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No mais recente julgamento de contas do Supremo Tribunal Federal (STF), em outubro do ano passado, mas relativo ao exercício de 2017, o Tribunal de Contas da União (TCU) relatou irregularidades na concessão de passagens, diárias, auxílio-moradia e ajuda de custo. Mas aprovou as contas. O STF informa que não terá as contas de 2018 julgadas pelo TCU. Isso porque não foi incluído na lista de órgãos públicos que terão contas apreciadas – selecionados pela corte de contas anualmente.
No julgamento das contas de 2017, o TCU relatou que auditoria interna do Supremo apurou a concessão de passagens para uso fora do objeto de serviço dentro da “Cota Anual”. Cada ministro conta com uma cota anual de R$ 60 mil para a compra de passagens aéreas nacionais em viagens de “representação institucional”. Não podem usar essa cota em viagens para proferir palestras remuneradas, dar aulas, tratar de interesses particulares ou comprar passagens para esposas e parentes – fatos que aconteceram em anos recentes.
A auditoria do Controle Interno do STF nos exercícios de 2016 e 2017 identificou deficiências de controle na emissão de passagens aéreas, no cálculo e pagamento das diárias, na comprovação de uso do bilhete e dos serviços objeto das diárias. A auditoria resultou em 43 recomendações, mas 23% delas não foram implementadas.
“Risco à imagem do STF”
O Controle Interno alertou, então, dos riscos do não atendimento às recomendações: pagamentos indevidos das cotas anual e mensal, em decorrência da falta de amparo legal, da infringência de leis e da não observância de princípios constitucionais, “a exemplo da supremacia do interesse público, da legalidade, da impessoalidade e da moralidade”. E mais: “Risco à imagem do STF e do Judiciário, em virtude da manutenção de pagamentos ilegais e que violam o interesse público”.
Em decisão anterior, em julho de 2019, o TCU já havia recomentado que, no caso de passagens decorrentes de cotas anuais a ministros, a concessão deve ser vinculada a objetivo de representação institucional. Também determinou ao STF a publicação, na sua página na internet, de informações sobre concessão de passagens aéreas aos respectivos ministros, incluindo aquelas custeadas por meio de cotas para fins de representação, em atendimento à Lei de Acesso à Informação.
Mas a decisão do TCU abriu uma brecha, indicando a publicação de “extrato de despesas mensais por autoridade”. É o que o Supremo está fazendo atualmente. Publica o gasto mensal por ministro com passagens aéreas, mas sem detalhar data, destino, custo e motivo de cada voo. Isso não permite ao cidadão verificar se a viagem atendeu a interesse particular ou de serviço.
A corte de contas considerou “suficiente”, naquele momento, “dar ciência” de que a concessão de passagens a ministros, servidores, juízes designados para atuar no tribunal e colaboradores deve ficar restritas a viagens de serviço ou motivadas por justificado interesse institucional. Enfim, exigências que já existiam, embora nem sempre cumpridas.
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Viagens para terra natal e título de cidadão
O limite para o uso de passagens aéreas pelos ministros foi de R$ 50,4 mil em 2017. Em 2018, passou para R$ 51,8 mil. Naquela época, os voos eram detalhados. Reportagem do blog mostrou que o ministro Luiz Fux viajava bastante, sempre para o Rio de Janeiro – sua terra natal e onde iniciou a carreira de magistrado. Suas viagens tinham muitas remarcações ou reembolsos. O trecho Rio/Brasília/Rio custava de R$ 284 a R$ 2 mil. Os reembolsos e cancelamentos de voos dificultavam o cálculo exato da despesa de cada ministro durante o ano.
Em 28 de abril de 2018, uma sexta-feira, por exemplo, o ministro Edson Fachin esteve em Toledo (PR) para receber da Câmara Municipal o título de cidadão honorário. As passagens do ministro custaram R$ 1,7 mil. Mas houve mais despesas naquele final de semana. Uma assessora do gabinete gastou R$ 3 mil entre passagens e diárias. O deslocamento de quatro agentes de segurança da Justiça Federal do Paraná custou mais R$ 9,4 mil em diárias.
Auxílio-moradia
O Controle Interno também apontou irregularidades na concessão de ajuda de custo, que paga despesas com mudança, e de auxílio-moradia, tais como a não exigência de documento fiscal para indenização de despesas com transporte nas concessões de ajuda de custo, a inadequação do controle para comprovação do pagamento do aluguel e ausência de destinação para imóvel funcional.
A auditoria concluiu que as deficiências de controle permitiram o pagamento de auxílio-moradia com base em documentos insuficientes para a sua validade ou sem a apresentação do contrato de aluguel. Houve ressarcimento de despesa a pessoa distinta do favorecido. Não foram divulgados os nomes dos magistrados ou servidores envolvidos nas irregularidades.
Havia casos de imóveis que o tribunal não havia definido se era mais vantajoso ficar com eles ou devolvê-lo à União. Essa situação impõe “duplo encargo”, com pagamento de taxas de manutenção de imóvel funcional sem uso e o pagamento de auxílio-moradia a favorecido que poderia estar ocupando um imóvel que está desocupado.
Mas o TCU registrou que o STF, em decorrência da auditoria, “implementou ações que visam tornar os controles de gestão mais eficientes, o que possibilitará a mitigação dos riscos das atividades de concessão de ajuda de custo e de auxílio-moradia, em especial, o risco de prejuízo financeiro”.
Contas integralmente aprovadas, diz STF
O STF afirmou ao blog que a prestação de contas de 2017 foi integralmente aprovada pelo TCU, “o que significa que os pontos levantados pela auditoria não foram acolhidos pela Corte de Contas. De qualquer forma, atualmente a concessão de ajuda de custo, diárias e passagens está disciplinada por novas normas internas, que não existiam ao tempo em que foram realizadas as auditorias. Importante destacar que as normas internas apenas detalham os benefícios previstos na Lei 8.112/1991”.
O Supremo acrescentou que as despesas com passagens e as diárias pagas pelo STF estão divulgadas na página de transparência do tribunal, “somente não sendo detalhadas as passagens que comprometam a segurança das autoridades, embora o custo esteja integralmente divulgado”.
Quanto ao auxílio-moradia, destacou que os requisitos para o recebimento do benefício estão previstos na Lei 8.112/1991. “Todos os pagamentos e seus beneficiários estão divulgados na página de transparência do STF. A auditoria do Tribunal apontou pontos de melhoria no controle do benefício, mas não apontou a existência de prejuízo à Administração Pública, principalmente porque são poucos os beneficiários, o que facilita a gestão. Esses pontos estão sendo objeto de avaliação para edição de nova norma interna”.
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Questionado pelo blog por que não vai julgar as contas do STF relativas a 2018, o TCU afirmou que, desde 2010, por força de decisão normativa do próprio tribunal, “julga apenas parte das contas que são apresentadas. Os órgãos que terão suas contas julgadas são definidos conforme critérios como riscos envolvidos da gestão, materialidade, relevância e apontamentos de auditorias pretéritas”.
A corte de contas acrescentou que “a prestação de contas anual do gestor público é um dever constitucional e envolve duas etapas: a apresentação das informações que a compõe e o julgamento pelo TCU. A competência do TCU para estabelecer regras acerca da prestação de contas é dada pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica do TCU”.