Não era exatamente um showmício... Apresentação musical não teve. Foi comício, quase tudo fora de tom. Desde o início. No palco, uma turma enorme sendo apresentada, um a um. Não teve show, mas teve clima de festa. Alguns nomes puxando aplausos efusivos, gritos de animação: “Uhu!”, assovios, não apenas da plateia, entre as autoridades também. Foram coisas assim: “Aí, meu prefeito!”; “Viva! Viva!”... “Bom dia às mulheres, aos homens, às crianças”... Mas esse não é aquele que estava dizendo que sua cidade tinha um sistema de proteção contra enchentes, que estava tudo sob controle, que nada de grave aconteceria? Então, ele explicou, sem se explicar: “Essa tragédia é fruto do descaso que a humanidade teve com a questão ambiental”. E tome aplauso... Estamos destruindo o planeta.
A Justiça confirmou o veredito do poder municipal: “A natureza, tragicamente, escolheu aqui para dar esse imenso sinal de alerta de que a mudança climática não é mais um problema abstrato, é um problema real, e nós precisamos enfrentá-la com medidas efetivas, com medidas concretas e com medidas corajosas”. Tudo mais são mentiras, é tudo uma “abominável onda de desinformação, de notícias falsas, de fake news a propósito do que está acontecendo no Rio Grande do Sul, do que está sendo feito no estado”. A culpa, toda a culpa, é das “criaturas das sombras, criaturas das trevas, que, sobre o sofrimento das pessoas, projetam a sua maldade”. Muitos aplausos, aplausos, aplausos.
Foi um comício mórbido. A exploração eleitoral de uma tragédia, no falatório do chefe sempre em descaminho, por longos 45 minutos
Os donos da verdade foram se revezando no palco, com o apoio total da plateia. Parecia tudo encaminhado, parecia tudo resolvido, e a claque cantou: “Olê, olê, olê, olá, laiaraiá, laiaraiá!”. Entre as autoridades, o clima era de satisfação, havia sorrisos, sorrisinhos, piadinhas no ouvido, ou em alto e bom som... Havia polegares para cima, risos, brincadeiras, abraços, punho cerrado, mas, quando o chefe falava, nada de mexer no celular... A moça deu bronca. Todos devem ser solidários ao chefe. Ele, que jura ter recebido um país destruído... Mas a mudança foi rápida, foi total. A maior prova disso? O número gigantesco de voluntários empenhados no socorro ao Rio Grande do Sul. Tudo por obra dele, nosso salvador e protetor. Se não fosse por ele, não haveria “milhões de voluntários e de voluntárias em defesa do povo gaúcho”. Quem faz críticas, que a turma no comício nunca chama de críticas, “será banido da política brasileira”. É hora de união!
E os animaizinhos? A moça só pensa neles. Uma parte do discurso do chefe foi sobre isso: “Qualquer hora, ela vai falar de baratas”, ele brincou... Talvez fosse tudo mesmo brincadeira. E não tinha fim: “Se você tem uma vaca, um boi, um touro, um rinoceronte, um elefante, você gosta de animal, você aprende a gostar”. “Qualquer negócio, manda uma carta ao ministro da Fazenda, para liberar recurso para uma cesta básica para os animais que foram encontrados”. Os animais estão à solta, subiram no telhado... “Ainda bem que a gente continua acreditando que é possível ter uma humanidade mais humana… Apesar da nojeira das fake news”.
E assim seguiu o comício... Não há nada melhor do que imposto! Porque o chefe não quer governar, quer cuidar. E prometeu casa para todo mundo que perdeu a sua na tragédia. As moradias que foram anunciadas para os atingidos nas enchentes no Rio Grande do Sul em setembro do ano passado, ele reconheceu, não foram entregues, mas “agora a burocracia vai acabar”. O chefe é a solução. Com ele, o Brasil se tornou um país maravilhoso. Tudo graças a ele, até que um “incivilizado” chegou ao poder. Não ficou pedra sobre pedra. Ah, se tivessem gastado com prevenção, não seria necessário tanto dinheiro na emergência... E a plateia se calou, não aplaudiu, não gritou, não assoviou... Nos últimos 22 anos, 16 se passaram com seus ídolos no poder.
Foi um comício mórbido. A exploração eleitoral de uma tragédia, no falatório do chefe sempre em descaminho, por longos 45 minutos. E ele quer acréscimos, mais um período, mais acréscimos, prorrogação... Ele quer viver até os 120 anos, disputar umas dez eleições. Aplausos, muitos aplausos, desgraça pouca é bobagem. Ele não tinha noção de que no Rio Grande do Sul havia tanta gente negra... Aplausos! E ele sai por aí, beijando muito as pessoas, coisa que não fazia: “Eu tô ficando moderno agora. Para mim, pode ser homem ou mulher, eu vou beijando logo”.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS