Domingo de carnaval, e o Brasil está largado na sarjeta. O desfile ainda vai longe: Unidos do Abuso; Acadêmicos da Ilegalidade; Império do Arbítrio; Paraíso da Perseguição; Independentes da Constituição; União do Fim do Mundo; Boêmios da Injustiça; Caprichosos do Antidemocrático; Arranco tudo pela frente; Inocentes são Vocês; Mocidade Alienada; Aprendizes de Nada; Estação Primeira da Devastação...
É o carnaval da fantasia alucinada, com enredo imposto pelos barões da folia, mas aceito de bom grado pelo Bloco dos Sujos da Imprensa... É o carnaval da dissonância, do batuque atravessado, que piora ainda mais os sambas berrados em desafinação obrigatória. As letras não se encaixam. Nem na melodia, nas notas desorganizadas, nem na realidade. Os refrões são como cantos selvagens, são um louvor a mentiras e narrativas.
No carnaval, os delírios são permitidos, é verdade. O estranho é que eles tenham tomado conta de todo o calendário, do ano inteiro, há muitos anos. A diferença é que nos dias oficiais de folia, o delírio ainda tem, digamos, algum regramento. Pelo menos, as escolas de samba devem seguir regras estabelecidas. São rígidas. Qualquer vacilo leva à perda de pontos, desclassificação, ao rebaixamento.
Esquizofrênicos autoritários e psicopatas juram que colaboram para a evolução da humanidade. E inventam uma série de problemas que restringem a possibilidade de “brincar o carnaval”. Quase tudo passou a ser ofensa, num vitimismo estrutural
Até para a folia de rua o “imbecil coletivo”, que Olavo de Carvalho desnudou, inventou um negócio chamado “Manual do Letramento Carnavalesco”. A imprensa vive publicando reportagens e artigos de opinião sobre isso. É o carnaval do não: “não é não; “cantada não”; “ele não”; “marchinha não”; “mulata não”; “apropriação cultural não”; “índio não”; “nega maluca não”; “árabe não”; “homem vestido de mulher não”; “mulher vestida de homem também não”...
Esquizofrênicos autoritários e psicopatas se vendem como bem-intencionados. Imaginam-se pessoas sensíveis, justas, inteligentes, belas, significativas, educadoras e fazem evoluções desajeitadas. São movidos por estupidez, arrogância, prepotência, mas juram que são livres de discriminação, que são abertos ao diálogo, enquanto promovem um patrulhamento sobre quase tudo, sobre o uso da língua, com preconceitos inventados que dão sopapos na etimologia... Palavras e expressões perdem seu significado, palavras e expressões que não definem nada são impostas.
Essa gente jura que colabora para a evolução da humanidade. E inventa uma série de problemas que restringem a possibilidade de “brincar o carnaval”. Quase tudo passou a ser ofensa, num vitimismo estrutural... “Vivemos a era do politicamente correto, e isso deveria ser uma ótima notícia”, alerta matéria do globo.com. E o texto critica o uso de fantasias carnavalescas que imitam “empregadas domésticas e enfermeiras sensuais, colocando a mulher como um objeto à disposição para ser tocada e usada da forma que o homem quiser. Em um país com altas taxas de estupro é inadequado reforçar a imagem da mulher como objeto sexual”. Ou seja, as mulheres podem ir para a folia seminuas, desde que suas “fantasias” não remetam a alguma profissão, e também a alguma etnia, a alguma religião...
Matéria do jornal A Tarde, de Salvador, também já falou disso... O texto condena as fantasias sensuais que remetem a alguma profissão porque elas “alimentam e fortalecem a imagem social sexualizada, expondo as mulheres a uma vulnerabilidade aumentada no ambiente de trabalho. Em vez de serem reconhecidas como profissionais competentes, elas são reduzidas a potenciais alvos sexuais, o que contribui para o aumento alarmante de casos de assédio”.
Fantasias ofendem, escreveu há poucos dias uma colunista da Folha de S.Paulo, revoltada com a oferta de “cocares de tamanhos e cores variados, fantasias de cigano, japonês, de árabe, de enfermeira, de copeira. Como os lojistas ainda não foram multados e não tiveram suas portas lacradas?” Ela adverte que “o pessoal sai de casa pensando só em se divertir, mas acaba gerando gatilho emocional em outrem, ao vestir fantasia de odalisca ou de freira sexy”.
Impossível não lembrar o “imbecil coletivo”, ao ler o artigo da Folha... Olavo de Carvalho escreveu o seguinte: “Uma ética que enfatize acima de tudo o combate e a denúncia é uma ética que induz cada indivíduo antes a fiscalizar os outros do que a dominar-se a si mesmo”. Denunciar seria cumprir o máximo dever... “É uma ética de espiões e fofoqueiros, maliciosos até a medula e totalmente destituídos de autoconsciência crítica. O estado de indignação universal não fomenta em nada a honestidade e a decência, antes institucionaliza a hipocrisia e põe à disposição dos malvados uma profusão de novas estratégias e pretextos moralizantes para a prática do mal”.
O Bloco dos Sujos da Imprensa se acha responsável por dirigir as consciências de seres desprovidos de consciência. Os jornalistas foliões que arrasta não têm consciência nenhuma
A coluna da jornalista da Folha prova que Olavo sempre teve razão. O texto fala da “etiqueta para um carnaval menos opressor”: “Não pode nada que reforce estereótipos de gênero, atitudes sexistas e de poder, que reduza a importância cultural de alguns povos, sem falar na apropriação cultural. Não é tão difícil evitar cancelamentos; os foliões de bloquinhos descolados trocaram qualquer adereço que possa magoar uma minoria por paetê e glitter – desde que seja biodegradável. Ai de você se meter um brilho de procedência duvidosa, do tipo que é vendido no camelô aqui da esquina”.
O Bloco dos Sujos da Imprensa se acha responsável por dirigir as consciências de seres desprovidos de consciência. Os jornalistas foliões que arrasta não têm consciência nenhuma... O que eles têm Olavo já descreveu: “o maior desprezo por argumentos e provas, e um gosto pronunciado pela ação psicológica que vai moldando os sentimentos da massa sem dar margem a discussões nem prestar satisfações à exigência de uma ‘verdade’”. Os jornalistas foliões, mesmo aqueles que não gostam de carnaval, o filósofo já explicou, “não veem nenhuma contradição entre exigir a liberdade sexual irrestrita e pedir severos castigos da lei para um olhar de cobiça eventualmente lançado por um macho a um par de pernas femininas; nem entre a irrestrita liberdade de palavra e o policiamento repressivo do vocabulário, para extirpar dele todas as expressões capazes de ferir suscetibilidades políticas, raciais, sexuais...”
O carnaval é exatamente como o resto do ano. As regras, as leis são maleáveis, são moldáveis, em qualquer área, em qualquer questão, em qualquer ocasião, conforme cada pessoa, cada grupo
Pelas normas do Bloco dos Sujos da Imprensa, não há nada contra Jesus Cristo virar um traficante de drogas, um bandido morto em confronto com a polícia, num tiroteio contra o diabo, ou virar uma mulher negra, um gay, um travesti, um transexual, um socialista... Uso de drogas, sim, mas com “redução de danos”... Um coma alcoólico sempre faz parte... Atentado ao pudor foi abolido faz tempo, desde que minorias não sejam afetadas. Sujeira nas ruas, interditadas ou não, liberada; patrimônio alheio depredado, liberado... Os blocos pedem passagem, e não há nada mais natural que haja canteiros destruídos, lixeiras, placas de sinalização...
O carnaval é exatamente como o resto do ano. As regras, as leis são maleáveis, são moldáveis, em qualquer área, em qualquer questão, em qualquer ocasião, conforme cada pessoa, cada grupo... Podem ser criadas, recriadas, interpretadas de qualquer jeito, de acordo com o desejo dos imbecis, dos poderosos do país do carnaval. E este meu texto, nesse cenário, pode ser chamado de “samba do francodescendente louco”, de “samba do teutodescendente amalucado”. Não me importo, atrás do Bloco dos Sujos da Imprensa, em seu desfile interminável, certamente, não vou. As marchinhas sepultadas, os novos estribilhos chulos, a falsa moral, o que posso contra isso? A dura realidade é que o país está bêbado, esbagaçado, pisoteado, largado num canto, e isso parece não ofender ninguém.
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