Até poucos dias atrás, os cinamomos da Faivre estavam pelados. Foi debaixo de um deles que vi o matador. Eram seis da tarde de uma segunda-feira, e o avistei de uma janela, nos fundos do meu apartamento. Na hora eu ainda o tomava por um sujeito comum. À moda dos arremessadores de martelo, ele girava uma barra de ferro, pretendendo manter afastados de si dois caras que tentavam agredi-lo. Os três brigavam no meio da rua, travando o fluxo dos carros, e as buzinas começaram a cantar. Foi esse canto, aliás, que me levou à janela.
Lá embaixo, o homem rodopiava com tamanha fúria que me veio a suspeita de que fosse louco. Tanto que seus agressores foram desistindo do combate corporal. Não sei se por compaixão ou prudência. Quando o homem parou de girar, simplesmente não o atacaram. Ele estava tonto e indefeso, talvez embriagado. Trôpego, foi se afastando de costas, rumo ao meio-fio, empunhando a barra feito um esgrimista. E não mexam mais comigo, ele dizia, aqui tem um homem.
Na calçada, ia desabar, mas se amparou no tronco do cinamomo. Soltou (ou deixou cair) a barra de ferro, que, ao chocar-se contra as pedras, emitiu um lindo som de sino. Aqui tem um homem, repetiu ele, e já parecia acalmar-se. Um dos caras, porém, inconformado com o cancelamento da briga, decidiu chamá-lo de bêbado e covarde, e aquela foi a deixa para que o matador, enfim, se revelasse.
Através da copa nua do cinamomo, eu o vi sacar uma arma. De onde saiu, não perguntem. O revólver simplesmente brotou entre seus dedos. Aquele homem, aliás, lembrava mesmo uma árvore ressequida, de galhos quebradiços, a arma florescendo numa de suas pontas. Com o revólver em punho, mas ainda atordoado pela vertigem, o matador voltou para o asfalto, valente e perguntador, a boca cheia de ironias, do que é que vocês me chamaram, quem é o covarde agora?
A plateia, que já se aglomerava diante da Reitoria, fugiu para o pátio da universidade. Apenas um sujeito partiu na direção oposta. Ele passava por ali de mãos dadas com o filho de dois ou três anos. Ao ver o revólver, pôs o menino debaixo do braço, como se carregasse uma pasta valiosa, e correu. Esconderam-se atrás de uma grande amoreira, próxima à esquina, um abrigo precário. Ao redor dela, o petit-pavé, manchado de vermelho, era um péssimo presságio.
No asfalto, mudos, os que iam morrer não ousavam dar as costas a seu assassino. Recuavam devagar, sobre a faixa picotada, as mãos espalmadas para a frente, na fé de que fossem à prova de balas. Por fim, pararam, os três. Não havia mais razão para que se movessem. A cena, por sua carga dramática, exigia dos atores que se imobilizassem, dando ao matador tempo de sobra para fazer a mira. Enquanto isso, suas vítimas, ternamente abraçadas, se espremiam contra a lateral de um carro.
E aí se passaram séculos sem que nada acontecesse. Apenas os caras abraçados se abraçaram com mais força, apequenando-se, comprimindo-se sem amor, a carne do primeiro contra a do segundo, na esperança de que seus corpos, um no outro, se evadissem. Experimentavam, quem sabe, o avesso de um abraço, pois naquele calor não desejavam acolher um amigo, e sim forjar um escudo. Na janela, não tendo quem me abraçasse, até me senti aliviado.
Aqui tem um homem, rosnou o matador. E disparou duas vezes, quase à queima-roupa. Errou e fugiu em direção à Amintas. Os dois caras, entendendo que ainda viviam, ganharam a XV. Ninguém morreu, nem se feriu. O trânsito voltou ao normal e os estudantes logo reocuparam a calçada. O pai e o menino saíram de seu esconderijo e, ato contínuo, passaram a colher amoras, a criança na garupa do adulto. Sim, ao menos o episódio serviu para que ambos descobrissem, em seu passeio diário pelo bairro, uma nova fonte de doçura.