Sob sigilo, sem prestação de contas ao público, a verba de representação de embaixadores brasileiros no exterior cobre despesas como almoços e jantares de trabalho. O valor chega a US$ 13,6 mil – o equivalente a R$ 75 mil hoje. O Itamaraty paga ainda 13º sobre a verba de representação e outras indenizações. Como se tratam de indenizações, não incidem sobre Imposto de Renda, não têm desconto de contribuição previdenciária nem entram no cálculo do abate-teto.
Em junho, quando houve antecipação do 13º da remuneração básica e das indenizações, o embaixador brasileiro em Tóquio, Eduardo Paes Saboia, por exemplo, teve renda total de R$ 200 mil. Só a verba de representação chegou a R$ 112 mil. O embaixador em Libreville, no Gabão, Appio Muniz Acquarone, recebeu um total de R$ 206 mil – quase sete vezes o salário do presidente da República. A segunda parcela da “gratificação natalina” será paga em dezembro. Tudo dentro da lei.
O Ministério das Relações Exteriores afirmou ao blog que a gratificação natalina (13º) incide sobre todas as rubricas do contracheque, incluindo Irex: “Por essa razão, no mês de junho, quando normalmente é paga a primeira parcela daquela gratificação, observa-se aumento de 50% no dispêndio com a folha de pagamento, o que volta a ocorrer em dezembro, quando se paga a segunda e última parcela”.
“Não há contas a prestar”
Diante da falta de transparência do Ministério das Relações Exteriores, o blog buscou informações na Associação dos Diplomatas Brasileiros, que respondeu: “Irex é indenização. Não há contas a prestar, deve ser interpretada como parte do salário. Educação dos filhos entra nessas despesas, o aluguel não coberto pela RF, comida, despesas médicas, por exemplo”. Argumentou ainda que almoços e jantares de trabalho “são parte fundamental da articulação com outros representantes de Estado, assim como também se pratica na iniciativa privada”.
O blog solicitou detalhes sobre gastos feitos com a representação no exterior (Irex) e outras indenizações. A assessoria da associação informou, como exemplo, que o serviço de garçom fica de 200 a 250 euros – de R$ 1,3 mil a R$ 1,6 mil. Uma consulta médica custa a partir de 300 euros – quase R$ 2 mil. Despesas com eletricidade chegam a R$ 1,5 mil. “Uma escola internacional de ensino fundamental custa em média R$ 140 mil reais o ano. Há países onde se exige pagamento adiantado de educação e aluguel”, diz nota da assessoria.
Em reportagem publicada no dia 1º de outubro, o blog mostrou que o 13º das verbas indenizatórias, pago em junho, levou a renda de embaixadores do Brasil no exterior até R$ 166 mil, caso do embaixador em Tóquio. Isso sem contar o 13º sobre a remuneração. Além da verba de representação, os embaixadores têm direito a indenizações como auxílio-moradia, auxílio-familiar, auxílio mudança, transporte e diárias no exterior.
Quanto vale a verba de representação dos embaixadores
A representação é destinada a compensar as despesas de forma compatível “com responsabilidades e encargos”, como diz a Lei 5.809, de 1972. São considerados fatores como o grau de representatividade da missão, a hierarquia funcional, o custo e as condições de vida de cada país. O valor é calculado pela multiplicação do índice de representação, correspondente ao cargo, pelo fator de conversão da sede, expresso em unidades de dólar.
O blog fez o cálculo da Irex nas principais embaixadas. Em Tóquio, é US$ 13,6 mil – ou R$ 75 mil. Em Genebra, na Suíça, chega a R$ 71 mil. Em Libreville, no Gabão, R$ 64 mil. Em Luanda, Angola, R$ 59 mil. Em Paris e Roma, R$ 56 mil. (Veja o quadro completo abaixo)
Questionada sobre os elevados valores da Irex, a Associação dos Diplomatas respondeu: “É fundamental o entendimento de que o diplomata é o representante do país no exterior. Pense nesse representante de carreira de Estado como um executivo. No caso de um embaixador (último nível da carreira) seria o equivalente a um CEO”.
Auxílio-moradia e outros penduricalhos
A associação também foi questionada sobre as verbas extras, ou penduricalhos, que não estão submetidas ao teto remuneratório dos servidores públicos (R$ 39,3 mil) nem sofrem desconto do imposto de renda porque são indenizações. “Não são penduricalhos nem indenização de despesas! Enquanto o salário de todos os diplomatas é igual em qualquer posto, a Irex varia segundo o posto, levando em conta: custo de vida, importância do posto, periculosidade, aspectos sanitários, etc”, disse a entidade de classe.
Os embaixadores têm direito a auxílio-moradia, com ressarcimento mediante comprovação do pagamento. Quando a residência do embaixador é alugada, o pagamento é feito diretamente ao proprietário do imóvel. A Associação de Diplomatas afirma que em Paris, Londres, Roma Washington, Madri e Lisboa, os imóveis onde residem os embaixadores são próprios da União. “Não há aluguel a ser pago, portanto não há auxílio moradia”.
A associação ressalta que “auxílio mudança não é remuneração. É paga quando há uma transferência e é conhecida como auxílio instalação. Em alguns países o aluguel tem de ser pago adiantado, em alguns casos um até ano, ou tem de ser depositado 3 ou 6 meses como garantia. Vale lembrar finalmente que os salários são pagos em dólares. Quem reside em país da zona euro ou em região sob a influência do euro, como muitos países africanos, só neste ano houve uma perda de 9,5% por causa da desvalorização do dólar”.
Renda de embaixadores respeitam o teto?
Na remuneração dos embaixadores, registradas no Portal da Transparência, consta o valor da remuneração básica e o valor do abate-teto. O resultado fica em torno de US$ 10 mil – algo em torno de R$ 55 mil. No caso do embaixador no Japão, em junho, foram US$ 12,3 mil, com redutor de US$ 2,35 mil. A renda básica caiu para US$ 9,9 mil – ou R$ 54 mil, quando o teto é de R$ 39,3 mil.
Questionado sobre essa contradição, o Itamaraty limitou-se a informar que a aplicação do limite remuneratório constitucional a servidores em exercício no exterior é regulamentada pelo Acórdão 2054/2013 do Tribunal de Contas da União (TCU). O Acórdão determinou que, no prazo de 60 dias, a remuneração fosse limitada ao teto constitucional, computando, para tanto, as parcelas referentes à retribuição básica, à gratificação no exterior por tempo de serviço e ao fator de correção cambial.
Irex é renda ou indenização?
A auditoria que resultou no Acórdão 2054 também analisou o caráter da representação no exterior. O relatório pondera que a interpretação dessa parcela como possuindo caráter indenizatório não se coaduna com a doutrina predominante, pois não visa a ressarcir o servidor.
E cita Marçal Justen Filho, para quem “a indenização consiste em valor pago para recompor o patrimônio do servidor, em virtude de desembolsos por ele realizados no interesse ou em virtude do exercício de suas funções”. A auditoria concluiu, portanto, que a Irex não possui caráter indenizatório e, por isso, deve ser computada para efeito de aplicação de teto remuneratório constitucional.
No seu voto, o relator do processo, ministro Benjamin Zymler, escreveu que a instituição de parcelas indenizatórias tem por objeto evitar o enriquecimento ilícito por parte da administração, “de forma a haver o ressarcimento de despesas efetuadas pelo servidor no interesse ou no exercício de suas funções. Esse é, pois, o pressuposto para que determinada parcela remuneratória possua a característica de ser indenizatória”.
O relator completou: “É certo que, de forma a não se transmudar em remuneração, o valor da indenização deve ser compatível com as despesas tidas como indenizáveis. Nas situações em tela, adotando a remuneração dos chefes de missões diplomáticas como exemplo, observo que o valor da Irex representa de 38 a 55% do total da remuneração. Tratam-se sem dúvida de valores expressivos, mas que não permitem de antemão a conclusão de que tenha sido desvirtuado o caráter indenizatório da vantagem”.
As maiores rendas nas embaixadas em milhares de R$
embaixada | embaixador | Irex | total |
Libreville ( Gabão) | Appio Cláudio Muniz Acquarone | 64 | 206 |
Tóquio | Eduardo Paes Saboia | 75 | 200 |
Luanda (Angola) | Paulino Franco de Carvalho Neto | 59 | 191 |
Genebra (Suíça) | Evandro de Sampaio Didonet | 71 | 190 |
Roma | Hélio Vitor Ramos Filho | 47 | 185 |
Londres | Claudio Frederico de Matos Arruda | 54 | 176 |
Síria | Fabio Vaz Pitaluga | 46 | 173 |
Pequim | Paulo Estivallet de Mesquita | 55 | 168 |
Moscou | Tovar da Silva Nunes | 45 | 168 |
Lisboa | Carlos Alberto Simas Magalhães | 43 | 162 |
Berlim | Roberto Jaguaribe Gomes de Mattos | 47 | 162 |
Abu Dhabi (Emirados Árabes) | Fernando Luís Lemos Igreja | 45 | 160 |
Tel Aviv | Paulo Cesar Meira de Vasconcellos | 45 | 160 |
Riadi (Arábia Saudita) | Marcelo Souza Della Nina | 45 | 159 |
Maputo (Moçambique) | Carlos Alfonso Iglesias Puente | 43 | 158 |
Ottawa | Pedro Henrique Lopes Borio | 43 | 153 |
Pretória (África do Sul) | Nedilson Ricardo Jorge | 32 | 151 |
Madri | Pompeu Andreucci Neto | 44 | 150 |
Nova Delhi (Índia) | André Aranha Corrêa do Lago | 34 | 144 |
Buenos Aires | Sérgio França Danese | 40 | 141 |
Washington | Nestor José Forster Junior | 52 | 136 |
Paris | Carlos Márcio Bicalho Cozendey | 56 | 131 |
Fonte: Itamaty e Portal da Transparência |
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS