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Fachada do Tribunal Regional  Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.
Fachada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre.| Foto: Diego Beck/TRF4

Os tribunais de Justiça aproveitaram a “sobra de caixa” durante a pandemia e pagaram R$ 2,3 bilhões a juízes com “penduricalhos” como retroativos, indenização de férias e exercício cumulativo. Dinheiro suficiente para comprar 45 milhões de doses de vacina. Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (JMG) pagou numa bolada R$ 104 milhões de retroativos. Naquele mês, 600 magistrados tiveram renda bruta acima de R$ 200 mil. O juiz José de Anchieta recebeu R$ 618 mil – o equivalente a 2,5 mil auxílios-emergenciais.

Os maiores pagamentos foram feitos pelo TJMG – cerca de R$ 400 milhões, sendo R$ 326 com retroativos e R$ 75 milhões com indenização de férias. No mesmo mês, os Tribunais Regionais Federais pagaram mais RR 129 milhões em retroativos. A desembargadora Silvia Maria Goraieb, do TRF4, teve renda bruta de R$ 482 mil. O desembargador Leonardo Meurer Brasil, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, recebeu R$ 573 mil, sendo R$ 520 mil de retroativos – gerados por dívidas antigas dos tribunais para com os juízes. São pagos quando há sobras no orçamento.

Na soma dos 30 maiores tribunais – incluindo os tribunais de Justiça dos estados, regionais federais e do trabalho – as despesas com pagamentos retroativos somaram R$ 810 milhões de março de 2020 a junho deste ano. Os gastos com indenização de férias chegaram a R$ 525 milhões. As gratificações por exercício cumulativo somaram R$ 509 milhões, enquanto as substituições renderam R$ 103 milhões.

Boladas de R$ 300 mil no TJMG

O maior volume de pagamentos extras no TJMG durante a pandemia foi de retroativos – R$ 326 milhões. O tribunal afirmou ao blog que os pagamentos efetuados nas folhas de dezembro de 2020 (R$ 104 milhões) e abril de 2021 (R$$ 96 milhões) referem-se à Parcela de Equivalência Salarial (PAE) – correspondente ao valor do auxílio-moradia pagos aos parlamentares federais, entre setembro de 1994 a dezembro de 1997, e estendido aos magistrados.

Cerca de 20 desembargadores aposentados do TJMG receberam mais de R$ 600 mil em retroativos de março de 2020 a junho de 2021. Luiz Carlos Biasutti levou R$ 681 mil. Paulo Tinoco, 690 mil; e Caenato Carelos, R$ 729 mil.

As maiores “boladas” num único mês resultaram das indenizações de férias-prêmio. O juiz Célio Marcelino da Silva recebeu um total de R$ 390 mil com essas indenizações, sendo R$ 350 mil em março deste ano. Naquele mês, ele recebeu R$ 426 mil bruto e R$ 411 mil líquido. Como a maior parte é relativa a indenizações, pagou apenas R$ 6,4 mil de imposto de renda. O juiz Calvino Campos ganhou R$ 389 mil de férias prêmio, sendo R$ 336 mil em novembro de novembro de 2020. A sua renda bruta chegou a R$ 426 mil bruto e R$ 409 mil líquido.

O juiz José de Anchieta foi recordista de renda bruta (R$ 618 mil) porque recebeu R$ 334 mil de férias-prêmio, R$ 189 mil de retroativos e R$ 19,6 mil de indenização de férias em dezembro do ano passado. O seu subsídio (salário base) é de R$ 35,5 mil. A renda líquida naquele mês foi de R$ 575 mil.

Pagamento de férias é rotina

O TJMG afirmou que a PAE é um “passivo devidamente reconhecido, conforme previsão legal, que vem sendo pago, parceladamente, observada a disponibilidade orçamentária/financeira deste tribunal”. O tribunal acrescentou que “a suspensão de férias regulamentares neste tribunal ocorre por imperiosa necessidade e conveniência do serviço público e, não havendo possibilidade de fruição, são indenizadas”, observada a legislação (Resolução 133/2011 do CNJ e Lei Orgânica da Magistratura Nacional) e a disponibilidade orçamentária/financeira do Tribunal.

Em resposta enviada ao blog em abril do ano passado, o TJMG afirmou que “a conversão de férias e/ou férias-prêmio em pagamento em espécie está prevista na legislação e é efetuada rotineiramente pelo TJMG, mediante requerimento dos magistrados. É comum, ainda, que alguns magistrados acumulem as férias-prêmio a que têm direito ao longo da carreira para receberem junto com o ato da aposentadoria, o que gera, eventualmente, valores mais expressivos”.

A gastança da Justiça Federal

Os cinco Tribunais Regionais Federais também gastaram bastante com penduricalhos durante a pandemia – um total de R$ 427 milhões. A maior parte foi aplicada em gratificações por exercício cumulativo (R$ 266 milhões) e nos pagamentos retroativos (R$ 133 milhões), onde foram registradas as maiores “boladas”.

Em dezembro do ano passado, 206 magistrados do TRF da 4ª Região receberam um total de R$ 30 milhões em retroativos. A desembargadora aposentada Silvia Maria Goraieb recebeu R$ 412 mil. A sua renda bruta chegou a R$ 482 mil, mas pagou R$ 111 mil de imposto de renda.

No mesmo mês, no TRF da 3ª Região, 183 magistrados receberam um total de R$ 31 milhões em retroativos. Trinta e dois pagamentos foram acima de R$ 200 mil. O desembargador aposentado Fábio Prieto de Souza recebeu R$ 399 mil. A sua renda bruta chegou a R$ 434 mil.

No TRF da 2ª Região, o desembargador Aluísio Gonçalves de Castro Mendes recebeu R$ 338 mil em dezembro do ano passado. Sua renda bruta alcançou R$ 400 mil, mas o “leão” comeu R$ 58 mil. Nesse TRF, 116 magistrados receberam um total de R$ 20,9 milhões naquele mês – quase a totalidade de tudo o que foi pago desde setembro de 2017 – R$ R$ 22,1 milhões com retroativos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) gastou R$ 160 milhões com retroativos e R$ 127 milhões com indenizações de férias. O tribunal afirmou ao blog que os pagamentos retroativos se referem às diferenças salariais não recebidas à época em que foram reconhecidas. "À vista das restrições orçamentárias do Judiciário paulista, os pagamentos de valores devidos são realizados de forma parcelada. Vale ressaltar que, dentre as medidas adotadas pelo TJSP para o enfrentamento da pandemia do coronavírus, foi determinada a redução de 50% nos pagamentos de verbas retroativas creditadas aos magistrados e servidores, no período de 8 meses (maio a dezembro de 2020).

O tribunal acrescentou que o acúmulo de saldo de férias se deve pelo "indeferimento de seu usufruto por absoluta necessidade de serviço. Assim como as verbas retroativas, os pagamentos são efetuados de forma parcelada por conta das restrições orçamentárias, de modo que os pagamentos de férias também sofreram corte de 50% no período de maio a dezembro de 2020".

De onde vêm as “sobras”

Os TRFs foram questionados por que esses pagamentos extras foram concentrados justamente no período da pandemia da Covid-19. O TRF5 afirmou que alguns casos, dependem de “sobra orçamentária” do tribunal e das seções judiciárias: “No caso do TRF5, essa sobra orçamentária foi possível devido ao regime de teletrabalho adotado durante a pandemia. Por estarem trabalhando de suas residências, magistrados e servidores colaboraram com uma economia bastante significativa nas despesas administrativas das unidades judiciárias da 5ª Região”.

Pesquisa elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que o Poder Judiciário, em 2020, gastou R$ 2,98 bilhões com contratos de vigilância, limpeza, água e esgoto, energia elétrica, motoristas, manutenção de veículos, impressões e telefonia; com compras de papel, água envasada e copo descartável.

Em 2019, os gastos haviam chegado a R$ 3,5 bilhões. Assim, houve uma economia de R$ 541 milhões em 2020 – 15,4% em comparação ao gasto do ano anterior. É bem menos do que foi gasto com os penduricalhos, mas ainda daria para comprar mais de 10 milhões de doses de vacina.

Como exemplo, o consumo de papel em 2020 ficou em 507 milhões de folhas – uma redução de 679 milhões de folhas em relação ao ano anterior. O gasto com água mineral caiu de R$ 15 milhões para R$ 6 milhões. O consumo de energia elétrica caiu de R$ 824 milhões para R$ 591 milhões. As despesas com serviços de limpeza caíram de R$ 915 milhões para R$ 813 milhões. Os gastos com contratos de vigilância, de R$ 1,04 bilhão para R$ 958 milhões.

Economia teria permitido pagamentos

O TRF5 afirmou que “foi justamente essa economia que possibilitou o pagamento de despesas de exercícios anteriores que se encontravam pendentes de liquidação até dezembro/2020, bem como grandes investimentos na área de tecnologia da informação, que garantiram o trabalho remoto e a não interrupção dos serviços prestados aos cidadãos”.

Sobre os R$ 33 milhões gastos com gratificação por exercício cumulativo, o TRF5 afirmou que existem 68 cargos vagos na 5ª região, que não podem ser preenchidos por maio de concurso: “O acúmulo de funções ocorre em razão disso”.

O TRF3 justificou o acúmulo de pagamentos de retroativos em dezembro de 2020. Afirmou ao blog que o CNJ liberou naquele mês o orçamento para o Poder Judiciário quitar o retroativo da PAE. “Essas parcelas deveriam ter sido pagas anteriormente.

O blog perguntou ao TRF2 por que houve essa concentração de pagamentos no final de 2020. O tribunal respondeu que o pagamento de eventuais passivos administrativos devidos a servidores e magistrados é realizado de acordo com normas do Conselho da Justiça Federal (CJF). “Ocorre que, desde 2018, nenhum pagamento neste sentido ocorreu, gerando o acúmulo dos passivos administrativos citados. Somente em dezembro de 2020, três anos após o último pagamento, o CJF efetuou a liberação dos recursos financeiros para dar quitação aos passivos devidos”.

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