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Lúcio Vaz

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Acima do teto

Quase 600 ações judiciais garantem pagamento de supersalários a servidores públicos

O número de beneficiados pelos supersalários é ainda maior porque muitas das 584 ações judiciais são coletivas.
O número de beneficiados pelos supersalários é ainda maior porque muitas das 584 ações judiciais são coletivas. (Foto: Shutterstock)

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Na base de dados do governo federal constam 594 processos judiciais que isentam servidores públicos e seus pensionistas da aplicação do teto constitucional, que hoje é de R$ 39,3 mil. Os supersalários resultam do acúmulo de salários com aposentadorias e da duplicidade de pensões. Alguns têm renda bruta acima de R$ 80 mil.

Nas universidades federais, 537 ações mantêm servidores e dependentes com remuneração acima do teto por decisão judicial. Mas o órgão que apresenta mais casos é o Ministério da Economia, cujo titular, Paulo Guedes, chamou os servidores de “parasitas” no início de fevereiro.

O teto constitucional é um mecanismo que impede que funcionários ativos e inativos da administração pública recebam salário mensal maior do que a remuneração paga a um ministro do Supremo Tribunal Federal. Para evitar que isso aconteça, aplica-se um redutor sobre o valor bruto do salário chamado "abate-teto". Mas exceções à regra quase sempre judicializam a questão e abrem margem para o pagamento de supersalários.

O número de beneficiados pela Justiça é ainda maior porque muitas das ações são coletivas. O detalhamento do número de casos pelos 69 órgãos públicos do Executivo federal também resulta num número maior porque o mesmo processo judicial pode figurar em dois órgãos ou mais. Isso ocorre porque os autores, em regra, buscam na Justiça que a soma das remunerações recebidas em órgãos ou vínculos (ativo x pensionista; aposentado x pensionista) não se submeta ao limite do teto.

Ou seja, o mesmo processo judicial pode constar no Ministério da Economia fundamentando a devolução de abate-teto no vínculo do servidor ativo, bem como figurar na lista de uma universidade com a qual o servidor possui vínculo de pensionista, por exemplo. O blog identificou também casos de pensões duplas e até tripla, e de dupla aposentadoria.

O ranking dos supersalários

Incluindo os casos de duplicidade, seriam 818 ações beneficiando servidores ativos, aposentados e pensionistas. No Ministério da Economia, há 78 ações que beneficiam ativos e aposentados e 44 que atendem pensionistas – um total de 122. Em segundo lugar está a Universidade Federal do Ceará (UFCE), com 71 casos. São 57 ações favoráveis a servidores e 14 a pensionistas. Entre 40 universidades, as ações mantêm supersalários de 480 servidores e 57 pensionistas.

As Universidades Federais do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul vêm em seguida com 46, 42 e 41 ações judiciais. No Departamento de Servidores Inativos e Pensionistas, que trata de legislações especiais, montepios e anistiados políticos, há 30 casos. No Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), são 28 casos (veja a lista completa abaixo).

Os dados fornecidos ao blog pelo Ministério da Economia foram extraídos da base de dados de ações judiciais na manhã do dia 16 de janeiro deste ano. O quantitativo sofre alteração diária, pelas inclusões de novas decisões judiciais ou exclusão por suspensão dessas medidas.

Quem recebe acima do teto constitucional

O Ministério da Economia não informou nomes de servidores ou pensionistas que recebem acima do teto, mas o blog apurou uma lista de beneficiados a partir de dados oficiais do próprio ministério e do Portal de Transparência da Presidência da República. A folha de pagamento dos pensionistas do governo federal, divulgada a partir de janeiro pela pasta da Economia, é a fonte que mais facilita a busca de informações.

Na UFCE, por exemplo, a pensionista Maria Vital da Rocha recebeu um total de R$ 94,5 mil em janeiro. Ela recebe pensão deixada por Agerson Tabosa, que possuía dois vínculos acumuláveis com a universidade. Segundo afirmou ao blog o pró-reitor de Gestão de Pessoas da UFCE, Marcus Vinícius Machado, o acúmulo de cargos de professor é permitido pelo artigo 37 da Constituição Federal.

Machado informou que Maria vinha recebendo remuneração mensal bruta de R$ 85,5 mil. Ele acrescentou que houve a incidência do abate-teto em cada pensão, individualmente, mas complementou: “houve uma decisão judicial em favor da pensionista restituindo o valor descontado”. Em janeiro, ela recebeu apenas R$ 30 mil líquido. O Ministério da Economia não informa o motivo dos valores descontados.

Pensão tripla

A pensionista Maria Inês Campolina Barbosa, filha maior inválida, recebeu três pensões em janeiro, no valor total de R$ 65,5 mil. Foram pagas duas pensões no valor de R$ 49,5 mil pela Universidade Federal de Minas Gerais e outra de R$ 16 mil pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

As pensões foram deixadas por Mário Couto Barbosa. A UFMG informou ao blog que a pensionista “conta com decisão judicial favorável que impede o abate-teto sobre as pensões recebidas. O valor é abatido pelo SIAPE [Sistema Integrado de Administração de Pessoal] e imediatamente ressarcido pelo mesmo sistema”.

Mônica Maynetto recebeu, em janeiro, duas pensões deixadas pelo professor Theotônio dos Santos Júnior, uma pela Universidade de Brasília e outra pela Universidade Federal Fluminense, num total de R$ 71,6 mil. A UnB, que pagou pensão de R$ 41,1 mil, informou que esse valor se refere à remuneração bruta (sem os descontos compulsórios). Disse ainda que houve a aplicação do abate-teto sobre os supersalários, “com a devida devolução do valor descontado em virtude de decisão judicial”.

As pensões da primeira-dama

A viúva de João Goulart, Maria Thereza, recebeu em janeiro R$ 39,3 mil como viúva de ex-presidente da República e mais R$ 10,4 mil como viúva de anistiado político – um total de R$ 49,7 mil bruto. Ela recebeu líquido R$ 23 mil, mas o Ministério da Economia, que paga essa conta, reafirmou que “não houve incidência de abate-teto, e sim descontos sobre os rendimentos”.

Maria Thereza recebe a pensão como primeira-dama viúva desde a morte de Jango, em 1976, quando ela tinha 36 anos. A pensão como dependente de anistiado teve início em 2008, ano em que ela também recebeu uma bolada de 480 salários mínimos – o equivalente a R$ 500 mil hoje. Ela não sofre abate-teto porque, segundo entendimento do Superior de Justiça (STJ), a pensão de anistiado é uma indenização, não sujeita a esse tipo de desconto.

Maria Sepúlveda recebeu em janeiro duas pensões deixadas por Oscar Gonçalves Sepúlveda, no valor total de R$ 51 mil bruto. Ele deixou as pensões como anistiado político (R$ 39,2 mil) e como professor da Universidade Federal da Bahia (R$ 11,8 mil).

Uma viúva e dois maridos

Meire Brandão recebeu em janeiro, na condição de viúva, pensões deixadas por dois ex-delegados da Polícia Federal, num total de R$ 58,5 mil. Com os descontos, sobraram R$ 35 mil líquidos. Uma pensão começou a ser paga em 1981 e outra em 2008. Questionada se houve aplicação do abate-teto, a PF respondeu que não divulga informações pessoais de seus servidores ou pensionistas.

Dupla aposentadoria

O Portal da Transparência permite apurar casos de supersalários, como acúmulo de aposentadorias no serviço público ou soma de aposentadoria com salário na ativa. Cresus Depes de Gouvea, por exemplo, recebeu em dezembro um total de R$ 64,8 mil como aposentado da Universidade Federal Fluminense. Ele aposentou-se como odontólogo, com jornada de trabalho e 30 horas semanais, e como professor do ensino superior, com dedicação exclusiva. Recebe ainda gratificação como pró-reitor.

Cresus sofreu abate-teto de R$ 25,5 mil, mas a quantia foi automaticamente devolvida em decorrência de decisão judicial. Ele acabou recebendo líquido R$ 44,6 mil.

Virgínia Maria Coser recebeu um total de R$ 57,2 mil como servidora lotada na Universidade Federal de Santa Maria. Ela recebe como médica aposentada da UFSM e como médica ativa no Hospital Universitário da mesma universidade desde 2002. Ela também conta como uma função gratificada como chefe de unidade. Virgínia sofreu redutor constitucional de R$ 17,9 mil, mas o valor foi devolvido por decisão judicial. Restou-lhe líquido o valor de R$ 38,5 mil.

O médico Sérgio Coelho Gomes recebeu R$ 56 mil da Universidade Federal Fluminense em dezembro, parte como médico aposentado e parte como médico no serviço ativo. Sofreu abate-teto de R$ 16,8 mil, mas decisão judicial assegurou o recebimento desse valor. Ganhou líquido R$ 40 mil.

As ações judiciais que garantem supersalários por órgão

Fonte: Ministério da Economia

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