As viagens do então presidente Jair Bolsonaro no período oficial de campanha eleitoral custaram pelo menos R$ 7,8 milhões aos cofres públicos. A maior parte foi gasta com locação de veículos para o transporte terrestre da comitiva presidencial e de seguranças – R$ 3,4 milhões. Os cartões corporativos do presidente pagaram despesas no valor de R$ 1,9 milhão, a maior parte com hospedagem e alimentação dos seguranças. As passagens e diárias para seguranças e assessores custaram mais R$ 2,6 milhões.
Os dados de cada viagem presidencial foram obtidos pelo blog por meio da Lei de Acesso à informação. Mas a Presidência da República informou apenas a data, o destino e o tipo de despesa (veículos, cartões, diárias e passagens) de cada viagem. O blog analisou os deslocamentos do presidente no período de 16 de agosto a 30 de outubro, quase a totalidade para eventos da campanha eleitoral. Mesmo nesses eventos, as despesas com seguranças e equipe de apoio são pagas com recursos públicos. A conta fica para o contribuinte.
Reportagem do blog mostrou parte dos gastos custeados pelos cartões corporativos do então-presidente Bolsonaro. A mesa era farta e sofisticada no Palácio da Alvorada, com lagostins, camarões eviscerados, bacalhau dessalgado e outras iguarias. Os cartões pagaram ainda hospedagem de seguranças para Michelle e Carlos Bolsonaro e até combustível para motociata.
As viagens mais caras
A viagem mais cara foi para São Paulo, em 23 de outubro, quando Bolsonaro fez comício da sede da Igreja Mundial do Poder de Deus. Ele criticou decreto de combate à desigualdade de gênero, baixado por Lula em 2009. Afirmou que o resultado seria a “destruição da família”. A viagem custou R$ 545 mil, sendo R$ 222 mil com veículos, R$ 195 mil com diárias e passagens para a sua equipe de apoio e R$ 126 mil com cartões corporativos.
No início de setembro, o presidente vez duas viagens próximas para o Rio de Janeiro, seu principal reduto eleitoral. Depois de participar do desfile de 7 de setembro, em Brasília, foi para o Rio, onde foi montado palanque na praia de Copacabana. Bolsonaro falou em tom agressivo: "O que faltava para nós? Faltava acordarmos da mentira, das palavras bonitas. Eu não sou bem-educado, falo palavrões, mas não sou ladrão". Ele retornou a Brasília no dia 8, mas voltou ao Rio no final de semana seguinte. Esteve na revista naval promovida pela Marinha, em evento evangélico em São Gonçalo (RJ) e em evento da Assembleia de Deus Ministério de Madureira. Enfim, atendeu o seu eleitorado mais fiel. As duas viagens custaram R$ 720 mil, com R$ 324 mil pagos com cartões corporativos e R$ 250 mil com locação de veículos.
O então presidente foi a Manaus participar do Seminário Manaus 5G, em 22 de setembro. Mas também esteve no comício do governador Wilson Lima (União), seu aliado no estado. A viagem custou R$ 451 mil, com R$ 226 mil gastos com veículos de transporte e R$ 173 com diárias e passagens. Em 27 de setembro, participou de motociata e carreata em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), onde fez fotos montado num touro. Mais R$ 270 mil na conta dos pagadores de impostos.
No dia 17 de setembro, já havia visitado Caruaru e Garanhuns (PE), em busca dos votos dos nordestinos. Subiu num trio elétrico e fez discurso em Caruaru. Disse ser um presidente que “não quer liberar as drogas e não quer a ideologia de gênero para nossos filhos e netos”. Criticou os escândalos de corrupção nos governos petistas. À tarde, em Garanhuns, participou da Marcha para Jesus. Exaltou programas do seu governo, como o Auxílio Brasil. A passagem pelas duas cidades saiu por R$ 736 mil, com R$ 362 mil gastos com locação de carros. Mas não conquistou os votos que esperava.
Motociatas país afora
Em 8 de outubro, torrou R$ 295 mil na viagem a Belém, para participar da Romaria de Círio de Nazaré numa corveta da Marinha. Era uma tentativa de aproximação com os católicos. As despesas da Presidência chegaram a R$ 195 mil, com R$ 105 mil em passagens e diárias para seguranças e assessores. Mas não deu sorte. Fez uma postagem nas redes sociais para dizer que estava em Belém participando do “Sírio de Nazaré”.
O primeiro evento da campanha de Bolsonaro em São Paulo ocorreu em 18 de agosto, em São José dos Campos. Ele visitou o Parque Tecnológico ao lado do candidato a governador de São Paulo Tarcísio de Freiras (Republicanos), que foi eleito. Não faltou a motociata. A viagem custou R$ 270 mil, sendo R$ 111 mil com locação de veículos.
Em 1º de outubro, Bolsonaro participou de motociata em São Paulo como último evento do primeiro turno das eleições. Ao mesmo tempo, foram realizadas motociatas no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. A intenção era reunir muitos seguidores num mesmo dia par reforçar a tese do "data-povo", numa forma de se contrapor às pesquisas de opinião, que apontavam a vitória de Lula. No mesmo dia, à tarde, participou de motocarreata em Joinville. Os custos da passagem do presidente por São Paulo e Joinville chegaram a R$ 466 mil, com R$ 206 mil gastos com aluguel de veículos.
Em 26 de agosto, esteve na Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos. Não teve motociata, mas o presidente desfilou pela arena principal montado a cavalo. Fez um rápido discurso com viés eleitoral, ressaltando que acabou com a "violência" do Movimento dos Sem Terra (MST), e saudou o agronegócio: "Vocês são orgulho não apenas nosso. Sem o agronegócio, o mundo passa fome". A viagem custou R$ 323 mil, sendo R$ 128 mil com cartões corporativos e R$ 103 mil com locação de veículos. No dia seguinte, partiu para uma motociata em Vitória da Conquista (BA). A despesa chegou a R$ 365 mil, sendo R$ 168 mil com aluguel de veículos e R$ 100 mil com cartões corporativos.
Campanha iniciou no local da facada
No dia 24 de agosto, Bolsonaro esteve mais uma vez em Belo Horizonte. Liderou uma motociata e fez a sua concentração na Praça da Pambulha. Chegou a cair sentado no chão. A viagem custou R$ 258 mil. Ele havia feito o primeiro evento oficial de campanha em Juiz de Fora (MG), em 16 de agosto. Escolheu a cidade porque foi ali que ele sofreu a facada de Adélio Bispo, em 6 de setembro de 2018. O evento ocorreu no local exato do atentado, no cruzamento das ruas Halfeld e Batista de Oliveira. Mais uma despesinha de R$ 180 mil.
Quando não têm obras prontas, os políticos costumam visitar as obras em andamento. Bolsonaro foi até Foz do Iguaçu, em 31 de agosto, para visitar as obras da Ponte da Integração. Disse que o Paraguai interessa o Brasil, por ser "democrático e cristão". Prometeu zerar os impostos sobre ração para piscicultura e duplicar a produção de peixe no lago de Itaipú. A viagem custou R$ 282 mil, com R$ 178 mil gastos com diárias e passagens.
Em 23 de setembro, Bolsonaro fez comícios em Divinópolis e Contagem, em Minas Gerais. Em Contagem, comparou 2022 a 1964, ano do golpe militar que gerou uma ditadura de 20 anos. E pediu sabedoria para "entregar governo lá pra frente". Em divinópolis, procurou mostrar otimismo. "Nós somos a maioria, nós venceremos no primeiro turno. Não existe eleição sem povo nas ruas". As duas viagens custaram R$ 290 mil.
Os mais fortes ataques a Lula talvez tenham ocorrido em Campinas, em 24 de setembro, num comício no Largo do Rosário. "Lula é o maior ladrão que passou pela história da humanidade. Sou um caipira do interior de São Paulo, mas não sou ignorante como é esse ladrão", afirmou o então presidente. A viagem custou R$ 235 mil.
Em busca dos votos nordestinos
No dia 15 de outubro, um sábado, Bolsonaro fez comícios em Teresina, Fortaleza e São Luís. A viagem custou R$ 492 mil, sendo R$ 240 mil com locação de veículos e R$ 132 mil com cartões corporativos. No Santuártio Assembleiano de São Luís, mandou uma indireta para Lula: "Temos valores, princípios, temos uma religião. Acreditamos em Deus. Alguns dizem que não deveríamos falar em eleições em templos religiosos, mas falamos de eleições hoje para que amanhã possamos falar de Jesus nas nossas igrejas". Na época, fake news afirmavam que Lula fecharia templos se fosse eleito.
Em Teresina, Lula usou a sigla CPX, usada em bonés de jovens de favelas, para atacar Lula. "Ele não olhou para os mais pobres. Olhou apenas para os seus amigos, seus cupinchas do crime". Em seguida, foi esclarecido que a sigla seria a abreviatura de "complexo". Dois dias antes, em Recife, Bolsonaro pediu desculpas pela sua conduta no combate à pandemia. Disse que fez "o possível para ajudar no combate à Covid-19. Houve, da minha parte, algum exagero por parte das minhas palavras. Peço desculpas, mas faz parte da emoção". As pesquisas de opinião mostravam a reprovação da sua atuação durante a pandemia. Expressões como "não sou coveiro" e "gripezinha" foram muito utilizadas na campanha de Lula.
Em 25 de outubro, já com a eleição próxima, Bolsonaro ainda buscava votos no Nordeste. Num só dia, ele esteve em Guanambi e Barreiras. Participou de uma carreata e fez um comício na Praça da Feira, região central de Guanambi. Pediu votos para o presidente do União Brasil, ACM Neto, que disputava o governo do Estado contra o PT. Em entrevista, afirmou: "Olha, o adversário do Brasil todo é o PT". O União agora faz parte do governo Lula. Aquela viagem dupla custou R$ 481 mil, sendo R$ 332 mil com veículos. Na reta final da campanha fez outro evento duplo em Teófilo Otoni e Uberlândia, em Minas Gerais. Mais um gasto de R$ 271 mil.
O transporte do presidente em campanha
A legislação eleitoral estabelece as regras para o transporte e segurança do presidente da República que disputa a reeleição. As despesas com o transporte oficial do presidente e sua comitiva, em campanha eleitoral, são responsabilidade do seu partido político. Mas as despesas com a segurança do presidente da República são pagas pela Presidência da República. A Resolução Tribunal Superior Eleitoral 23.610/2019 diz que, “no transporte do presidente em campanha ou evento eleitoral, serão excluídas da obrigação de ressarcimento as despesas com o transporte dos servidores indispensáveis à sua segurança e atendimento pessoal”.
A Advocacia Geral da União (AGU) analisa a possibilidade de pedir a devolução do dinheiro utilizado por Bolsonaro por meio dos cartões corporativos durante a sua campanha eleitoral, segundo afirmou a colunista Bela Megale, de O Globo. Mas o valor gasto com cartões corporativos representaram apenas 20% das despesas das viagens durante a campanha custeadas pela Presidência da República. As despesas com veículos, passagens e diárias foram bem mais pesadas.
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