A compra de ônibus escolares foi ampliada na última década, mas caminhões e caminhonetes “pau de arara” e ônibus com mais de 30 anos de uso continuam sendo utilizados no transporte de estudantes em estados do Nordeste brasileiro. Os veículos, sem cinto de segurança, têm bancos rasgados, pneus carecas, motor descoberto, vidros quebrados e galões de gasolina no seu interior.
Em fevereiro do ano passado, em Choró (CE), foram encontrados uma caminhonete com 27 anos de uso e um caminhão com 24 anos, com banco de madeira solto na carroceria. O veículo tinha pneus completamente desgastados. Em dezembro de 2018, a Prefeitura de Massapê (PI) utilizava 15 caminhonetes e cinco caminhões no seu transporte escolar.
As irregularidades foram apontadas pela Controladoria Geral da União (CGU), em auditorias realizados nos municípios, fiscalizando o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate).
O programa Caminho da Escola, para a compra de ônibus, minguou no governo Temer e retomou os investimentos do governo Bolsonaro, mas ainda longe das cifras registradas no primeiro mandato do governo Dilma, quando foram gastos R$ 1,7 bilhão, em valores atualizados – dinheiro suficiente para comprar 8 mil ônibus. O governo Bolsonaro entregou 1,3 mil ônibus no ano passado – um investimento em torno de R$ 300 milhões.
Veículos velhos, vidros quebrados
Em Choró, no sertão do Ceará, na vistoria de 19 veículos de transporte escolar, os auditores apuraram que a média de idade era de 17 anos. Dois deles rodavam havia 27 anos, desde 1992. O limite de idade estabelecido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é de sete anos.
Em outros dois veículos, sem placas, foi impossível avaliar a idade. Vários veículos tinham pneus carecas. Em três micro-ônibus, janelas laterais ou o para-brisa estavam quebrados. Outro transitava com a tampa do motor aberta próximo à porta de entrada, no interior do veículo.
Em Pocinhos (PB), os trabalhos de campo foram realizados em setembro de 2019. O maior problema era o precário estado de conservação dos veículos, decorrente dos anos de uso. Foram analisados 34 veículos. A média de idade dos 12 ônibus era de 29 anos, sendo três deles com 36 anos – desde 1983. Foram inspecionados também 22 veículos de passeio. A metade tinha mais de 15 anos. Uma Parati e uma Marajó estavam na estrada havia 30 anos.
Foram encontrados veículos com assentos deteriorados, sujos, sem cinto de segurança, sem retrovisor, sem identificação de que transporte escolar e com pneus lisos e sem ranhuras nas bandas de borracha.
Bancos rasgados, com ferragens expostas
O pior estado de conservação no interior dos veículos foi encontrado em Anapurus (MA), em agosto do ano passado. Bancos de ônibus estavam com capas rasgadas e sem parte da espuma de proteção, com barras de ferro expostas, gerando riscos em caso de acidentes. Num deles, o extintor de incêndio se encontrava com a validade vencida havia 5 anos. Outro ônibus sequer tinha o equipamento. Em 10 veículos não havia pneu estepe.
Onze veículos locados pela Prefeitura de Anapurus em 2017 e 2018 tinham idade média de 17 anos, um deles com 23 anos de uso. Os veículos alugados em 2019 tinham idade média de 18 anos, sendo quatro com mais de 20 anos. O mais velho trafegava havia 24 anos.
Em Mata Roma (MA), a CGU constatou que a frota de veículos de transporte escolar é formada, em sua maior parte, de veículos antigos, com idade média de 18 anos. Oito deles têm mais de 20 anos de fabricação. O mais antigo tem um quarto de século, rodando desde 1994.
O resultado são ônibus com bancos danificados, com forração rasgada e espuma de proteção expostas e avariadas. Faltam cintos de segurança e lanternas nas extremidades dianteira e traseira. A vistoria de campo foi feita em setembro de 2019.
Cinco ônibus escolares foram encontrados abandonados pelos auditores na garagem da Prefeitura de Curralinho (PA) em agosto do ano passado. Apesar de aparentemente novos, estão abandonados e seus acessórios estão sendo retirados, tais como baterias, pneus e extintores de incêndio.
A inspeção física foi realizada a pedido vereadores do município de Curralinho/PA que relataram a situação de abandono dos ônibus do programa Caminho da Escola no início de 2018.
Risco de escalpelamento
Não apenas ônibus e caminhões foram fiscalizados. Em Curralinho (PA), parte da frota de barcos utilizada para o transporte escolar não possui condições de segurança. Em trabalho de campo realizado em agosto do ano passado, constatou-se que esses barcos não possuem itens de segurança obrigatórios como coletes salva-vidas, luzes de navegação e nome nos dois bordos.
Nas embarcações que prestam os serviços de transporte escolar na escola Furo Grande, os auditores apuraram irregularidades ainda mais graves, como barco sem a cobertura do eixo do motor e com tanque de combustível improvisado – um galão de plástico. O barco não possui registro expedido pela Capitania dos Portos, e o piloto não possui habilitação expedida pela Marinha.
Posteriormente, a empresa adotou providências em relação ao eixo do motor, porém, em relação ao tanque de combustível improvisado, ainda persiste a situação de perigo, registraram os auditores. Na conclusão do trabalho, eles alertaram que o eixo do motor descoberto pode causar escalpelamento dos usuários, ocorrência muito frequente nos rios da Amazônia. Isso ocorre quando os cabelos de usuários do barco são fisgados pelo eixo da máquina, e o couro cabeludo é arrancado por inteiro.
Em Porto da Folha (SE), dos 21 veículos examinados, seis estavam transportando alunos das escolas com lotação acima da capacidade. Dos 38 veículos examinados, 33 tinham mais de sete anos de fabricação, sendo 16 com mais de 15 anos. Quatro tinham 20 anos de uso e um deles chegava aos 22 anos. Um deles tinha bancos com a cobertura de plástico rasgada, como mostra fotografia feita em maio de 2019.
A frota de veículos do transporte escolar em Santo Antônio do Tauá (PA) não possui condições de segurança e trafegabilidade, concluiu a CGU. Os veículos próprios da prefeitura – quatro ônibus e um barco – não possuem extintores de incêndio nem cintos de segurança. Há um ônibus com uma janela quebrada e outro com janela amarrada por cordas. Um terceiro tem as poltronas completamente rasgadas, com a espuma e barras de ferro expostas. A auditoria foi realizada em abril de 2019.
"Paus de arara" são ilegais
Vinte veículos utilizados no transporte escolar em Massapê do Piauí são “paus de arara – 15 caminhonetes GM/ D-20 e cinco caminhões, dois Ford F-4000 e três Ford F-1000. Segundo a CGU, são inadequados a esse tipo de transporte, pois não possuem bancos individuais com cintos de segurança e não atendem a outras exigências estabelecidas pela legislação.
Os auditores concluíram o tipo de transporte utilizado em Massapê “coloca em risco a segurança dos alunos transportados”. Eles citaram acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) que decidiu, em caso semelhante, ter ocorrido “infração grave à lei, com evidente risco à segurança de crianças e adolescentes”.
A prefeitura local afirmou que “nunca ocorreu nenhum acidente com veículo de transporte escolar do município nos exercícios financeiros objeto da auditoria”. Acrescentou que entende ser “muito mais seguro” que o transporte de alunos pelas estradas vicinais e dificultosas seja realizado por “veículo algumas vezes fora do padrão”, que por meio de ônibus.
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