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O estoicismo está na moda. Aliás, nunca saiu da moda desde as suas origens gregas na Antiguidade e nos brilhantes estoicos romanos. Essa relevância perene chamamos de constante estoica.
Você não sabe o que quer dizer estoicismo? O termo deriva da palavra "stoa", ou seja, pórtico, lugar com colunas, paredes vazadas, muitas vezes com pinturas, e teto, o que na Grécia antiga se constituía num espaço de trocas, fofocas, namoro, no qual Zenão de Citio, filósofo, dava aulas em Atenas por volta do ano 300 a.C., daí sua escola ficar conhecida como estoicismo. Mas isso é apenas um detalhe curioso.
Nem sempre falaram bem do estoicismo. Agostinho (354- 430), por exemplo, considerava o filósofo estoico um arrogante. A chamada "apathéia estoica" ou ataraxia (tranquilidade da alma), alcançada através de exercícios espirituais nos quais a razão atingiria a capacidade de controlar as paixões –dito de forma simplificada– parecia aos cristãos demais da conta para uma alma pecadora. Aos olhos de Agostinho, tratava-se de mero orgulho desmedido.
O mundo que nos engana, as expectativas que nos frustram, o sucesso que nos escraviza, as paixões que nos viciam, a dependência do mundo exterior como juiz de nosso valor, a nostalgia do passado ou a obsessão pelo futuro destruindo o gozo do presente, o medo da morte e da doença, a efemeridade inevitável da vida, enfim, são muitos os temas que tornam o estoicismo algo sedutor sempre, porque tais desafios são uma constante na vida em todas as épocas, da Antiguidade até hoje.
A filosofia antiga não era um mero exercício de argumentos e escrita de teses, mas um modo de vida, uma busca por viver melhor o dia a dia. Autores como o francês Pierre Hadot (1922-2010) foram essenciais na recuperação dessa diferença em relação ao que entendemos como filosofia hoje.
O filósofo antigo era um mestre de vida, não apenas um professor de teorias. Oportunistas de todos os tipos fazem uso dessa característica para vender a ideia de que a filosofia se presta à autoajuda, mas não é bem assim.
O preço existencial cobrado para ter uma vida filosófica é muito maior do que uma brincadeira de workshop.
A obra capital de Pierre Hadot, "La Citadelle Intérieure" (a cidadela interior), uma introdução às máximas de Marco Aurélio, imperador romano que viveu entre 121 e 180 d.C., é um primor para entendermos o estoicismo desse imperador filósofo.
Darei dois exemplos da magnitude da constante estoica pela pena de Marco Aurélio.
Um primeiro é a pergunta sobre o universo –e a vida dentro dele– ser regido por uma providência sábia e divina ("pronoia") ou pela contingência cega. Esse é um debate com a escola contemporânea da época conhecida como o atomismo epicurista para a qual tudo era regido pela mais cega contingência.
Crer na pronoia estoica era uma decisão de vida. Uma vez tomada, a tarefa era identificar, ali onde muitos viam o mais cego acaso, uma lógica perene, maior e efetiva. Crer numa providência agindo nas coisas implicaria em crer num sentido maior agindo sobre nós e, portanto, buscar viver segundo ele.
Esse sentindo não tem como centro de gravidade nossas próprias expectativas, mas a natureza maior do universo reinante, para quem nossas expectativas são insignificantes.
Ao contrário da arrogância suposta, o estoicismo é um exercício de humildade constante diante dessa pronoia.
Um segundo exemplo é uma das grandes regras de vida para o estoicismo. Nela, é necessário saber até onde podemos combater o destino tecido por essa providência e quando começa o imperativo de se submeter a ele, consentindo que nossa irrelevância diante da pronoia é nossa condição essencial. Daí nasce a imagem comum de que o estoico é um ser melancólico.
Penso que para uma época como a nossa, cunhada na crença de que nunca há limites para nossos desejos, nossas metas e nossas métricas, enfim, um mundo construído ao redor da máxima motivacional, o estoicismo nunca foi tão necessário e tão extemporâneo.
Diante da histeria reinante do mundo, a consciência da nossa irrelevância pode ser um traço de rara lucidez.