
Estou aqui, na maior ansiedade, preparando o meu curriculum vitae, o meu currículo, o meu CV. Não estranhe essas duas letrinhas, se remetem a algo ruim, essa é a ideia, é mais um ponto para mim. A seleção para o emprego dos meus sonhos, para trabalhar ao lado do meu maior ídolo, pode, aos tolos, também parecer insólita... O que procuram são os melhores entre os piores. É um desafio perfeito para alguém como eu.
Como há apenas três vagas, é preciso ser alguém, primeiro, com longo histórico de descumprimento das leis, de todas elas. Desde as regras familiares mais básicas da infância, passando pelos códigos Civil, Penal, Eleitoral, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Estatuto do Idoso, até chegar à Constituição. E nisso, desde pequeno, eu sempre fui um mestre. Assim, quase me sinto já trabalhando no gabinete do meu ministro preferido do mais importante tribunal deste país. Ele acaba de perder três de seus quatro auxiliares, e a escolha dos substitutos deve estar mexendo com o submundo...
Sou como meu futuro chefe: minto compulsivamente, sou manipulador, egocêntrico, não sinto remorso ou culpa, sou cruel, sou malvado, perverso, tirano
Eu vou abrir meu currículo com meu doutorado em sadismo. Depois, listo meu mestrado em crueldade. Também fiz várias pós-graduações. Tenho certificado de mentiroso, ainda que muita gente não acredite no que invento. É certo que, contratado, vou desenvolver minha criatividade e caprichar nos meus relatórios... O chefinho vai adorar! Aguardem. Por ora, se não engano todo mundo, se minhas simulações são ruins, se minhas narrativas não se sustentam, incluo mais uma linha em meu currículo... Fiz MBA em manipulação, chantagem e tortura. Curso avançadíssimo. Também tenho especialização em caradura e desfaçatez, e os outros que se danem.
Sou formado em Direito, e sempre detestei os livros que meu ídolo escreveu. Ainda bem que ele reconheceu que nada daquilo prestava e partiu para o que verdadeiramente interessa: a prática de arbítrios, abusos e ilegalidades, sempre em busca de um “bem maior”, ou seja, da lógica e do senso invertidos. Como não amar alguém que trata uma tirania como o suprassumo da democracia? Perseguir quem deve ser perseguido, censurar e calar quem deve ser censurado e calado, prender quem deve ser preso.
Eu mereço a vaga no gabinete do poderoso ministro. Em tudo penso como ele. Não interessa a origem das demandas jurídicas, não interessa. Sou louco por falsidade ideológica. Meu futuro chefe vai me apontar os criminosos, e eu vou encontrar para eles alguns crimes. Uma opinião mais ácida, e, pronto, posso dar um jeitinho... E quero que ele cisme diuturnamente, porque gosto de tragédia e sei que, quando ele cisma, é assim. Viva! As penas, as multas, os bloqueios de contas bancárias, de contas em redes sociais, o cancelamento de passaporte, isso tudo ele tem muito bem definido em sua mente brilhante.
Eu amo tudo o que os “certinhos” consideram errado. Comigo nunca vai ter essa de investigar sem ver a quem e julgar apenas quando provocado. Isso é papo careta... Sem essa de isenção e neutralidade. Meu ministro preferido pode ser o que ele quiser: vítima, acusador, investigador, juiz... Ele pode mandar em quem quiser, no Legislativo, no Executivo. Isso é lindo! E eu amo loucamente as incorreções. Sou um ser nocivo do bem... Sou perfeito para a função que está vaga.
Minhas principais características – incluo um tópico em meu currículo – são a falta de empatia, de piedade, o comportamento antissocial. Não me conformo com normas sociais e legais, não controlo meus impulsos. Sou como meu futuro chefe: minto compulsivamente, sou manipulador, egocêntrico, não sinto remorso ou culpa, sou cruel, sou malvado, perverso, tirano. Sou devotado à injustiça, e tomara que ainda possa potencializar minha psicopatia, sendo aprovado, como espero, para o emprego dos meus sonhos.
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