Assumir o mandato por alguns meses ou mesmo dias rende um bom dinheiro para suplentes de senadores. O ex-governador do Tocantins Siqueira Campos (DEM), que aos 90 anos passou a ocupar a vaga do titular Eduardo Gomes (MDB), no início de julho, já faturou de largada R$ 33 mil. Uma "homenagem" feita com dinheiro do contribuinte.
Suplentes que tomam posse também têm direito ao “auxílio mudança”, ou ajuda de custo dos senadores. São, na prática, salários extras concedidos no início e no final do mandato. Já custaram R$ 3,8 milhões aos cofres públicos nos últimos 15 anos, contemplando 62 suplentes que cumpriram 121 exercícios de mandatos. Eles ainda têm dinheiro para escritório, restaurantes de luxo, passagens aéreas e locação de carro e até avião. Tem suplência para irmão, mulher, pai.
O suplente Gilberto Piselo (PDT-RO) assumiu a vaga de Acir Gurgacz (PDT-RO) em 8 de setembro de 2016, mas ficou apenas seis dias no cargo. Recebeu R$ 11 mil de salário proporcional mais R$ 37,7 mil de ajuda de custo, para o deslocamento até Brasília. Um total de R$ 49 mil em valores atualizados pela inflação. E ainda usou R$ 3,9 mil da cota para o exercício do mandato – o cotão – com passagens aéreas entre Brasília, Cuiabá, Cacoal (RO) e Ji-Paraná (RO).
Piselo então renunciou e a vaga foi ocupada pelo segundo suplente, Pastor Valadares (PDT-RO), que ficou quatro meses no cargo. Ele recebeu duas ajudas de custo, uma no início e outra no final do mandato, um total de R$ 74 mil. Contou com mais R$ 21,4 mil de auxílio-moradia. Ele ainda usou R$ 120 mil do “cotão”, sendo R$ 19,7 mil no aluguel de um imóvel para escritório de apoio em Ji-Paraná. O locador foi Gilberto Piselo – o primeiro suplente. No total, recebeu R$ 215 mil de extras, em valores atualizados, sem contar os R$ 148 mil por quatro salários.
Sete passagens em sete dias
O suplente Wirlande da Luz (PMDB-RR) assumiu a vaga do senador Romero Jucá (PMDB-RO) em 17 de maio de 2016. Deixou o mandato após uma semana porque o titular teve que renunciar ao cargo de ministro do Planejamento, acusado de interferir nas investigações da Lava Jato. Mas o senador Wirlande aproveitou bem aquela semana. Recebeu duas ajudas de custo no valor de R$ 75 mil, atualizado, mais R$ 8,4 mil de salário. Gastou R$ 10,9 mil com sete passagens aéreas – cinco delas para servidores.
O senado Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) deixou uma beira do mandato para o suplente Sodré Santoro, milionário colecionador de carros de luxo. O suplente ficou 25 dias no mandato, em janeiro de 2015, e recebeu R$ 63 mil entre salário proporcional e uma ajuda de custo. No dia 29 de janeiro, dois dias antes de deixar o mandato, contratou a consultoria jurídica da Diniz, Vieira e Strauber Advogados por R$ 35 mil. Naquele período, o Congresso estava de recesso. Ele já havia recebido mais R$ 75 mil – atualizados – por quatro meses de mandato no início de 2013.
Em 2019, Zé Santana (MDB-PI), segundo suplente do senador Wellington Dias (PT-PI), fez a festa em 49 dias de mandato. Recebeu duas ajudas de custo e usou R$ 38 mil do cotão, com o Congresso de recesso. Ele alugou uma Trailblazer por R$ 10 mil – o mesmo carro que era utilizado pela senadora Regina Sousa (PT), a primeira suplente. Gastou R$ 5 mil com combustível e fretou um avião por R$ 6,7 mil para fazer uma visita a Parnaíba (PI). Ainda gastou R$ 9,6 mil com passagens aéreas e R$ 5,8 mil com divulgação do mandato.
Tour gastronômico
A suplente Ione Guimarães (PTB-GO) esteve no mandato por 57 dias, em setembro e outubro do ano passado, na vaga de Lúcia Vânia (PSB-GO). Nesse período, ela fez ou tour gastronômico por Brasília. Só na SB Churrascaria ela gastou R$ 2,3 mil em quatro refeições. A mais cara delas custou R$ 670. A refeição na Trattoria Moderna ficou por R$ 526. Na Nau Frutos do Mar, a despesa chegou a R$ 447. Esteve ainda na Churrascaria Fogo de Chão, no Coco Bambu, no Manzua e na Belana, todos restaurantes muito frequentados por parlamentares, por conta do dinheiro do contribuinte. Ione recebeu ainda duas ajudas de custo, R$ 10,5 mil de auxílio-moradia e R$ 5,2 mil de 13º salário proporcional.
Sadi Cabral (PT-TO) ocupou a vaga de Leomar Quintanilha (PMDB-TO) por seis meses de 2009 a 2010, quando o titular ocupou a Secretaria de Educação. O breve mandato teve uma interrupção de cinco dias em novembro. Naquele período, Sadi recebeu três ajudas de custo, um total de R$ 86 mil. E também utilizou R$ 22,5 mil do cotão. O petista também frequentou bons restaurantes em Brasília. Gastou R$ 347 no Francisco e esteve duas vezes no Potencia Gril, fazendo despesas de R$ 439 e R$ 723. É o famoso “auxílio-banquete” do Senado.
Um tratamento de saúde do senador Jader Barbalho (PMDB-PA) abriu caminho para a posse de Fernando Ribeiro, do mesmo partido, em 2015. Com dois meses e nove dias no cargo, recebeu duas ajudas de custo. Usou R$ 40 mil, em valores atualizados, da cota para o exercício do mandato. A maior parte foi gasta com passagens – R$ 33 mil. Só em março foi reembolsado por 13 passagens, quatro delas para servidores. O senador também esteve em Salvador.
Irmão, mulher, pai: cabe todo mundo
Alguns senadores escolhem parentes próximos para a suplência por ocasião do registro da candidatura eleitoral. Ao assumir o Ministério das Minas e Energia, em janeiro de 2015, o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) deixou a vaga para a mulher, Sandra Braga, do mesmo partido. Ela ficou 16 meses no cargo e recebeu duas ajudas de custo.
Gilvan Borges (PMDB-AP) tirou licença e abriu vaga para o irmão Geovani Borges (PMDB), em abril de 2011. Em oito meses de mandato, ele utilizou R$ 494 mil da verba para o exercício do mandato, em valores atualizados. Gastou R$ 207 mil com aluguel de carros. Gilvan Borges sempre teve apreço pela família. Em 1997, contratou a mulher e a mãe como assessoras no seu gabinete. Questionado sobre o feito, respondeu, sem cerimônia: “Confiança é confiança. Uma dorme comigo e a outra me pariu”.
Pai do senador Ivo Cassol (PP), o suplente Reditário Cassol assumiu o mandato por quatro meses e meio em 2018. Gastou R$ 149 mil do cotão, sendo R$ 107 mil com divulgação. Ele já havia assumido o mandato por quatro meses em 2011. Levou uma ajuda de custo por cada breve mandato.
Licença para assuntos particulares
O levantamento feito pelo blog apurou 62 suplentes que assumiram o mandato em 15 anos. A relação foi fornecida pelo Senado em resposta à solicitação feita com base na Lei de Acesso à Informação. Em 35 casos, o período de mandato ficou em torno de 4 meses. Em 11 casos, variou de 1 a 3 meses. Por duas vezes, o mandato durou uma semana. Os demais casos foram em períodos maiores, quando os suplentes ocuparam o mandato de titulares que estavam ocupando cargos de ministros de Estado ou de secretários estaduais.
O Senado informou que os suplentes recebem ajuda de custo no início e ao término de seu primeiro exercício do mandato. Caso eles retornem por ocasião de novo afastamento do titular, a ajuda de custo não é paga novamente. O Decreto Legislativo nº 276/2014 não estabelece prazo mínimo de exercício de mandato para pagamento da ajuda de custo.
A ajuda de custo incialmente era paga no início e no final de cada ano. Também eram devidas nos casos de convocação extraordinária do Congresso, uma no início e outra no final. Em alguns anos, foram pagas até seis ajudas de custo. A partir de 2006, foram extintas as ajudas no caso de convocações.
A partir de 2014, rebatizada com o nome de auxílio-mudança, passou a ser paga no início e no final de cada legislatura, que dura quatro anos, para “para compensar as despesas com mudança e transporte”, como diz o Decreto Legislativo 276/14. Mas também vale para os breves mandados dos suplentes, mesmo que durem apenas seis dias.