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Antissemitismo e boicote a judeus na Alemanha nazista
Boicote nazista à loja Kaufhaus N. Israel, em Berlim, em abril de 1933. O cartaz à direita diz “Alemães, defendam-se! Não comprem de judeus”.| Foto: National Digital Archives of Poland/Domínio público

Fazer um alerta, para que a história não se repetisse... Era esse o meu principal objetivo quando decidi escrever o livro Cartas de Elise – uma história brasileira sobre o nazismo, que narra os dramas enfrentados pela parte alemã e judia da minha família. Elise era minha bisavó, mãe do meu avô paterno, Ernst, que foi morar no Brasil em 1934. Ele foi o primeiro da família a perceber o risco real que o nazismo representava, e não hesitou em deixar a Alemanha. Sua mãe tentou se enganar por muito tempo, desconsiderou a ameaça, ou achou que não seria atingida, graças às suas condições sociais e financeiras privilegiadas. Quando a perseguição e a segregação aos judeus chegaram até Elise, ela, finalmente, descreveu em carta ao filho já no Brasil o que estava acontecendo. E o que sentia não era exatamente revolta, raiva, era vergonha... Por isso, a carta terminava com um pedido ao filho e à nora: “Não contem para ninguém”.

A desorientação da minha bisavó era doída. E eu só podia entender a última frase daquela primeira carta dela com relatos sobre os horrores nazistas de uma maneira: “Contem para todo mundo!” Hoje, amanhã, sempre, é preciso falar do período mais tenebroso da história da humanidade. É o melhor caminho para evitar que aquilo se repita. Durante muito tempo, tive mesmo a impressão de que estávamos livres da doença antissemita, de que o preconceito, o ódio e a selvageria contra um povo estariam limitados a um grupo pequeno de estúpidos, já que eles sempre existirão. E, de repente, na Europa, nos Estados Unidos e, o mais assustador para mim, no Brasil, os ataques aos judeus ganham força, o movimento insano pelo fim do Estado de Israel se espalha.

Ninguém se revolta contra um governo que se atira no preconceito, na xenofobia, no antissemitismo, no racismo

Lula e a diplomacia do PT têm demonstrado sem qualquer constrangimento de que lado estão. E não há surpresa: estão do lado errado. E quase não há reação a isso. A maior parte dos políticos aceita, a imprensa aceita. Parece até normal que o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, confesse que uma empresa de Israel venceu uma licitação para a compra pelo Brasil de veículos militares e que o processo foi barrado: “Houve agora uma concorrência. Venceram os judeus, o povo de Israel, mas, por questões da guerra, o Hamas, os grupos políticos, nós estamos com essa licitação pronta, mas, por questões ideológicas, não podemos aprovar”. Ninguém se revolta ao saber que o governo do PT tentou dar a vitória ao segundo colocado na licitação, o que o TCU não permitiu. Ninguém se revolta contra um governo que se atira no preconceito, na xenofobia, no antissemitismo, no racismo.

O Estadão Verifica chegou a publicar que Múcio não quis dizer o que disse... A “agência de checagem” alega que assessores da Presidência, “na verdade”, avaliaram que a aquisição dos blindados israelenses, por quase R$ 1 bilhão, poderia financiar ataques a palestinos. Um “especialista” ouvido pelo Verifica – um professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – afirmou que “os entraves relacionados à licitação não representam um caso de antissemitismo por parte do Estado brasileiro”. E, se uma agência de checagem, baseada na opinião de um sociólogo e de “assessores da Presidência”, disse, não há o que discutir.

O nazismo na Alemanha foi assim, começou com o boicote a estabelecimentos de judeus. Em 1.º de abril de 1933, foi feita a primeira ação coordenada do regime. “Arianos” não poderiam comprar nada, nem ir a consultórios ou escritórios de profissionais judeus. Os nazistas marcaram os estabelecimentos com a Estrela de Davi e a palavra “Judeu”, e espalharam cartazes com os seguintes dizeres: “Alemães, defendam-se! Não comprem de judeus”. Houve violência e até mortes. Depois, veio a Noite dos Cristais, vieram leis que simplesmente afastaram da sociedade alemã aqueles que os “arianos” diziam que tinham influência demais na economia e eram os culpados pela devastação econômica causada pela Primeira Guerra Mundial e pela Grande Depressão.

Minha bisavó Elise sofreu isso tudo. Teve de vender obrigatoriamente a arianos seus imóveis, e sempre por preços irrisórios. Para se sustentar, acabou alugando cômodos de sua casa e trabalhando como acompanhante de idosos. O sobrinho dela, brilhante estudante de Direito, foi obrigado a se transferir para a Universidade de Oxford, na Inglaterra, já que não podia mais frequentar a faculdade em Berlim. O enteado da Elise teve seu escritório de advocacia fechado e foi morar na Palestina, que ainda era um protetorado britânico. E só piorou, só piorou, até a solução final, a execução em massa de judeus nos campos de concentração e extermínio. Quem garante que não estamos caminhando para algo assim, mais uma vez? Políticos desprezíveis e “agências checadoras de fatos”, que se baseiam na própria opinião descabida e na opinião de quem está abraçado a terroristas e insiste em enxergar no Estado de Israel o maior mal de todos os males.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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