ajuda de custo equivalente ao salário dos parlamentares no início e no final do mandato, para “compensar as despesas com mudança e transporte”. “Tal ajuda de custo não se justifica porque os parlamentares já dispõem de apartamento funcional mobiliado e auxílio-moradia, além de passagens aéreas para deslocamento a Brasília e retorno ao estado de origem”, argumenta Reguffe.
Seis salários extras num ano
A primeira norma legal prevendo o pagamento de ajuda de custo aos membros do Congresso data de 1948. O Decreto Legislativo 53 estabelece o pagamento da ajuda de custo, em duas parcelas iguais, uma no início da sessão legislativa (ano legislativo) e outra no encerramento. O benefício também era concedido no início e no final das convocações extraordinárias. Assim, os parlamentares podiam receber até quatro salários extras por ano.
Mas o estrago nos cofres públicos podia ser ainda maior. Em 1996 e 1997, por exemplo, o Congresso foi convocado em janeiro e julho para votar a reforma da Previdência e outros temas urgentes como as reformas administrativa e tributária. Cada convocação extraordinária rendeu duas ajudas de custo – quatro por ano. Com as duas ajudas de início e final do ano legislativo, foram seis salários extras em 96 e 97, fora o 13º.
A mordomia começou a cair janeiro de 2006, quando novo decreto legislativo manteve as ajudas de custo no início e no final do ano, mas extinguiu o pagamento nas convocações extraordinárias. Também houve naquele ano a redução do período anual de recesso de 90 para 55 dias. Em 14 de fevereiro, a Emenda Constitucional 50 ratificou a decisão e proibiu de vez qualquer indenização a parlamentares por convocação extraordinária.
Mas ainda não era o fim. Em junho, a Justiça decidiu que a convocação de janeiro deveria ser “indenizada” porque a emenda ainda não estava em vigor. Os registros enviados ao blog pelo Senado mostram que, em 2006, os senadores receberam um total de R$ 8 milhões (atualizados) por quatro ajudas de custo. Entre eles estavam Flávio Arns e Paulo Paim.
Como resposta, o silêncio
O blog procurou ouvir os atuais senadores que receberam as maiores boladas de salários extras. Jarbas Vasconcelos (MDB-PE), que recebeu R$ 499 mil, respondeu que sempre utilizou as verbas destinadas aos parlamentares conforme prevê a legislação. Mas acrescentou que sempre se colocou, e segue se colocando, “à disposição para rediscutir as regras atuais de custeio disponibilizadas pelo Congresso Nacional a deputados e senadores". Tasso Jereissati (PSDB-CE) afirmou apenas que apoia a proposta legislativa que tramita no Senado.Os demais senadores silenciaram.
O Senado informou que já renunciaram ao “auxílio-mudança” no início e no final da atual legislatura os senadores Confúcio Moura (MDB-RO), Daniella Ribeiro (PP-PB), Eduardo Braga, Eduardo Girão (PODE-CE), Styvenson Valentim (PODE-RN), Eliziane Gama (Cidadania-MA), Esperidião Amin PP-SC), Flávio Arns (REDE-PR), Humberto Costa (PT-PE), Jorge Kajuru (PSB-GO), Leila Barros (PSB-DF), Marcos Rogério (DEM-RO), Paulo Paim (PT-RS), Randolfe Rodrigues (REDE-AP), Reguffe (Sem partido-DF), Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Vandernal Cardoso (PP-GO) e Vital do Rêgo (PSB-PB).