Oficiais de alta patente das Forças Armadas usufruem de uma mordomia que custa R$ 35 milhões por ano ao contribuinte brasileiro. São os chamados taifeiros – militares que prestam serviços domésticos nas residências de oficiais-generais.
Oficialmente são cozinheiro e copeiros, mas muitos deles já sofreram desvio de função e até humilhações, sendo obrigados a atender toda a família dos comandantes, lavar carros, cuidar de cachorros e preparar festas particulares para esposas e filhos dos oficiais.
Existem hoje 292 taifeiros na ativa e outros 135 como inativos, além de 436 pensionistas – um contingente total de 863 pessoas. A Aeronáutica resiste à extinção dessa especialidade polêmica. Conta atualmente com 288 taifeiros na ativa e 31 na reserva, além de 352 pensionistas, a um custo total de R$ 27,4 milhões ao ano. O salário varia de R$ 2,8 mil para taifeiro de 2ª classe e R$ 3,4 mil para taifeiro-mor. Os oficiais-generais da Aeronáutica são o brigadeiro do ar, o major-brigadeiro e o brigadeiro.
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No Exército, o quadro está em extinção – são apenas quatro na ativa –, mas é preciso pagar o salário de 104 inativos e 84 pensionistas. A conta anual fecha em R$ 7,5 milhões. O quadro de taifeiros foi previsto em lei em 1980 e surgiu efetivamente no Exército no ano seguinte por meio de portaria ministerial. A extinção gradual foi determinada a partir de 2007, quando foram especificadas as qualificações copeiro, cozinheiro e despenseiro. Os oficiais-generais do Exército são os generais de Exército, de Divisão e de Brigada.
A Marinha afirma não possuir o quadro de taifeiros. Porém, em ação civil pública movida em 2008 para tentar extinguir a função de taifeiro, o Ministério Público Militar solicitou informações ao Comando da Marinha sobre a utilização de militares em tarefas domésticas nas residências de representação. Diante da resposta do Comando, o MPM concluiu que “não há norma interna prevendo tal prática, todavia a mesma efetivamente acontece”.
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Assim se manifestou o comandante da Marinha: “Inexiste norma interna específica sobre o emprego de pessoal subalterno em tarefas de cunho eminentemente doméstico em residências de superiores hierárquicos. Não obstante, cabe esclarecer que a ausência de normas específicas decorre dos fatos abaixo”.
Informou que os militares que trabalham nas residências oficiais de representação fazem parte da tabela de lotação à qual a residência é vinculada. Essas tarefas são iguais às desempenhadas pelos militares lotados nos quartéis. O almirante de esquadra, o vice-almirante e o contra-almirante são os oficiais-generais da Marinha.
“A qualquer dia e hora”
No papel, as funções dos taifeiros são bastantes específicas. A Aeronáutica afirma que esses militares são responsáveis por serviços especializados como arrumador, cozinheiro, barbearia e viaturas dentro das organizações militares. Mas acrescenta que as residências oficiais também possuem caráter de representação, “por força das atribuições político-estratégicas inerentes aos cargos dos oficiais generais. Assim, eventualmente, há necessidade de relacionamento institucional com autoridades públicas civis, militares, eclesiásticas, além de lideranças da sociedade civil, inclusive de outros países”.
No Exército, as atribuições são descritas na Portaria Ministerial 585/1988. A portaria diz que eles atuam nas dependências do comando das organizações militares com cargo privativo de oficial-general ou na residência do oficial desse comandante.
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Cabe ao taifeiro cozinheiro tarefas como a manutenção de alimentos, confecção de refeições, limpeza, arrumação das dependências, dos utensílios e de todo o material de cozinha. O copeiro/despenseiro cuida da copa e refeitórios, além da arrumação, limpeza e conservação das dependências. Também recebe e encaminha pessoas quando preciso.
Mas a portaria deixa claro que a carga horária semanal é bastante flexível e sem um limite fixado. O seu artigo 4º diz que, devido à natureza peculiar de seus encargos, o taifeiro “não está limitado ao mero cumprimento do horário de expediente de sua organização militar. Sempre que o interesse do serviço exigir, seu concurso poderá ser requisitado a qualquer dia e hora”.
“Atendendo a família do general”
Documento interno do Ministério do Exército, datado de setembro de 1988, mostra a preocupação com a estabilidade dos taifeiros. Diz o documento que, dada a natureza da atividade, “desenvolvida quase sempre junto a pessoas da família do oficial-general, uma falta de afinidade com alguma delas pode, eventualmente, caracterizar inaptidão para a função e consequente desmerecimento da função”.
Em seguida, o documento aborda a questão da carga de trabalho e sugere: “Ao art. 4º da portaria, após a expressão ‘a qualquer dia e hora”, pode-se acrescentar: ‘A carga de trabalho semanal, contudo, não poderá exceder a 60 horas, sendo assegurada uma folga que abranja, integralmente o sábado ou o domingo”.
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Depoimentos colhidos pela ação pública movida pelo MPM revelam abusos e desvios de função. Um taifeiro cozinheiro foi punido em Bagé (RS) apenas porque pediu a transferência da residência de um general para o rancho (refeitório no quartel). Outro taifeiro era obrigado a levar uma empregada doméstica para fazer faxina numa casa de praia de um brigadeiro localizada em outro município.
No Rio de Janeiro, um taifeiro afirmou que, na Vila Militar da Barra da Tijuca, existiam oito casas destinadas a oficiais generais da Aeronáutica, cada uma delas com dois ou três militares cozinheiros e arrumadores. Brigadeiros que moravam fora da vila militar também tinham direito a taifeiros em suas residências particulares.
Nos depoimentos também são relatadas atividades totalmente fora dar normas legais como buscar parentes dos oficiais-generais no aeroporto, fazer compras em supermercados, tomar conta de idosos, crianças e animais domésticos, e preparar festinhas para familiares dos militares. Eram comuns desavenças entre os taifeiros e as esposas dos oficiais, que davam as ordens de serviço nas residências oficiais.
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