O Supremo Tribunal Federal enquadrou no “princípio da insignificância” os tributos que um contribuinte deixou de pagar no valor de R$ 19,7 mil. E há casos semelhantes. Também foi beneficiado um ex-prefeito que usou máquinas da prefeitura para terraplanagem na sua residência. Entre os crimes exóticos estão condenações pelos furtos de codornas, de uma bermuda usada, um boné, um engradado com garrafas vazias e pela tentativa de um furto de R$ 1,8 real.
Em 2018, no Paraná, Roque solicitou a aplicação do princípio da insignificância sobre os tributos que deixou de recolher ao Ministério da Fazenda – um total de R$ 19,7 mil. No crime de descaminho, o STF tem considerado, para a avaliação da insignificância, o patamar de R$ 20 mil, previsto na Lei nº 10.522/2002 e atualizado pela Portaria 130/2012 do Ministério da Fazenda.
Como Roque não respondia a outros procedimentos administrativos fiscais ou processos criminais, a Segunda Turma do Supremo decidiu afastar a tipicidade do delito de descaminho com base no princípio da insignificância. Por votação unânime, nos termos do voto do relator, Dias Toffoli, a turma concedeu o habeas corpus para restabelecer o acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que manteve a sentença de primeiro grau, que absolveu sumariamente o paciente.
Insignificância regulamentada em portaria
No Distrito Federal, em 2016, Maria Helena solicitou a aplicação do princípio da insignificância sobre o valor de tributos supostamente elididos – cerca de R$ 15 mil. O limite na época era de R$ 20 mil. A Primeira Turma do STF concedeu a ordem de habeas corpus, para o trancamento da ação penal, nos termos do voto do ministro Edson Fachin, vencido o ministro Marco Aurélio.
Em 2013, no Rio Grande do Sul, Márcio tentou a aplicação do princípio da insignificância no caso de tributos não recolhidos totalizando R$ 441. Na época, o valor sonegado não poderia ultrapassar R$ 10 mil. Mas a existência de outros procedimentos administrativo-fiscais em desfavor do paciente, cuja soma dos tributos devidos ultrapassa os R$ 23 mil, impediu a aplicação do princípio da bagatela.
A Portaria 130/2012 estabelece que o procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20 mil, desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.
Máquinas e caminhões na casa do prefeito
O ex-prefeito de Taquaral (SP) Petronílio Vilela foi condenado em 2011 por ter utilizado máquinas e caminhões de propriedade da prefeitura para efetuar terraplanagem no terreno de sua residência. A Segunda Turma do STF cassou a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) para trancar a ação penal, ante a aplicação do princípio da insignificância, nos termos do voto do relator, Gilmar Mendes. A decisão foi unânime.
O prefeito fora condenado pelo TJSP a dois anos de detenção em regime inicial aberto por utilizar, indevidamente, em proveito próprio, bens e serviços públicos. O fato se deu em dezembro de 2004, em mandato anterior do prefeito. Na decisão do STF pesaram dois argumentos: era comum a cessão de equipamentos da prefeitura a cidadãos de Taquaral, com o ressarcimento de mão de obra e combustível; e o valor em discussão era de R$ 40. O prefeito pagou à Prefeitura, em dezembro daquele ano, a importância de R$ 70,00 – R$ 196 atualizados pela inflação – pelo pagamento do combustível e da mão de obra.
Codornas, garrafas, bermuda e furto de R$ 1,8
Impressiona o tempo gasto pelo tribunal com esses julgamentos. No caso das codornas, avaliadas em R$ 16, em 2015, após o voto do relator, Gilmar Mendes, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista da ministra Cármen Lúcia. A Segunda Turma do Supremo, por maioria, restabeleceu o acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que absolveu o paciente pela aplicação do princípio da insignificância.
No caso de 23 garrafas de cerveja e seis de refrigerantes, todas vazias, a Segunda Turma do STF, em votação unânime, nos termos do voto do Relator, Teori Zavascki, restabeleceu a sentença de primeiro grau, na parte em que reconheceu a aplicação do princípio da insignificância e absolveu o paciente pelo delito de furto.
Em maio do ano passado, ano eleitoral, o ministro Alexandre de Morais relatou o caso da bermuda usada. A Primeira Turma do Supremo, reconheceu a incidência do princípio da insignificância e absolveu o acusado, nos termos do voto da ministra Cármen Lúcia, vencidos os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.
Em 2013, a Segunda Turma do STF reconheceu o princípio da insignificância num furto de apenas R$ 6 em Lavras (MG). “Além da insignificância econômica dos bens subtraídos, deve-se destacar que o crime não chegou a se consumar, de modo que da conduta do agente não adveio nenhum prejuízo efetivo à vítima ou à sociedade”, registra a decisão. A Turma, por votação unânime, restabeleceu a sentença de primeiro grau, que, reconhecendo a incidência do princípio da insignificância, absolveu o acusado.
Jairo foi condenado pelo crime de tentativa de furto. Na carteira da vítima havia apenas R$ 1,80. Em abril de 2012. A Segunda Turma do Supremo, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus para reconhecer a atipicidade da conduta e absolver o paciente, nos termos do voto do Relator, ministro Ricardo Lewandowski.
Dois anos de prisão por R$ 4
Marcos foi condenado à pena de 2 anos e 4 meses de reclusão pelo furto de sucata de peças automotivas avaliadas em R$ 4,00, em 2015. Havia o registro de antecedentes criminais (homicídio), mas com ausência de vínculo entre as infrações e não caracterização da reincidência específica. A Segunda Turma do STF, por votação unânime, concedeu a ordem para cassar a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) e trancar a Ação Penal da Vara Criminal de Muriaé, ante a aplicação do princípio da insignificância, nos termos do voto do relator, Gilmar Mendes.
Em março deste ano (2023), João foi preso pelo furto de uma sandália infantil no valor de R$ 30 e um calçado infantil no valor de R$ 40. A decisão da Segunda Turma do Supremo registrou que “o Direito Penal deve ocupar-se apenas de lesões relevantes aos bens jurídicos que lhes são caros”. E citou os critérios para a aplicação do princípio da insignificância: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento.
A Turma, por maioria, concedeu a ordem de habeas corpus a fim de absolver o paciente pela aplicação do princípio da insignificância, nos termos do voto do ministro Ricardo Lewandowski, vencidos os ministros André Mendonça (relator) e Nunes Marques.
Um “simples boné” e uma única bala
César foi julgado no Mato Grosso do Sul, em 2004, pelo furto de “um simples boné”, no valor de R$ 10, como registram os autos do processo. A Segunda Turma do STF destacou que “só a existência de inquéritos policiais ou de processos penais, quer em andamento, quer arquivados, desde que ausente condenação penal irrecorrível, não poderia “dar suporte legitimador à privação cautelar da liberdade do indiciado ou do acusado”. A Turma, por votação unânime, aplicando o princípio da insignificância, deferiu o pedido de habeas corpus.
Jorge Luiz foi condenado pela posse de munição de uso restrito em 2012, sendo apenado em 3 anos e 6 meses de reclusão em regime fechado. Ele guardava em sua residência uma única munição de fuzil (calibre 762). Mas houve uma revisão criminal no caso em 2018. A Procuradoria-Geral da República apontou que a questão “está pendente de análise em sede de revisão criminal, porque, ao que parece, a condenação que gerou a reincidência refere-se ao homônimo ‘José Luiz’. Não há, portanto, óbice à aplicação do princípio da insignificância”. A Segunda Câmara do STF, por votação unânime, em 2018, reconheceu o princípio da insignificância.
Vinícius foi flagrado com 1,8g de maconha. Em setembro de 2021, a Segunda Turma do STF concedeu a ordem de habeas corpus para trancar o processo penal diante da “insignificância da conduta imputada”, nos termos do voto do ministro Gilmar Mendes, redator para o acórdão, e do ministro Edson Fachin.
O blog encaminhou ao STF cópia de todos os casos citados na reportagem e questionou se os ministros poderiam apresentar suas justificativas para as decisões tomadas. O tribunal respondeu que "os fundamentos dos ministros estão em seus votos/decisões".
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