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Em entrevista a um canal de televisão a cabo que faz parte da rede de “assessoria de imprensa” da aliança STF-PT, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso criticou o que ele chamou de “politização indevida das Forças Armadas” nos últimos anos. E emendou: “Infelizmente, se reavivou uma assombração que já achávamos enterrada na vida brasileira, que é a do golpismo”. Barroso tem essa mania de falar sem parar, e ele e sua turma deixam claro que não sabem o que é espelho, que são adeptos do denuncismo desvairado e da falta de autocrítica. Fazem uma força danada para enxergar um golpe promovido sempre pelos outros, por aqueles que eles, de forma muito descarada, desavergonhada mesmo, escolheram como “inimigos da democracia”.
Na entrevista amigável, condizente com uma imprensa de estimação, sem perguntas pertinentes e cabíveis, sem questionamentos necessários sobre tantas contradições, Barroso ainda declarou o seguinte: “A pior coisa que existe para a democracia é general em palanque”. Pelo menos, ele não disse isso quando estava no palco dos comunistas da UNE e, muito à vontade, gritou: “Nós derrotamos o bolsonarismo!” Se a Barroso não resta dúvida de que as Forças Armadas não são um poder político, a ele está muito claro que o Judiciário, esse, sim, é... Com certeza, é, e o principal... Afirmar o contrário pode trazer problemas para qualquer um, desde que não esteja de mãos dadas com o grupo do Barroso. Por isso, o guerrilheiro José Dirceu nunca foi interpelado por dizer que o Judiciário nem é exatamente um poder... Wadih Damous, outro petista, também pôde pedir, despreocupadamente, o fechamento do Supremo. A questão está assim faz tempo: depende de quem faz e não do que é feito.
Recuo, então, para o ano de 2016, quando o impeachment de Dilma Rousseff foi, inconstitucionalmente, fatiado, numa sessão presidida pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski. Os petistas até hoje gritam sem parar e impunemente que o afastamento dela “foi golpe!”, “foi gópi!” Não, golpe foi a manutenção de seus direitos políticos, referendada por unanimidade pelo Supremo. No plenário do Senado, Kátia Abreu fez um apelo: “Peço aos colegas que não apliquem essa pena de inabilitação, pela honestidade e idoneidade da presidente, independentemente de erros que alguns concordam que ela tenha cometido. Ela já fez as contas e deve se aposentar com cerca de R$ 5 mil. Então, precisa continuar trabalhando para suprir as suas necessidades”. João Capiberibe disse que a manutenção dos direitos políticos de Dilma permitiria a abertura de “uma vereda para conciliação e pacto”. Jorge Viana, quase às lágrimas, seguiu esse mesmo caminho e falou em “democracia, convivência e em honra da presidente”. Renan Calheiros agiu para impedir, “além da queda, o coice”.
Se a Barroso não resta dúvida de que as Forças Armadas não são um poder político, a ele está muito claro que o Judiciário, esse, sim, é... Com certeza, é, e o principal...
Portanto, o fatiamento do processo de impeachment foi um golpe, em nome de alguma coisa que quiseram chamar de bondade e conciliação política... E dele vieram outros golpes. A senadora Kátia Abreu adiantou que Dilma não tinha a intenção de se candidatar... Golpe... Dilma foi candidata a senadora por Minas Gerais em 2018. As pesquisas eleitorais pareceram tramar um golpe para que ela fosse eleita. A petista liderava as consultas aos votantes, mas acabou derrotada por Rodrigo Pacheco, que tem aplicado, desde então, sucessivos golpes em todos os brasileiros, principalmente nos seus eleitores mineiros... Ex-eleitores, me arrisco a dizer, já que para o que o presidente do Senado tem feito há contragolpe previsto.
Em 2016, quando seu impeachment era iminente e as manifestações populares contra ela eram imensas, Dilma Rousseff pensou num jeito de escapar. Pelo menos foi o que contou o ex-senador Arthur Virgílio Neto, citando o que ouviu do general Eduardo Villas Bôas. O então comandante do Exército recebeu da ainda presidente um pedido de apoio e solidariedade para decretar estado de defesa. O militar não aceitou. E Arthur Virgílio, em entrevista recente, afirmou que “a tentativa de golpe por parte de Dilma é algo incomparavelmente mais concreto do que todas as acusações frágeis ao ex-presidente Bolsonaro”. E, se o ex-presidente, como Dilma, pensou em algum dispositivo constitucional para permanecer no poder, não há nada que o ligue ao vandalismo em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, o STF começou a abrir uma série de inquéritos intermináveis. O único arquivado desde então, na verdade, só mudou de nome: deixou de ser inquérito dos “atos antidemocráticos” e passou a ser das “milícias digitais”, que já foi prorrogado nove vezes. No mês que vem, o primeiro de todos, o Inquérito do Fim do Mundo, assim batizado pelo ex-ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, vai completar cinco anos. Juristas sérios deste país apontam ilegalidades, abusos e arbítrios em todos eles. E o que foi “descoberto” até agora? Que só quem critica os ministros do STF e não está com Lula e o PT mente, desinforma, faz discurso de ódio e, não gostando da democracia, pensa em golpe 24 horas por dia.
Em apenas dois anos de governo Bolsonaro, o STF já tinha tomado 123 medidas que interferiram no Poder Executivo. Mesmo prerrogativas constitucionais do presidente, como a indicação do diretor-geral da Polícia Federal e a concessão de indulto a condenado pela Justiça, foram barradas. O Supremo, que durante o período de Covid tirou de Bolsonaro a decisão sobre adoção ou não do lockdown, dando todo o poder a prefeitos e governadores, agora retira dos Executivos municipais e estaduais a decisão de exigir ou não a vacina da Covid em crianças...
O STF foi se esparramando pelo Executivo e também pelo Legislativo federais. A discussão no parlamento sobre a adoção do voto impresso auditável, com contagem pública dos votos, teve clara interferência do ministro Barroso, que não foi perguntado sobre o assunto na entrevista para amigos na última semana. Também não foi questionado sobre a declaração de que a suprema corte é uma espécie de “empurradora da história”... Nem sobre o “perdeu, mané”... A assessoria de imprensa da turma no controle do país é dona da pauta e não deu bola quando Dias Toffoli disse que os ministros do STF eram “os editores do Brasil”, quando ele afirmou que já tínhamos um “semipresidencialismo” no país, com o STF exercendo o papel de “poder moderador”. Isso tudo é bobagem. O que se deve lamentar mesmo, Barroso falou na entrevista, é “a politização indevida das Forças Armadas”. E – isso ele não disse, mas conclui-se – a politização do povo brasileiro.
Impossível não falar do vaivém do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância. Impossível não falar das artimanhas para anular as condenações do Lula e do uso de mensagens hackeadas, nunca periciadas, para acusar Sergio Moro de parcial... Como se Lula tivesse sido colocado na prisão por uma decisão exclusiva do atual senador, que agora pode perder seu mandato. Dá para chamar isso de golpe? Moro foi o responsável por isso sozinho? E os três juízes do TRF-4 que condenaram Lula por unanimidade? E os quatro juízes do STJ que condenaram Lula por unanimidade? E os ministros do STF que negaram habeas corpus para o petista quando ele estava na prisão?
Os ministros do STF viraram “figurinha fácil” em programas e noticiários dos canais de televisão companheiros. Falam sobre qualquer assunto, e sem parar, já que o roteiro nada jornalístico sempre os favorece
Lula foi solto e liberado para concorrer à Presidência da República... De novo, dá para chamar isso de golpe? E toda a campanha eleitoral, como ela deve ser tratada? Houve equilíbrio? Só um lado parecia não ter escrúpulos. Foi só coincidência o TSE ter tomado decisões quase sempre favoráveis ao PT e quase sempre desfavoráveis ao candidato do PL? Bolsonaro não podia chamar Lula de ladrão, corrupto, mostrar imagens dele, de José Genoino, José Dirceu e Antônio Palocci sendo presos... Lula podia chamar Bolsonaro de genocida, negacionista, miliciano, fascista e conseguiu que seu concorrente não pudesse usar na campanha imagens das enormes manifestações de 7 de setembro de 2022.
Ninguém podia falar da ligação de Lula com ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, e o petista também impediu a exibição de falas suas sobre a Covid e sobre o aborto, numa espécie de “autocensura”. Ficou decidido que ele não disse o que disse... Coisas assim: “Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus”; “É questão de saúde pública. Todos deveriam ter o direito de fazer o aborto e não ter vergonha. Não quero ter filho, vou cuidar de não ter filho. O que não dá é a lei exigir que a mulher tenha filho”.
Tudo contra Lula estava fora de contexto, era inverídico, montagem, edição... Quando começou a circular o áudio de um chefe de facção criminosa, manifestando sua preferência pelo petista na eleição, houve censura. E a justificativa do TSE para impedir a divulgação da gravação foi a seguinte: “A notícia informava que Marcola declarava voto no petista, sendo que, por estar condenado, ele não pode votar”. O título da matéria do portal estava malfeito; suprimiu-se a informação. Da mesma forma, a entrevista de uma senadora sobre o assassinato do prefeito petista Celso Daniel também foi censurada, assim como menções a casos de corrupção envolvendo o PT. Sendo uma figura decorativa no partido, Lula nunca soube do mensalão, do petrolão; nada passava por ele. Lula nunca teve ligação com nada de ruim, nunca, nunca.
Contra Bolsonaro, tudo era verídico. A favor dele, tudo era a mais pura mentira. E, nessa gigante onda persecutória, centenas de perfis nas redes sociais, canais em plataformas de vídeos e até veículos de imprensa tradicionais foram censurados, bloqueados ou banidos. Dá para dizer que o país foi perdendo a consciência e se curvando a um golpe? Definiram tendenciosamente os conceitos de fake news, desinformação, discurso de ódio, milícia digital e que tudo isso sempre foi obra única e exclusiva do que chamam de “extrema direita”. E foram proibidas de vez as críticas a ministros do Supremo e do TSE, como se todas elas fossem contra as instituições, e também os anseios por melhorias no sistema eletrônico de votação.
Os seres supremos parecem controlar tudo, ocuparam todos os espaços, passaram a circular com desenvoltura por eventos no mundo todo: congressos, seminários, desfile de escola de samba... Travestido de político, Luís Roberto Barroso esteve até no Fórum Econômico Mundial. Ninguém mais quer se limitar apenas aos autos, ninguém quer ser reservado, discreto, ninguém quer restringir seu convívio com empresários e políticos, mesmo que essas relações possam, eventualmente, provocar questionamentos sobre decisões jurídicas tomadas.
Os ministros do STF viraram “figurinha fácil” em programas e noticiários dos canais de televisão companheiros. Falam sobre qualquer assunto, e sem parar, já que o roteiro nada jornalístico sempre os favorece. E quem ainda tem senso crítico, bom senso e assistiu à entrevista de Barroso na semana passada entendeu muito bem o risco que corremos. O ministro disse o seguinte: “A imprensa vai ter de reocupar boa parte do espaço que perdeu para as plataformas digitais, porque passa credibilidade que as redes sociais não têm”. Isso agora é democracia, com censura às mídias digitais e a devolução do monopólio da informação, da propriedade da “verdade” aos veículos tradicionais, que nunca, nunca mentiram, erraram, se equivocaram, barraram o debate, militaram politicamente. Temos muito a agradecer aos salvadores da pátria, àqueles que restabeleceram a democracia. Os que discordam deles, esses, sim, são todos golpistas.
Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos