A Controladoria-Geral da União (CGU) concluiu que a empresa líder do consórcio contratado pela prefeitura de Campo Grande (MS) para implantação de prontuário eletrônico apresentou carta de fiança falsa, emitida pelo “Banco dos Estados S/A”, que teve a sua falência decretada em 1957.
Secretário municipal de Saúde na época, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), agora indicado para ministro da Saúde de Bolsonaro, é investigado por improbidade administrativa por ter supostamente recebido benefícios (viagens aéreas nacionais e internacionais), custeados pela empresa contratada.
Os auditores também afirmaram que o endereço registrado pela Telemídia & Technology International, na Rua Uruguai, em Santana de Parnaíba (SP), seria falso. Com base em imagem da ferramenta Google Street View, registrada em 2011, a equipe de auditoria concluiu: “a provável localização do nº 432 é o terreno baldio entre os dois carros da foto. De acordo com a imagem, cerca de dois anos após a sessão de abertura e julgamento da concorrência, em 13 de setembro de 2009, o endereço da sede informado pela Telemídia naquela data era falso, pois não existe qualquer empresa sediada no local”.
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O relatório apontou a prática de ato de improbidade administrativa e de tráfico de influência por Mandetta, “em virtude do recebimento indevido e imoral de benefício (viagens aéreas nacionais e internacionais), custeado por uma empresa contratada pela administração municipal em um certame licitatório eivado de vícios insanáveis que direcionaram a adjudicação do objeto licitado e acarretaram em pagamentos indevidos sem a plena execução dos serviços contratados”.
Documento falso
Para a CGU, houve “fraude documental no processo licitatório, mediante a apresentação de documentos financeiros forjados” por parte do consórcio contratado pela Prefeitura de Campo Grande, como garantia da execução do contrato resultante do convênio nº 1.051/2008.
A Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul, que investigou a regularidade na aplicação de recursos públicos na saúde, enviou à Controladoria a seguinte informação sobre a garantia de execução do contrato:
“O Banco Central do Brasil, em resposta à consulta oficial desta CPI, informa que a mencionada instituição [Banco dos Estados] teve a sua falência decretada em 22 de fevereiro de 1957 e, apesar de levantada a falência, não obteve deferimento no pedido de autorização para reiniciar suas atividades”, diz ofício da CPI.
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A equipe de auditoria procurou, então, confirmar a falsidade documental da garantia prestada pela empresa Telemídia. Pelo Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) da Secretaria da Receita Federal, a sede do banco seria na Avenida Marechal Câmara, 160, sala 607, no Centro do Rio de Janeiro. Foram obtidas as seguintes informações no Banco Central (BCB), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Superintendência de Seguros Privados (Susep):
Banco Central: o Banco dos Estados não consta dentre as instituições financeiras autorizadas a operar no mercado nacional financeiro. Além disso, na pesquisa das empresas sob regime especial, ficou comprovado que o Banco dos Estados teve suas atividades encerradas em 22 de fevereiro de 1957.
CVM: o Banco dos Estados não consta dentre as instituições financeiras autorizadas a operar no mercado nacional de valores mobiliários.
Susep: o Banco dos Estados não consta dentre as entidades supervisionadas ou em regime especial (intervenção, liquidação extrajudicial e intervenção ordinária) autorizadas a operar no mercado nacional de seguros privados.
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Os auditores constataram também que página eletrônica do banco não existia. O acesso era direcionado para a página www.site.com.br. Pesquisando-se o Registro de Domínios para a Internet no Brasil, constatou-se que o endereço eletrônico do Banco dos Estados fora criado em 18 de março de 2009 (sete meses antes da emissão da referida carta fiança) por A. H. L. M., que possui o mesmo endereço e telefone do diretor do banco.
Para afastar qualquer dúvida, foi realizada visita ao endereço da suposta sede do Banco dos Estados no Rio de Janeiro, em 11 de fevereiro de 2014, sendo constatada a inexistência daquela entidade.
“Assim, verifica-se que o documento apresentado é falso, tendo sido forjado pela empresa Telemídia & Technology International a fim atender as disposições constantes do edital e, assegurar a assinatura do contrato”, conclui o relatório.
Instituição não autorizada
Posteriormente, a empresa Telemídia, em virtude das três prorrogações de vigência do contrato, apresentou nova carta fiança, emitida pelo Besty Merchand Bank em 9 de março de 2012. Nova pesquisa foi feita.
Em consulta ao Banco Central, CVM e Susep, ficou constatado que a referida entidade não consta dentre as instituições autorizadas por esses órgãos reguladores a operar no mercado financeiro ou de seguros privados. A equipe de auditoria realizou consulta, em fevereiro de 2014, por meio do aplicativo Google Street View, no endereço da suposta sede do BMB Bank, tendo sido constatada a inexistência da suposta entidade no endereço em questão, no Bairro Indianópolis, São Paulo.
“Diante dos fatos apurados, ficou evidenciada a ocorrência de fraude na Concorrência nº 025/2009, em virtude da apresentação pela empresa Telemídia, como garantia do contrato nº 305-A, de cartas de fiança falsas, emitidas por entidades sem autorização dos órgãos competentes para operação nos mercados financeiro e de seguros privados nacional (BACEN, CVM e SUSEP) e que efetivamente não existem”, concluiu o relatório da CGU.
Aumento da capital suspeito
A Controladoria analisou a documentação da habilitação das empresas integrantes do consórcio e constatou situações que “reforçam a ocorrência de direcionamento do objeto licitado ao consórcio vencedor”.
Além do endereço considerado como falso, a CGU observou o expressivo aumento do capital social das duas empresas, Estrela Marinha e Telemídia & Technology. O edital da concorrência exigia capital social igual ou superior a 10% do valor da licitação (R$ 998 mil).
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“As empresas promoveram alterações substanciais em seus capitais em datas muito próximas, coincidentemente, pouco mais de quatro meses após a celebração do convênio entre a prefeitura e o Ministério da Saúde e pouco mais de três meses antes da publicação do edital da concorrência”, diz o relatório. A Estrela Marinha elevou o seu capital de R$ 10 mil para R$ 600 mil, em 25 de novembro de 2008; e a Telemídia, de R$ 600 mil para R$ 1,2 milhão, em 30 de janeiro de 2009.
“Isso indica que as pessoas responsáveis por essas duas empresas poderiam já ter obtido informações do teor da minuta do edital da referida licitação previamente a sua publicação e promoveram o aumento dos respectivos capitais sociais visando se adequarem às regras que seriam impostas pela Prefeitura de Campo Grande para a contratação futura. Ressalta-se que tais informações eram de conhecimento somente de membros do Poder Público Municipal”, afirmam os auditores.
Quadro de funcionários duplicados
A CGU apurou, ainda, que os quadros de empregados de ambas as empresas eram reduzidos de 2006 a 2008. Porém, em 2009, a partir de 1º de setembro, cinco dias após a celebração do contrato nº 305-A com a prefeitura, o quadro de funcionários da Telemídia quadruplicou, enquanto o da Estrela Marinha dobrou em agosto do mesmo ano.
Em 1º de julho de 2009, 12 dias antes da sessão de abertura e julgamento da concorrência, a Estrela Marinha contratou o engenheiro da computação que seria o responsável técnico da empresa durante a execução do contrato. De acordo com os dados obtidos pela equipe de auditoria na RAIS, esse profissional foi desligado da empresa em 1º de setembro, dois meses após sua admissão e cinco dias após a celebração do contrato para a implantação do GISA.
A Controladoria concluiu também que “a subcontratação ilegal” da empresa Alert Serviços de Licenciamento, ocorrida em junho de 2011, na tentativa de se concluir o desenvolvimento e a implantação do sistema Gisa, demonstra que tanto a Telemídia quanto a Estrela Marinha “não detinham a expertise necessária para a execução do convênio e foram indevidamente habilitadas pela Comissão Permanente de Licitação”.
O blog procurou a assessoria do deputado Mandetta, enviou cópia dos trechos do relatório da CGU citados nesta reportagem e solicitou uma entrevista. Não houve resposta do deputado. A sua assessoria argumentou apenas que o futuro ministro, então secretário municipal, não tinha a atribuição de checar a veracidade dos documentos apresentados pelas empresas integrantes do consórcio.
A assessoria também protestou pelo fato de o blog estar citando apenas o deputado, quando o número de investigados no inquérito chega a 22. A investigação judicial está em segredo de Justiça.
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